sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Livro - Os Lampert (Origens) 06

                                         A ITAPUCA DE JOÃO LAMPERT


                                       Foto - gentileza de Décio João Bozzetto

              Johannes Lampert era o quinto filho de Friedrich Wilhelm Lampert, jovem imigrante alemão, que chegou ao Brasil junto com a família de seus pais e irmãos em 1827.
 Nasceu em Dois Irmãos em 10 de fevereiro de 1851 e foi batizado na Igreja evangélica da comunidade, local de residência de seus pais agricultores.
  Em 1875 mudou-se para a localidade de Brochier, no então município de Montenegro, onde se casou com Maria Ehrig, de Maratá, localidade vizinha, também em Montenegro e com o prenome de Johann.
            Em Brochier, nasceram três filhos, entre 1878 e 1880 (dois gêmeos)
            Mudaram-se para a Linha Franck, no distrito de Teutônia, então município de Estrela, onde nasceram mais sete filhos até o ano de 1892.
            Os encontramos mais tarde, participando da igreja evangélica de Conventos, município de Lajeado, mas residindo do outro lado do rio Forqueta, em Arroio do Meio. Não encontramos registro de compra de propriedade. Lá nasceram mais duas filhas, Belarmina (+-1896) e Guilhermina (1898).
 Cremos que eram apenas meeiros, o que levou-os a correr todos os riscos.  Era tudo ou nada e mais uma vez trocaram de residência, cremos que em 1898, e desta vez para a região de Arvorezinha, nos altos do Planalto Médio, então município de Soledade. Na região já se encontravam outros interessados que também tinham obtido o Direito de Posse de áreas devolutas junto à Comissão de Terras do Governo do Estado, gente de origem luso-brasileira com quem os Lampert mantiveram convívio.  Era o único posseiro de origem alemã, isso mais de oito anos antes da chegada dos primeiros italianos. Sem dúvida, já haviam adotado a religião católica. Não seriam os únicos luteranos da região, o que facilitava o convívio com os católicos. Batizou toda a família e passou a chamar-se João. Faleceu em 1929 e sua esposa em 1943. Estão sepultados no cemitério da capela de São Lourenço, nos arredores de Arvorezinha. Deixaram enorme legado, mais de 300 descendentes e familiares. Um patriarca.
            O que teria levado João e sua família, já com doze filhos, para essa grande aventura? Seria um visionário, um pioneiro, um maluco ou um desbravador? Ou apenas mais um herói anônimo que ajudou a formar a pátria gaúcha? Deixara Teutônia, uma comunidade já formada, com igreja, pastor evangélico, cemitério, escola, parentes, amigos e transporte fácil de mercadorias pelo rio Taquari, para embrenhar-se no meio da mata virgem de beleza agreste, mas ainda com animais selvagens e bugres traiçoeiros, isolados e distantes de tudo e de todos? Viveram com produtos da caça e coleta de pinhões até que as lavouras iniciassem a produção agrícola.
            Graças à tradição oral de seus descendentes, sabemos que suas terras se iniciavam cerca da cidade de Ilópolis e seguiam na direção norte até a gruta nas margens do rio Guaporé, distante cerca de 10 km. Não identificamos a largura da gleba, mas deve ter sido no mínimo 1 km o que já representava mais de 1.000 ha de matas nativas, com araucárias e ervais.
            Decidiram residir no local que mais tarde se chamaria Itapuca (pedra furada), hoje em Anta Gorda, que pertenceu sucessivamente a Lajeado e posteriormente Encantado, onde foram os primeiros moradores.
            Somente a partir de 1906, chegaram madeireiros de origem italiana, provenientes de Caxias do Sul, Bento Gonçalves e Garibaldi em busca da colossal floresta de araucárias existente no local. Um verdadeiro El Dorado para uma serraria. Mais tarde, agricultores vindos de Encantado, passaram a adquirir lotes dos posseiros legalizados e algumas terras devolutas ainda existentes. Logo se tornaram a maioria da população. Mais tarde, outros colonos de origem alemã também vieram.
            A integração das etnias processou-se com naturalidade (para a sobrevivência, todos precisavam de todos).
            Apesar da integração inicial, uma geração mais tarde, famílias de origem alemã tiveram desavenças com as de origem italiana. Consta ter sido por razões de limites de terras, mas acreditamos que existissem principalmente divergências étnico-religiosas.
A foto acima, por volta de 1925, sem a nitidez desejável, mostra o momento do ”acordo”, os contendores, com a mão sobre uma bíblia, juram a paz, mas sem olhar um para o outro e nem para o livro. Parece sugerir e nos inclina a acreditar, que na verdade pode ter havido uma imposição por parte do subdelegado de polícia de Ilópolis, o pioneiro italiano e comerciante Leopoldo Spézia, identificado no meio dos três, de pé na porta da sua casa de comércio, vestindo um fardamento militar de sua própria criação. À direita na foto, um colono de origem italiana, vestindo um pala, satisfeito com a solução. À esquerda, certamente um de origem alemã, vestindo casaco preto. Ninguém conseguiu identificá-lo. Por dedução, cremos que poderia ser  o próprio João Lampert, mesmo com mais de 70 anos. Era o pioneiro e líder. Não haveria acordo sem ele. Aparentemente contrariado e com a cabeça recuada, parece manifestar repulsa silenciosa à solução apresentada, tanto que, logo após, todos os colonos de origem alemã venderam suas propriedades e foram adquirir outras em Arvorezinha, incluindo entre eles João Lampert e seus familiares, que adquiriram 300 ha. À direita, mais ao lado, um auxiliar do subdelegado está portando ostensivamente uma espingarda, argumento definitivo para o acordo.
Pode se comprovar a influência luso-brasileira no vestuário das testemunhas.
Ainda reside, em Arvorezinha, uma família remanescente, a de Ernesto Lampert. As demais foram para Passo Fundo, Jaraguá do Sul – SC, Barracão – PR e outras localidades.
Cremos que essa disputa entre descendentes de italianos e alemães, que motivou o êxodo dos germânicos, deve ser a única ocorrida no RS.
            Os filhos de João se casaram com esposos das três origens étnicas e consolidaram uma nova sociedade. Identificamos: Bôrtolo Girardi, um dos novos proprietários, que casou com Marcolina Suzana Emília Lampert, filha de João; a filha Oswaldine casou com Wilhelm Haas e o filho Guilherme casou com Maria de Lima Gomes, descendente de outro posseiro.  Um neto dele, Pedro, casou com Italina Toigo, bisneta de Antônio Toigo que, juntamente com seu irmão Ângelo, foram também  povoadores iniciais. Os Toigo adquiriram terras de João e mais tarde, por herança, parte das mesmas terras voltou à propriedade da família Lampert, cujos descendentes voltaram para Itapuca, hoje município de Anta Gorda.  Era de se esperar que as famílias pioneiras casassem seus filhos e netos entre si. E assim foi.
            Com o correr do tempo, os de origem italiana tornaram-se a maioria absoluta da população de Ilópolis e impuseram com naturalidade seus próprios costumes, prenomes, linguajar, sotaque inconfundível, culinária, cantorias, religiosidade, vestuário, cultura, comunicação ruidosa, economia, divertimentos e assim permanece na atualidade. Hoje, Ilópolis se encaminha para sua vocação e destino turístico, preservando e valorizando suas origens.

                                             D I V E R S O S

Mostramos na fotografia abaixo, quatro dos filhos de Carl Michel Lampert, 1841,
terceiro filho de Friedrich Wilhelm, da primeira imigração, membros de uma banda de sopro que animava festas e bailes no início do século em Almirante Tamandaré (Carazinho) e arredores. De pé, no meio, Jacob, 1865-1920. De pé, à direita, Carl Friedrich, o mais velho, 1861-1933. Sentado, à esquerda, Adam Jacob, 1869 e sentado, à direita, Clemens Peter, 1863-1917. Inicialmente, a banda tinha mais um irmão, Johann Friedrich, 1867, que, juntamente com seu pai, eram participantes de uma banda em Brochier, (na época, interior de Montenegro) até a separação dos quatro irmãos, migrantes para Almirante Tamandaré. Era vocação da família e uma segunda fonte de renda.  

      Não podemos deixar de destacar a originalidade da fotografia, salientando a roupa escura e a pose dos músicos. O uso de chapéu de aba larga, gravata ou lenço no pescoço, botas e esporas. O gesto de estarem servindo-se uma cerveja. A foto nos foi cedida por Vera Lúcia Lampert Fetter, bisneta do músico de pé à direita, tocador de clarineta.

          As famílias separavam-se e nunca mais um grupo tinha notícia do outro. A distância, no caso, de 250, km inibia qualquer possibilidade de novo contato. Passado mais de meio século, ficou ainda na memória de cada família, resquícios de lembranças de irmãos de seus antepassados que se deslocaram com suas famílias para outra região. Com o nosso trabalho, estas famílias voltaram a  identificar seus parentes e em alguns casos, reencontrarem-se.
            No nosso próprio grupo familiar, nosso pai nos contava que um dos seus tios, João Batista Lampert, nascido em 1875, deixara aos demais irmãos apenas a notícia que casara com Fausta Vianna, de São Francisco de Assis, para onde foi morar lá pelo ano de 1900 e que o casal tivera um filho. Nunca mais a família teve notícia dele ou dos seus descendentes. Nosso pai acreditava que tivesse morrido logo depois do casamento. Nos primeiros dias de março de 2000, fizemos contato telefônico com um Lampert, residente em Dom Pedrito e descobrimos, com recíproca surpresa e satisfação, que ela um neto descendente de João Batista, que tinha deixado familiares na região. Como poderiam os membros de uma família ficar um século sem qualquer informação de seus parentes provindos do mesmo tronco? O reencontro, até o lançamento da segunda edição foi apenas telefônico, mero acaso de curiosidade. Posteriormente, no ato de lançamento da segunda edição do livro, esteve presente sua neta Delta Lampert Torres, esposa do então prefeito de Dom Pedrito, assim como seu primo-irmão Carlos Moacir Lampert dos Santos. Acabamos descobrindo e registrando mais de 200 dos seus descendentes.
          Gertrudes Lampert de Souza, 1900, um dos 11 órfãos dos acontecimentos da revolução de 1923, que adiante relatamos, deixara para seu primo e nosso pai, a informação de que contraíra casamento com noivo de prenome Brasil e cujo sobrenome caiu no nosso esquecimento, assim como o local onde foram morar. Estiveram desaparecidos por mais de oitenta anos, pois tornou-se impossível localiza-los. Por muito tempo os procuramos. Meses atrás, encontramos um registro fiscal, com o nome de Gertrudes Lampert de Souza Hoewell, em Pelotas. De posse do guia telefônico daquela cidade, telefonamos para o primeiro Hoewell da lista. Nos identificamos, e o nosso interlocutor era um neto de Gertrudes. Ele encaminhou-nos para seu tio Élito Hoewell, que nos transmitiu as informações genealógicas de sua família. Trouxemos assim, de volta ao convívio da família Lampert mais esses parentes desaparecidos. Informou-nos Élito que fundara em Caxias do Sul, onde residiu, em 23 de setembro de 1950, a revista Odisséia, dedicada à literatura e turismo, edição mensal. Em 1951 transferiu a revista, redação e oficinas gráficas para Pelotas. Esta revista circulou até 1966. Instituiu o concurso “Embaixatriz de Turismo” no RS, promovido pela sua revista. Cessando de circulação, o concurso tem sido coordenado pelo I. F. Club do Brasil.
               Recebemos o livro de poesias “Nascente de Poemas”, editado, entre outros, pelo poeta Leonardo Lampert, de Passo Fundo. Selecionamos uma das suas poesias e, com orgulho, a apresentamos:

                                    RIO GRANDE (GRANDE ?)        

                        Esse Rio Grande já teve tenência.
                        Obscuro, oculta a sua brava história,
                        e hoje seus filhos vivem em busca de sobrevivência !

                        Não ha fronteiras floridas;
                        ha folhas secas e duras feridas.
                        Bate !
                        Bate no peito um
                        coração campeiro que
                        daquí não quer fugir.
                        Se sair, para onde ir?
                        (Fica, para enfrentar o desafio)

                        Minha terra tem outro cheiro
                        e, nesse desterro, a honra gaúcha parece varrida aos
                        poucos, mas
                        poucos percebem isso, meu Rio Grande !

                        O peão não come mais,
                        e seus filhos vão ser marginais?
                        Peão do asfalto, quem sabe.
                        Aquele guri tão pequeno cheira puro veneno,
                        e aquelas mulheres nuas e cruas na capital
                        desfilam a tragédia de um povo sem ideal.

                        Não te escondas atrás da trincheira,
                        nós ja vencemos lutas mais severas,
                        Não queria esses versos,
                        mas a verdade arde em meu peito,
                        Rio Grande, te quero Grande !!

            A outra foto mostra a residência de Carlos Pedro Lampert, 1889-1963, filho de Carl Friedrich, 1861 e neto de Carl Michel, 1841 em Almirante Tamandaré, com sua primeira esposa Guilhermina Nied. A casa era típica de colono desbravador da área de mato de araucárias e outras madeiras em cima da serra. Observe-se, no cercado à esquerda, a  junta de bois para o trabalho de tração e a estrebaria. Ao lado dele, o chiqueiro e mais adiante o galinheiro. Galpão e celeiro. No pátio, cavalo no cabresto e galinhas soltas. Todas as construções e cercas eram de madeira, sem valor no local e extraídas da própria terra. Pela pequena área já desmatada nos fundos, constata-se que o morador ali estava estabelecido ha pouco tampo. Havia ainda muito mato a ser derrubado e terra a ser plantada. Todas as construções eram cobertas por telhado de tabuinhas, ainda hoje encontrado em alguns velhos galpões da região. A foto tem a mesma procedência.       

                                                  FATOS HISTÓRICOS

            A procura dos ancestrais exigiu estudo acurado e teve por objetivo primário encontrar a verdade. Nos foram transmitidas muitas histórias enfeitadas, escritas e pela tradição oral, que se revelaram inexatas, exageradas ou incompletas.
            A tentativa de ajustar cada personagem ao momento e ao local nos levou a conhecer melhor toda a história gaúcha e acabamos encontrando em material já publicado, detalhes importantes dos fatos ocorridos e apresentados com conotação ufanista, nem sempre correspondente ao realmente acontecido, com omissão de momentos relevantes e com final não totalmente revelado. Nossos heróis eram apenas homens comuns e que se fizeram por esforço próprio. Nossos líderes, as vezes, não tiveram a visão de conjunto necessária no momento e também erraram em suas táticas e estratégias. Nem por isso perderam o seu valor e a nossa consideração.
            Nos apaixonamos pela história gaúcha e procuramos conhecer o contraditório. Muitos fatos divulgados de uma forma, não ocorreram bem assim. Em muitas circunstâncias, manifestamos claramente nossas deduções, sem que impliquem em depreciação. A verdade absoluta que procuramos na família Lampert é a mesma que buscamos nos fatos históricos do Rio Grande do Sul.  Achamos preferível ousar e construir idéias próprias do que apenas repetir meias ou pretensas verdades.  Acreditamos que vale a pena relembrar e reviver os fatos históricos do nosso amado Rio Grande do Sul.                         
            Entre 1835 a 1932, durante quase um século, nosso estado foi sacudido por revoluções armadas, alteração da ordem constitucional e violências  repetitivas e periódicas. Restaram vidas dos contendores perdidas e um oceano de lágrimas vertidas por esposas e mães que perderam seus entes queridos. Será que valeu a pena ? Não cabe nem discutir as razões e em nenhuma delas, apesar dos sacrifícios, restou saldo positivo que beneficiasse a população gaúcha.                                                                       

             Descrevemos a seguir momentos históricos do Rio Grande do Sul, juntando a história da família à do estado, visualizada sempre e no momento, pela ótica do Lampert protagonista. Procuramos também dar uma visão pessoal e equilibrada sobre o nosso ponto de vista na história oficial do RS, nem sempre bem conhecida. Achamos que é necessário conhecer melhor e interpretar a história nas épocas que viveram  nossos antepassados. Muitas famílias de colonos acabaram perdendo na tradição oral, a participação dos seus parentes nos acontecimentos históricos. Raras as famílias que ficaram alheias. A recordação do passado épico servirá de desafio e complementação ao estudo da história do Rio Grande do Sul. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário