O ÚLTIMO VEADINHO
Reinholdo
Scherer, forte comerciante em Forquetinha chegou nervoso no escritório do meu pai
em Lajeado. Já estivera duas vezes na Delegacia de Polícia e duas vezes com o
prefeito e não obtivera qualquer solução.
Surgira
na vizinhança um animal que destruía todas as hortas dos colonos. Provocara
pânico até que foi visto e identificado como um veado, inofensivo porém daninho,
que precisava ser removido ou morto. Alfaces, couves, ervilhas, nabos,
beterrabas e demais legumes, eram comidos ou danificados numa noite. De hábitos
de alimentação noturna, raramente era visto e, sempre matreiro, fugia à menor
aproximação de pessoas ou cachorros. Era um inferno na vida da colônia e era o tema
de todas as conversas. Escondia-se de dia em dois pequenos matos à beira de um
arroio
Soubera
“por aí” que meu pai, Mário Lampert, era parceiro de um grupo que,
eventualmente, era chamado para interferir com sucesso em casos idênticos. Seus
parceiros eram Antônio Agostini e Humberto Gasparotto, moradores da vila de
Canudos, que tinham matilha de cães apropriados para a caça de pelo. A caça aos
veados, na época, era permitida por lei.
Confirmada a notícia, meu pai marcou a visita para o segundo domingo
posterior. Por razões de segurança, os cachorros seriam conduzidos e soltos bem
na hora da missa ou culto luterano. Avisou os parceiros, que confirmaram.
No dia
marcado lá estavam os cães, acolherados dois a dois, os caçadores e mais o
Reinholdo que portava uma espingarda. Sabia onde o veado, na fuga, deveria
passar. Ficou à espreita, escondido. Os demais se espalharam em outras
“esperas”. Soltos os cachorros, logo
encontraram o rastro do veado e o acossaram. Descoberto, o veado fugiu perseguido
de perto pelos cães. Logo em seguida um tiro. Algazarra dos cães e em seguida o
silêncio. Logo compreendemos que o veado estava morto. Reinholdo acertou-o em
cheio.
Pendurado
em uma vara, foi trazido até a casa onde estávamos. Foi admirado e promoveu
comentários generalizados e curiosidade entre os colonos que estavam começando
a chegar, logo depois dos cultos religiosos.
O pai
sugeriu pose para a posteridade e fotografou. Ao lado esquerdo, portando a
espingarda do Reinholdo, meu irmão Luciano. À direita, eu com a espingarda do
pai. Em segundo plano o motorista do auto de praça de nome Albano e atrás de
mim o Reinholdo segurando a vara com o veado pendurado. Mais ao lado direito,
um colono em roupa domingueira e no fundo o dono da residência onde estávamos. O
veado era da variedade “virá”. Outro, na mesma região denominado “pororó ou
póca, era bem menor.
No ato da
foto, vários espectadores comentavam e examinavam o “feado”. Um deles, perguntou ao meu pai se era verdade
que um dos seus filhos matara o bicho. O pai riu-se e também o Reinholdo que
estava ao seu lado. Pronto, logo o boato espalhou-se para surpresa e admiração
de todos. Que “currís” danados. Era o ano de 1939 e eu tinha dez anos.
Tive meus
quinze minutos de efêmera glória, nem que fosse só de mentirinha.
Como bom
germânico, Reinholdo perguntou quanto custava o “serviço”. Nada, e pode ficar
com o couro e a carne. Agradeceu e disse que vários moradores das cercanias,
prejudicados pelo veado, desejavam comprar um pouco da carne, numa espécie de
ritual primitivo de compensação dos prejuízos. Dê a eles a carne, disse meu
pai. Ao meio dia já estávamos de volta a Lajeado.
Guardei a
caçada na memória e encontrei a foto no baú da história.
Crônica publicada no jornal A Hora dos Vales,
de Lajeado em maio de 2014.
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