quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Crônica - As barcas do Rio Taquari

AS BARCAS DO RIO TAQUARI

        Impossível escrever sobre o rio Taquari e seus afluentes, sem mencionar as barcas para atravessá-los.
        O rio Taquari recebe este nome na junção dos pequenos rios Carreiro e das Antas, no município de Bento Gonçalves, cujas nascentes são nos Campos de Cima da Serra, já perto do mar. O Taquari, em Triunfo, deságua no rio Jacui. Apesar de mais caudaloso, o Taquari perde o nome para o Jacui Seu nome deriva do topônimo guarani Tibiquari – rio das taquaras. Foi o único meio de transporte para a colonização do vale até o seu ocaso econômico na década de sessenta. A construção de uma barragem eclusada em Bom Retiro do Sul já após o colapso do rio não trouxe de volta a navegação fluvial. .
         O rio foi o único meio de transporte entre as cidades e a capital. Vapores e gasolinas de dupla atividade – passageiros e cargas. A vida econômica gravitava em torno do porto fluvial e com a decadência do Taquari, os pontos comerciais migraram para ruas livres das enchentes.
        O rio não era poluído, piscoso e proporcionava no verão, aglomeração de banhistas em todas as tardes. Em Lajeado, no porto dos “brudas” (corruptela de bruder – irmão em alemão) perto da ponte atual, remanso propício a natação e no fim da rua Benjamim Constant, no meio da cachoeira.  Dourados, grumatãs, piavas, cascudos, pintados, lambaris, carás, traíras, tambicus, jundiás e joaninhas. A fauna fluvial quase desapareceu e não existem mais pescadores profissionais.
         Até 1935 não existiam pontes. A primeira, na foz do arroio Forqueta, foi inaugurada em 1935 pelo interventor do RS Ernesto Dornelles. Estive no evento levado por meu pai Mário Lampert, aos seis anos de idade. Em meados de 1940, foram concluídas as pontes dos arroios Sampaio e Castelhano, na estrada de Lajeado à Mariante.  Em 1955, o governador Meneguetti inaugurou a ponte sobre o rio em Mariante. Foi um marco decisivo na vida econômica da região, permitindo rodovia sem barcas de Lajeado até Poro Alegre. Mais tarde, a BR 386 consolidou a travessia e reduziu as distâncias para Porto Alegre.
        Os rios e arroios eram servidos por “barcas” para as travessias. Dois cascos paralelos, atravessados por assoalho de madeira e rampas de acesso e saída, movimentadas por um rebocador acoplado ao lado da estrutura, levavam os veículos, animais e pessoas ao outro lado do rio, mediante pagamento. Nos arroios, as barcas não tinham motores. Um cabo de aço, estendido de lado a lado sobre o arroio era ligado à barca por um par de correntes com roldanas, na frente e atrás da barca, no lado a montante do rio. A tração era manual
     As barcas, lotadas nos “passos” de Taquari, Mariante, Bom Retiro, Cruzeiro do Sul, Estrela, Lajeado, Corvo, Roca Sales, Encantado e Muçum, atravessavam com muita morosidade o leito do rio, instransponível nas enchentes. Demorava-se no mínimo meia hora para cada travessia. Em Mariante, a espera por duas horas não era rara. Encontrava ali o tráfego rodoviário de Soledade, Venâncio Aires e Santa Cruz do Sul, preferencial para os ônibus de passageiros.
         O transporte de pedestres para o outro lado do rio era efetuado por pequenos caíques a remo. Entretanto, no Passo de Estrela, do município de Lajeado para a cidade de Estrela, era realizado por uma lancha apropriada, motorizada e com tolda. Carregava cerca de trinta passageiros de cada vez, sentados em banco periférico no barco, de forma cômoda e segura. Seu nome era Cruzador.
          A colonização do vale trouxe consigo o desmatamento desenfreado e a indústria da madeira serrada em tábuas e barrotes. Pinheiros, madeiras de Lei e comuns eram derrubadas, conduzidas por bois até a serraria, próximas a um arroio ou rio, serradas, desdobradas e depositadas na água. Eram amarradas em lotes e estes, quando das cheias do Taquari agrupados até formar uma “balsa”. Era o único meio de transporte existente. As balsas tinham um único marinheiro que evitava um possível encalhe nas margens. Tinham até 30 m de largura e 100 de comprimento e se destinavam a Porto Alegre. Sem meio de propulsão, seguiam com naturalidade pela corrente do rio, às vezes até 10 ou 12 dias para chegar ao destino. No meio da balsa, uma tosca cabana para o marinheiro, que continha um leito improvisado e um rústico fogão à lenha. De longe, já se avistava a fumacinha na chaminé. Os moradores de Lajeado dirigiam-se ao porto, para assistir e comentar as passagens, às vezes, três ou quatro quase emendadas.

Março de 2014


     Crônica publicada no jornal A HORA DOS VALES de Lajeado. Faz parte de uma série de vários autores sobre o tema O Rio Taquari, em 30 de abril de 2014.

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