UM HOLANDÊS EM PORTO ALEGRE E O TAXISTA
Os imigrantes que iam partir da Alemanha
para o Brasil, antes de embarcar, deveriam assinar um “termo de renúncia” da
cidadania germânica, para que nunca mais pudessem retornar e recebiam um “carta
de saída” para toda a família, que seria entregue na chegada.
Consegui uma cópia da família Lampert e
vi que faltava um imigrante. Partiram da Alemanha, Johann Jacob Lampert
(1784-1842), sua esposa e oito filhos, num total de dez pessoas. Desembarcaram
somente oito. Uma filha, Margareth Lampert, de três anos de idade, falecera na
travessia marítima. Continuava faltando um. Eu não deixaria o caso assim e
tratei de ver o que teria acontecido.
Consegui o endereço postal da paróquia
luterana de Niedereisenbach am Glan (hoje Glanbrücken), na região do Hunscrich,
Palatinado Renano e fiz, em inglês, uma consulta. Esta carta caiu nas mãos do
historiador local Hans-Georg Leppla, que já tinha correspondência com solicitação
igual enviada por Robert Donald Lambert, de Rotterdam, na Holanda, descendente
de Johann Jacob Lambert (1784) e seu filho homônimo Johann Jacob Lambert.
Leppla nos comunicou o fato e informou aos dois solicitantes os respectivos
endereços postais.
Trocamos correspondências em inglês e
constatamos que Johann Jacob Lambert (1804) (o filho), desistira de ir para o
Brasil e informara ao seu pai que iria para os Estados Unidos. Ficara sem
documentos.
Posteriormente, decidiu permanecer na
Holanda e tornar-se marinheiro e recebeu o apelido em holandês, que vertido ao
inglês, seria “walking feet”, na prática, um trotamundos. Aventureiro, envolveu-se
nas guerras de independência da Indonésia. Foi condecorado por bravura e faleceu
na ilha de Java em 1855. Deixou descendentes na Holanda, entre eles o nosso
parente Robert Donald.
Assim, finalmente encontramos o descendente
do parente desaparecido e separado da família brasileira por mais de um século
e meio.
Em maio de 1997, Robert Donald Lambert,
arquiteto urbanista, decidiu vir ao Brasil, visitar Brasília e nos informou.
Imediatamente o convidamos para vir ao Rio Grande do Sul e hospedar-se em nosso
apartamento. Convite aceito.
O levamos para conhecer vários municípios
de colonização italiana e alemã. Região dos vinhedos, do Alto Taquari, de
Gramado e arredores do Guaíba. Churrascos, galetos, cafés coloniais e outras
amostras da culinária gaúcha. Nunca viu tanta fartura. Fotografou todas as
churrasqueiras para não passar por mentiroso em suas volta a Rotterdam.
Um dia, manifestou o desejo de conhecer o
downtown – centro de Porto Alegre. Iríamos de taxi e ao chegar à calçada, vi
que um taxi se aproximava. Fiz o sinal e ele nos atendeu.
Entramos no veículo, eu ao lado do
motorista e minha filha Luciana, com um inglês um pouco melhor do que meu, ao
lado do Donald.
Seguimos em direção ao Mercado Público e
a Luciana mostrando a cidade ao convidado, que fazia perguntas em inglês. Notei
que o motorista do taxi estava inquieto, mexeu no espelho retrovisor e toda a
hora olhava para o Donald.
De repente, o motorista, falando em
holandês, inquiriu o passageiro. Pelo sotaque, concluíra que deveria ser um
holandês. Provavelmente era o único taxista de Porto Alegre que falava essa
língua. Inacreditável coincidência. Foram conversando animadamente até o fim da
corrida. Nós quatro nos divertimos um bocado com a situação.
Desembarcamos no mercado, cuja estrutura
encantou o Donald, assim como seu interior, cheiros, mercadorias e povo.
No café da manhã tinha comido goiabada,
desconhecida para ele. Adorou. Explicamos a origem. Logo comprou uma goiaba.
Caminhando pela feira, encontrou uma
banca que vendia cuias e bombas. Adquiriu os apetrechos e disse que queria
aprender fazer chimarrão. A Lucy providenciaria. Levaria para a Holanda como
suvenir.
No domingo seguinte, em Dois irmãos seria
realizada mais uma festa anual da família Lampert e o levamos para participar.
Lá chegados, Donald ouviu alguns participantes falando alemão e logo, para
surpresas de todos, entrou na conversa.
Donald falava fluentemente o alemão, o
francês e o inglês e logo todos se acercavam para uma conversa.
Estava presente uma professora, esposa de
um Lampert que logo o provocou falando francês, deixando os ouvintes mais
surpresos ainda. Donald fez sucesso. Jamais imaginou que encontraria no Rio Grande
do Sul, danças, canções, músicas e costumes há muito tempo em desuso na
Alemanha e ainda vivos por aqui.
Donald – De camisa
branca ao meu lado, em Dois Irmãos.
Regressando
à Rotterdam, Donald escreveu agradecendo e ainda fazendo gozação sobre sua
viagem ao Brasil. Relatou ao amigos que não vira nenhum índio pelado, nem
cobra, nem onça e muito menos jacarés. Gostara muito dos gaúchos, pois lá os
taxistas falavam holandês, as professoras, francês e os demais, alemão.
Donald era o último Lambert na Holanda e
tinha só duas filhas. Anos mais tarde, informou-me que havia se divorciado e
contraído novo casamento. O casal teve um filho varão, que, possivelmente dará
continuidade à linhagem Lambert em seu país.
Nunca mais voltou ao Brasil.
Tempos depois, lembrei-me do chimarrão
(levara um quilo de erva mate junto) e perguntei a ele, já por email, como fora
a experiência. It was horrible. Não precisa de tradução.
Vô,
ResponderExcluirEssa é uma das minha preferidas!