terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Crônica - O Larápio

                                     O     L A R Á P I O

Lajeado, nos anos 1940/41, era uma cidade pacata, que desconhecia o que eram assalto, roubos ou furtos banais. Em nossa residência, jamais se fechava à chave a porta dos fundos à noite. Não havia nenhum perigo. As ocorrências policiais eram brigas de bêbados e nada mais.
Uma tarde, estávamos na área aberta na frente de nossa casa na rua Cel. Francisco Karnal, meus pais e meus irmãos, quando chegou a irmã de minha mãe, Dolores Reckziegel, (tia Dola) oficial do Cartório de Registro Civil e contou, indignada, o que lhe acontecera pela manhã.
Ao se levantar, deparara com um jovem, aparentando vinte anos, afrodescendente, no interior do seu pátio que arrecadava a roupa que ficara toda a noite no varal externo. Lençóis, fronhas e roupas. Gritou para ele. Não se assustando, saiu do pátio e em passos largos afastou-se em direção ao potreiro dos Hexsel, hoje Parque Dick. Sumiu-se.
De repente, olhando para a rua disse para meu pai. É aquele ali que está passando no outro lado da calçada, de botas pretas e meio gordinho.
Meu pai chamou-o, atravessou a rua e deu-lhe voz de prisão. Teje preso. Agarrou-o pelo braço e o conduziu subindo os degraus da área. Pediu, não lembro para quem, que fosse na casa de tia Fina Heineck e pelo telefone, chamar para a policia mandar um soldado para levar o preso.
O alarido da tia Dola, fez vizinhos acorrer para se inteirarem da novidade.
Nesse ínterim, interpelado pela tia Dola, o preso estava silencioso e não manifestou qualquer reação. Descalçou calmamente as botas e as encostou numa parede.
De repente, em dois pulos desceu as escadas e disparou rua afora à direita da casa. Meu pai fez o mesmo, eu logo o segui e meu irmão Luciano também. Fizemos uma fila de quatro em desabalada carreira. Na esquina, o safado dobrou à esquerda e no final da quadra novamente à direita.
Passamos em frente à casa do Érico Jaeschke, que estava no jardim, juntamente com sua esposa e a filha Miriam, assombrados com o que viam. Uma pessoa em fuga, um advogado e seus dois filhos correndo atrás em plena tardinha. Patético.
Sentindo que logo seria alcançado, saiu da rua e entrou no lado direito, onde havia uma plantação de eucaliptos, recém arrancados. Dias atrás chovera bastante e alagara a área onde anos mais tarde se criaria o Parque Esportivo Mário Lampert. Não percebendo o perigo deu um passo e atolou uma perna. Tentando voltar, encontrou meu pai chegando que aproveitou o embalo e lhe deu violento murro no peito. Assustado, não tentou qualquer reação. Meu pai, com a mão direita agarrou-o pela gola do casaco e eu segurei-o pela manga do casaco no braço direito e Luciano atrás.
Fizemos o caminho de volta e passamos novamente na casa do Érico, que à esta altura estava, com a família, na calçada da rua, tentando compreender o que estava acontecendo.
Chegados, vitoriosos com o cativo, já encontramos um público maior na frente da nossa casa e a tia Dola mais uma vez contando que fora furtada. Inacreditável.
Logo chegou um policial que levou o meliante “por diante”, conforme costume local.
Dispersada a plateia, ficamos na área e minha mãe, vendo as botas sem dono, perguntou: Dolinha. Estas não são as botas do Arthur (seu marido). Eram. Lajeado dava os primeiros passos em direção ao desenvolvimento e progresso. Já tinha até ladrão.

Na Delegacia, devem ter lhe dado alguns “conselhos”, tanto que nunca mais foi visto na vila. 

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