terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Crônica - Reminiscências Profissionais 6

REMINISCÊNCIAS PROFISSIONAIS - 6

OS FRIGORÍFICOS DE SUÍNOS DO VALE DO TAQUARI

           Em 1964 existiam onze abatedouros de suínos com inspeção federal no Vale do Taquari. Entre Bom Retiro do Sul, Teutônia, Roca Sales, Lajeado, Arroio do Meio e na sede e distritos de Encantado. Eram todos de tamanho médio, subordinados a épocas de safra e entressafra, decorrentes de maior ou menor existência de suínos nos meses de inverno e verão. Abundância de maio a dezembro e carestia de janeiro a abril. Os preços dos suínos invertiam essas posições, preços baixos na safra e elevados na entressafra. A banha, então ainda produto principal, era estocada pelos fabricantes até meados do verão, aguardando cada ano, a habitual elevação do preço, que conduzia à obtenção de lucro especulativo. A banha logo teria seu infeliz destino traçado. Perderia sua principal utilização nas cozinhas pela troca por óleo vegetal. Quem não alterou a qualidade dos suínos que abateria, perderia por completo a capacidade de concorrer. Não haveria mais tempo de fazê-lo. Só tinha um caminho: o fechamento da empresa, com todos seus problemas econômicos, sociais e desemprego. A carne suína tornou-se o produto principal.
       Essa situação não poderia perdurar para sempre. O suinocultor estava tendo prejuízo e já estava descapitalizado. Clamava-se ao governo o estabelecimento de um preço mínimo, tecnicamente inviável. Os produtores, o mercado e a indústria teriam que encontrar a solução dentro das leis naturais da oferta e procura.
       Já havia sido criada a Associação Brasileira de Criadores de Suínos, da qual fizemos parte em suas primeiras diretorias. Formou-se um consenso, aceito por alguns e desprezado por muitos. O tempo iria mostrar.
       Para que houvesse suínos durante todo o ano e que a carne substituísse a banha como produto fundamental, era aconselhável seguir as seguintes providências: Introdução de reprodutores do suíno tipo carne, instalações adequadas, assistência técnica, manejo, nutrição balanceada e respectivo financiamento. Cálculo permanente dos índices de conversão física e econômica em cada lote. A soma dessas providências conduziria, por si só, produção igual nos doze meses do ano, levando à estabilidade nos preços desejada por todos.
       Entre esses frigoríficos, somente dois adotaram as providências acima enumeradas: as Cooperativas Cosuel e Languiru. As duas cooperativas não tinham capital para financiar os produtores e convênios com Banco, permitiram financiamentos rápidos e sem burocracia aos produtores, todos avalizados pelas cooperativas, e tornava a fiscalização bancária desnecessária.  Era denominado “repasse” e nem era necessário o suinocultor ir ao banco. Mais tarde, novo frigorífico de capital particular foi criado em Lajeado, operando desde o início dentro das normas necessárias.
       No restante do RS ocorreu situação idêntica: Dos cinquenta e cinco frigoríficos existentes na época, restam hoje em atividade apenas dezoito.
       Em nosso entender, na época, os demais frigoríficos já estavam condenados a fechar. Não tiveram visão administrativa, não acreditaram no futuro que haveria de vir nem se dispuseram à análise de uma outra estratégia.. Era só uma questão de tempo. Um a um, lentamente, foram desaparecendo na mesma medida que as duas cooperativas e outros aumentavam substancialmente a sua capacidade de abate.     Frigoríficos que estocaram banha aguardando a tradicional alta no verão foram rechaçados em seus objetivos. Já ocorria maior abate nos meses iniciais do ano e nem os frigoríficos que não estocaram banha permitiriam um aumento abusivo nos preços. O consumo de banha já tivera redução expressiva.
.      Acertados entre si, três frigoríficos do RS e dois de SC mantiveram o mercado abastecido, vendendo a banha em pequenos lotes para cada comprador. Como a alta do preço da banha não ocorreu, os demais se viram obrigados a vendê-la meses mais tarde, por preço cada vez menor. Prejuízo na certa. Alguns, em decorrência, simplesmente fecharam as portas.
       Os bancos também já haviam suspeitado que haveria poucos frigoríficos sobreviventes e controlaram o endividamento dos demais. A falta de crédito bancário precipitou o desenlace de cada um.
       Havia uma cooperativa Agrícola Mista em distrito do município de Lajeado, que tinha matriz e duas filiais em região colonial de grande produção de suínos. Vendia toda a produção a prazo para um frigorífico local que já começava a atrasar os pagamentos e a cooperativa, já descapitalizada encontrava-se em situação financeira desesperadora. Decidimos auxiliá-la, atraindo a sua produção, que elevaria o abate em mais de 50 suínos por dia, subtraindo-os do colega. Seria também mais um pequeno empurrão ao concorrente em direção ao seu inevitável fechamento.
       Fomos procurá-los e fizemos a seguinte proposta: Eles continuariam a adquirir os suínos para pagamento em trinta dias e a Cosuel, que dispunha de capital para tanto, os pagaria a vista, no ato de entrega dos suínos. O preço e prazo que a Cosuel pagava era o mesmo para todos, mas nas circunstâncias que a Cooperativa Agrícola vivia, nada mais era que um gesto de boa vontade. A nossa exigência era a de fidelidade total e lhe vedava a venda de suínos para frigoríficos concorrentes. Aceitaram.
       Em duas semanas, já haviam liquidado contas antigas, pagos os impostos e contribuições sociais atrasadas e sortido suas lojas desfalcadas de mercadorias. Era outra vida.
       O frigorífico concorrente, já em situação difícil, via diminuir seus abates, sem que conseguisse adquirir outros suínos nas redondezas. Já perdera o crédito.
       Após alguns meses de penúria, voltaram à Coop Agrícola Mista e fizeram propostas de preços acima do mercado, prometendo pagar os créditos atrasados e garantindo os pagamentos em dia, pois um grande financiamento de capital de giro já fora aprovado no banco. Jamais se concretizou.
       Assistimos, consternados e impotentes, o presidente daquela cooperativa tomar uma medida imprudente e sem diálogo, da qual se arrependeria pelo resto dos seus dias.

       A cooperativa voltou a fornecer suínos, mas o frigorífico não conseguir cumprir o prometido e a cooperativa ficou em situação ainda pior do que estava antes. O frigorífico requereu falência, levando a cooperativa insolvente a entrar em liquidação com evidente prejuízo para seus associados. Já esperávamos por isso. A diretoria da cooperativa não entendeu que sua fartura financeira momentânea era totalmente dependente da Cosuel e sem esta, haveria o caos. Assim foi.

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