segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Dudulha - Tudo o que foi escrito

DUDULHA – TUDO O QUE FOI ESCRITO 


A REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA DE 1932 NO RS

        (Coletânea de crônicas publicadas em livros e jornais)                   
                           
 EXTRATO DO LIVRO OS LAMPERT – ORIGENS, HISTÓRIA E GENEALOGIA DE LEANDRO LAMPERT – 2005 – PG 101 À 108

            Getúlio Vargas, após a vitória da revolução de 1930, subsequente à sua derrota eleitoral como candidato à presidência da república, prometera democratizar o Brasil pela convocação de uma Assembleia Constituinte. Não cumpriu o acertado com seus companheiros de campanha.   Já havia um cheiro de ditadura no ar. Em 1932 os governos estaduais de  Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo acertaram intimar Getúlio a democratizar o país, e se necessário, obrigá-lo pela força das armas em novo levante revolucionário. Getúlio não se intimidou e gestionou obtendo adesão de Minas Gerais e após, também do Rio Grande do Sul, que tinha Flores da Cunha como interventor do estado. Flores havia se comprometido com os paulistas e na última hora trocou de lado. Já haviam sido formadas forças provisórias no interior do Estado, e em dois municípios, Lajeado e Soledade, a atitude de Flores não obteve concordância e se declararam favoráveis à São Paulo, e portanto,  contra Flores e Getúlio, mantendo a palavra empenhada com os paulistas. Não se mata nem se morre pelo cumprimento de um romântico compromisso firmado por terceiros. A maioria dos voluntários nem sabia bem o que estava ocorrendo e foram à revolução levados por  lideranças ou por mero espírito de aventura.
            As forças dos dois municípios tinham se reunido nas florestas de araucária na serrania existente na divisa dos antigos municípios de Lajeado e Soledade, aguardando as ordens de Flores para marchar contra Getúlio. Sentindo-se traídos, e em bravata, desafiaram Flores, sem forças suficientes e aguardaram adesões que não se verificaram.
            Os lajeadenses, entre eles o nosso pai, chegaram a participar de uma surtida de forças que visava encontrar destacamento vindo de Soledade, para atacar as forças da Brigada Militar na localidade próxima de Quatro Léguas. Perderam-se e não lograram encontrar seus companheiros nem os soldados legalistas. Decepcionados, retornaram para Campo Branco. As comunicações entre as tropas eram precaríssimas
            Os revolucionários tinham levado um fotógrafo consigo para documentar o episódio. Foram fotografados em Campo Branco (cerca de cem homens aparecem na foto). Ao voltar para Lajeado, o fotógrafo foi preso pelos brigadianos de Flores, que o obrigaram a revelar o filme e identificaram as pessoas da foto. 

                 Foto Leandro Lampert
                   
                 Mário Lampert, de roupa clara e chapéu inclinado, é o último à direita de segunda fileira

            Com a derrota pelas armas dos paulistas, tornou-se inútil qualquer ato bélico isolado e as forças foram dispersas. Nesse ato, em 13 de setembro de 1932, os revolucionários foram atacados pela brigada. Travou-se um combate à margem de um “passo” do arroio Dudulha, quase na desembocadura no rio Fão, na antiga divisa dos municípios acima citados, cerca de 40 Km além de Lajeado, pela rodovia BR-386 - Estrada da Produção. Cinco soldados "provisórios" revolucionários caíram no local e foram sepultados na pequena localidade de Barra do Dudulha onde jazem até hoje, heróis esquecidos dum episódio um tanto quixotesco. No dia seguinte, nosso pai, há dias desmobilizado, retornou ao local do combate, acompanhado do médico Dr. Renê Flores e do escrivão do distrito de Fão,  Mário Cattoi, para atendimento dos feridos e sepultamento dos mortos. Anos mais tarde, lá estivemos com nosso pai em visita sentimental. Uma testemunha e anônimo versejador celebrou o acontecimento. Temos cópia da poesia singela em nossos arquivos. Tem 33 estrofes e começava:

                                               Assim quero falar,
                                               Na revolta de Soledade.
                                               Até o povo miúdo
                                               Fez muita novidade.
                                               A guerra se acabando,
                                               Sempre fica inimizade.

                                               Revolta de Soledade,
                                               Com os corpos provisórios.
                                               Tomaram o quartel,
                                               A Intendência e os Cartórios.
                                               Estou velho, não presto mais,
                                               Não dei meu ajutório.

e vai por aí afora. Literatura de cordel, mas traz um testemunho escrito valioso dos fatos ocorridos. Provavelmente o único. Vários nomes, de pessoas ou locais são citados sem distinção, prejudicando o entendimento. Talvez alguém da região possa decifrá-los.
            Mário Lampert aparece saliente na fotografia, (pode ser reconhecido por sua magreza) cujo original se encontra em nosso poder. Identificamos também o Tte. Heitor Alves de Oliveira, Lothar Felipe Christ e Mário Jaeger, todos em primeiro plano e marcados com um ponto de tinta na altura da virilha.   Alguns outros ainda hoje poderiam ser identificáveis na foto. Temos a relação dos 89 lajeadenses participantes. Eram os mesmos voluntários de 1930. Podemos ainda lembrá-lo contando os "causos" divertidos dos "soldados" civis citadinos, sem nenhuma prática de vida no interior da floresta. Este é um episódio quase desconhecido do púbico.
            Tínhamos conhecimento que nosso pai fornecera à um historiador (que, de uma forma indelicada, deixou de  mencionar a origem) uma relação dos participantes e a fotografia dos voluntários em Campo Branco, além dos que lembrávamos e identificamos na fotografia. Nosso parente Sérgio Mello Jaeger, filho de um dos participantes encontrou uma cópia, 30 anos depois, e nos enviou., ampliando o número das pessoas por nos conhecida. Antenor Lemos, A. Lange, Elemar Bohrer, Carlos Stein, Teodoro Bernardo dos Santos, Dr. Miguel Santana, Otaviano Silva, Justiniano Pinheiro e Jacob Leopoldo Heineck. Entre eles, ainda, uma figura impar, Martim Bernardo dos Santos, apelidado, por razões óbvias, de “Martim Perigoso”. Anos mais tarde, numa oportunidade que nosso pai foi ao distrito de Vila Progresso (hoje município) e fomos junto, assistimos o contato fraterno e as trocas de reminiscências revolucionarias entre os dois.  Não faltaram boas risadas.
            Flores era de temperamento generoso, mas contrariado, tornava-se  exaltado e vingativo, não perdoou a afronta da cidade e sempre exerceu hostilidades contra o município, onde, passou a perder todas as eleições. A emancipação do distrito de Arroio do Meio, foi um revide de Flores. O município de Lajeado não tem nenhum logradouro público com o nome Flores. Abriu-se então uma guerra fria que gerou episódios como a prisão do nosso pai em Porto Alegre, durante duas semanas, por críticas ao governo, em seu jornal “A Semana”, curiosamente durante certo tempo, bilingue. Nosso pai foi conduzido preso pela Brigada à Porto Alegre, a bordo de um vapor fluvial pelo rio Taquari. Ao saber da prisão, o companheiro de revolução, o mais tarde Tte. do exército Heitor Alves de Oliveira (claramente identificado bem no centro da fotografia, de chapelão, baixote e gordinho), tomou o mesmo vapor e acompanhou o amigo até o local de sua carceragem. Ficava lá todo o dia e no outro dia retornava, até a libertação. Temia que seu amigo fosse assassinado no cárcere. Era um amigo fiel e sem medo. Os tempos eram de perseguição e violência. Retornaram juntos à Lajeado. Tempos depois, o episódio culminou com o assassinato, em tiroteio generalizado, de um líder político local, Orlando Fett, praticado por um subdelegado nomeado por Flores, já anteriormente condenado por assassinato e de quem obteve, mesmo novamente condenado pelo tribunal do júri, todos os favores e liberdades possíveis, inclusive aposentadoria.
            Publicada a história, fomos procurados por João Carlos Lampert, residente em Porto Alegre, que lendo sobre a revolução constitucionalista de 1932, nos informou que seu pai Alberto Reinoldo Lampert (l911-1999), 3ª emigração, filho 8,  migrante para Saldanha Marinho, participou ativamente da contenda.
            Seu pai lhe confirmara os fatos relatados no nosso trabalho, inclusive o número dos mortos, e ele contou-nos detalhes que seu pai lhe transmitira e que não estavam no  nosso livro, mas que eram do nosso conhecimento e que deixamos de mencionar por considerá-los irrelevantes
            As tropas da Brigada, ao se dirigirem para o Rio Fão, passaram na Costa do Jacuí, hoje Saldanha Marinho, e então município de Cruz Alta, convocaram e obrigaram jovens a assinar compromisso e incorporaram, à força, descendentes dos colonos, para participar como integrantes do Corpo Provisório da Brigada, em força auxiliar eventual. Impuseram ao recruta um fardamento, entregaram-lhe em fuzil Mauser e uma cartucheira municiada, sem qualquer preparo psicológico ou militar. Saiu direto para a guerra, sem compreender quem era o inimigo e o porquê da ação bélica.  Lá se foi o recruta, contrariado, sem entusiasmo e sem conhecimento de práticas militares.  Era quase bucha para canhão. Nas duas refregas que participou, atirou em quem o visava, procurando matar para não morrer.
            Alberto Reinoldo Lampert deixou por escrito para seus descendentes, registro das ocorrências de sua aventura forçada. Foi convocado e incorporado em 25 de agosto de 1932. Já no dia 3 de setembro, oito dias depois de incorporado, participou do primeiro combate com as forças revolucionárias e retirada estratégica da Brigada. As forças legais tentaram  atravessar o rio Jacuí no passo do Rocha, onde  foram aguardados pelos revolucionários. Tiveram de recuar, perdendo oito soldados.
            Dentro do espírito minucioso de exatidão, característico dos germânicos, informou que seu coronel fora Victor Dumoncel, seu major Renato Dumoncel, seu capitão Sirilo Lírio e seu 2º sargento Dorival Fernandes. Curiosamente, deixou para seus descendentes o conhecimento de que o assassinato do pai de Leonel Brizola teria sido, anteriormente, executado por membros do seu batalhão.  Nosso pai também tivera, na época, a mesma notícia.
            A informação transmitida por Alberto Reinoldo, mencionava ainda, o nome dos dois soldados que teriam recebido a ordem para prendê-lo em uma fazenda em São Bento, perto de Carazinho. Tantos anos já se passaram e julgamos ser procedente informar os nomes que nos foram transmitidos. Haverá sempre alguma controvérsia. Seriam Juvêncio Mello e o filho adotivo do Cel. Victor Dumoncel, João Maria.
            Depois dos combates e vitória da Brigada, serviu como soldado de manutenção da ordem pública em Soledade. Para sua surpresa e curiosidade, velava também pela segurança nos prostíbulos da cidade. Posteriormente, em 20.5.1933 foi desmobilizado junto com os demais colonos.
            Gostava de contar as suas aventuras e as dos outros convocados. A maioria cômicas, mas silenciava no momento da pergunta se havia matado alguém. Setenta anos depois dos fatos, descobre-se que dois Lampert estiveram em lados opostos também nessa revolução. De um lado, um voluntário bisonho. Do outro um soldado incorporado à força. Ambos parentes e com o mesmo sobrenome de imigrante alemão.
            Por pura curiosidade, resolvemos conferir as informações de Alberto Reinoldo. Fomos ao Museu da Brigada na rua dos Andradas, em Porto Alegre, e encontramos as comunicações formais das operações de combates em 1932. Os coronéis que as comandaram eram dois, um, o citado pelo nosso parente e o outro Valzumiro Dutra. As informações do convocado e do nosso pai, eram absolutamente corretas. Interessante, lemos a informação inicial de que os revolucionários seriam mais de mil e que os mortos no combate do Dudulha foram mais de 30. Como em todas as guerras, a primeira vítima sempre é a verdade. 
            Em alguns trabalhos históricos, temos encontrado também o nome do arroio como sendo Duduia, sem dúvida uma corruptela do linguajar do caboclo, que também pronuncia trabaio, baraio, vermeio etc.
            Temos conhecimento de outras afirmações relativas à esse episódio, com diferenças no número de mortos e outros detalhes menores. Em história, é assim mesmo. Cada um passa para a posteridade a versão que tem conhecimento Em um tumulto generalizado, se consultarmos dez participantes, teremos dez versões. Talvez a única unanimidade seja a data.
 

NO RIO GRANDE DO SUL

            Terminada a revolução de 1930 que levou o Getúlio Vargas ao poder, houve um período de expectativa, em relação às medidas que levariam o país à redemocratização.  No Rio Grande do Sul, os voluntários de 30 esperavam o cumprimento dos ideais de campanha. Este era o clima político vigente entre as lideranças do estado.
            Com a demora das providências a serem tomadas pelo governo federal, os paulistas pressionavam, obtendo a adesão, não plena, mas provável dos estados de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, onde José Antônio Flores da Cunha era interventor.
            No início de 1932 o RS aderiu aos ideais dos paulistas e iniciou um movimento objetivando armar o estado para um provável levante contra o governo federal forçando-o a convocar eleições gerais.
        Gal. Candoca, juntamente  com líderes de Lajeado  e Estrela, buscando a participação dos  estrelenses na revolução de 1932, chefiada por ele em Soledade. A foto é de agosto de 1932

                                             Reunião de aliciamento em Estrela
            
                               Foto Luciano Lampert

Sentados: Raúl Lopes da Silva, Mário Lampert, Gal. Candoca, Manuel R. Pontes Fº    (ex –prefeito de Estrela), Willy Müller e Darcy Barcellos

   De pé: Orestes Comel, Alfredo Schaunberger, Oscar B.      Rohenkohl,   ???   , Adolfo     Faller,    ???  
Orlando Fett, João D. Azeredo, Mário Jaeger, Frontino H. Azeredo, Waldemar Jaeger, Carlos C. Grün ,   ???    ,      ???      e Cristiano P. Enger.

            O Partido da Frente Única, que unira o eleitorado do RS em 1930, começou a exigir o cumprimento dos acordos feitos com o cativante Getúlio Vargas e protestar. Iniciaram-se conversações com emissários e mensagens telegráficas entre os paulistas e gaúchos conduzindo a um estado pré-revolucionário. Os sediciosos contavam com a adesão de Flores da Cunha, assim como acreditavam que a Brigada Militar do Estado, comandada durante 25 anos pelo ex-presidente do estado Borges de Medeiros, lhe seria fiel. Raul Pilla, Batista Luzardo, Lindolfo Collor, João Neves da Fontoura, Marcial Terra e outros todos remanescentes e partidários da revolução de 1930, contavam com a participação de Flores da Cunha na nova revolta.
            Flores sempre se manteve dúbio. Era um interventor nomeado por Vargas e devia-lhe solidariedade. Entretanto, vários políticos influentes e adeptos da revolução já o consideravam como seu comandante em chefe. Interpelado por Getúlio Vargas se a ordem no RS seria mantida e, após ouvir seus auxiliares diretos, Flores respondeu afirmativamente. Anos mais tarde também rompeu com Getúlio e exilou-se.
            A rebelião eclodiu simultaneamente em todo o estado de São Paulo e em apenas alguns municípios do RS. Em Porto Alegre, Santa Maria, Piratini, Vacaria, Júlio de Castilhos e outros municípios, débeis manifestações de revolta foram iniciadas, logo esmagadas pela pronta ação de Flores da Cunha, político enérgico e comandante resoluto. Os chefes revolucionários se exilaram para não serem presos. Surpreendidos com a posição de Flores, os gaúchos,  entendendo haver um compromisso recíproco com a revolução constitucionalista de São Paulo,  pretendiam cumpri-lo,   julgando-se compromissados com os paulistas por questão de honra.  
            Em Soledade, no planalto médio do RS, um dos revolucionários de 1930, o pecuarista Cândido Carneiro Junior, iniciara contatos em Porto Alegre e fora incumbido de criar um Corpo Militar Auxiliar da Brigada Militar. Para tanto, recebera fardamentos e dinheiro do governo do estado. Contrariado pela atitude de Flores, rebela-se. É proclamado e aceita o cargo de general dos dissidentes, passando a comandar as forças revolucionárias locais. Lançou manifesto discordando de Flores, manteve contato telegráfico com o interventor do estado e informou-o que se declarava rebelde e o enfrentaria pelas armas, contando com as forças que organizara nos municípios de Soledade e Lajeado, cerca de 1500 voluntários civis, número evidentemente longe da realidade e constituído de pessoas sem aptidão, disciplina e hierarquia militar. Os registros da Brigada Militar informam que eram aproximadamente 400 homens.
            Também nessa revolução, os poucos habitantes da região tiveram seus animais domésticos “requisitados” tanto pela Brigada como pelos revolucionários. A fome era geral.
            Um primeiro combate entre os revolucionários e a Brigada Militar ocorreu no  Rio Jacuí, em Soledade, no chamado  Passo do Rocha, em 1º de setembro de 1932, com a morte de oito combatentes da Brigada Militar e posterior retirada.
            Várias prefeituras da região tiveram seus intendentes, nomeados pelo governo, substituídos por indicações dos revoltosos, com efêmera atividade.
            As adesões de outros municípios, esperadas e necessárias para o vitorioso desenlace da revolução, não se verificaram e a sedição encaminhou-se para o fracasso.
            Dia 7, os brigadianos tomam Soledade e outras cidades e expulsam os revoltosos.      Em Lajeado, município do vale do Rio Taquari, foram arregimentados voluntários, número inferior a 200, os mesmos que haviam participado do “passeio” da revolução de 1930 e que esperavam reviver o mesmo episódio que uma vez já os tornara heróis, sem nenhum risco. Mesmo sem comando formal, partiram em direção a Soledade para incorporar-se em Campo Branco, localidade próxima à divisa com Soledade, às forças do Gal. Cândido, apelidado carinhosamente de Gal. Candoca. Os Lajeadenses levaram junto consigo um fotógrafo para documentar os episódios da revolução. Foi feita uma fotografia no local, onde aparecem cerca de 100 civis, trajando roupas, em parte, fornecidas pela Brigada. Ao retornar para Lajeado, o fotógrafo foi preso pela Brigada e forçado a revelar o filme, possibilitando a identificação de muitos revolucionários. Facilmente localizados, marcados com caneta na altura da cintura, da esquerda para a direita, Lothar Felipe Christ, Mário Jaeger, o sargento do exército Heitor Alves de Oliveira e Mário Lampert, quatro amigos durante toda a vida e que mais ou menos lideraram os insurretos de Lajeado.
            Os lajeadenses chegaram a participar de uma surtida que visava encontrar destacamento vindo de Soledade para atacar forças da Brigada Militar na localidade próxima de Quatro Léguas. Perderam-se e não lograram encontrar os companheiros, nem os soldados legalistas. Decepcionados, retornaram para Campo Branco.
               Numerosos voluntários nem sabiam ao certo do que se tratava e em que lado da revolução estavam. Foram levados pelas lideranças e muitos aderiram ao movimento apenas por espírito de aventura.  Ao se reunirem a um destacamento das forças de Candoca, já havia notícias do fracasso da revolução no RS. Em São Paulo, também a revolução limitou-se aos coestaduanos e seu futuro parecia duvidoso.    Nada mais havia a fazer e as tropas, aliviadas, foram liberadas para regresso aos seus lares.
            Nessa oportunidade, em 13 de setembro de 1932 (a BM registra dia 12) travou-se mais um combate entre as forças que se digladiavam. O Gal. Candoca e sua tropa acamparam na margem esquerda do rio Fão, em cima de duas colinas, na desembocadura do arroio Dudulha, na antiga divisa dos municípios de Soledade e Lajeado,  cerca de 40 km além de Lajeado, pela BR-386 em direção a Soledade. No Passo do Bento, foram atacados pelos destacamentos da Brigada Militar sob o comando dos Coronéis Valzumiro Dutra e Victor Dumoncel, com forças mais numerosas e melhor armadas.
            Os revoltosos, escondidos no mato, esperaram a chegada dos legalistas e o combate, iniciado de manhã cedo, durou quase quatro horas.
             A geografia local, na transição dos campos do planalto com a floresta subtropical da encosta da serra, era agreste e quase despovoada. Iniciado o tiroteio, foi evidente a supremacia dos brigadianos e os revolucionários iniciaram uma retirada desordenada.   Do lado dos rebeldes, ficaram no campo de batalha cinco companheiros mortos, muitos feridos, nove foram feitos prisioneiros e outros, juntamente com o Gal. Candoca lograram evadir-se. A BM registra que os revolucionários tiveram mais de 30 mortos, o que não corresponde à realidade. Esta tropa estava ali acampada, com a quimérica pretensão de dirigir-se a cavalo para São Paulo, incorporar-se aos paulistas e continuar a luta.    
            Mário Lampert, juntamente com seus companheiros, desmobilizado na véspera, ao chegar em Lajeado e, informado das ocorrências, voltou no dia seguinte ao local do combate, juntamente com o escrivão de registro civil do distrito de  Fão, Mário Cattoi, levando o médico Dr. Renê Flores e  suprimentos para atender aos feridos e sepultar os partidários mortos. Não se sabe seus nomes. Apenas um deles, um valente anão com apenas 1,30 m de altura, chamado de “Gigante” deixou seu apelido e sua vida para a posteridade, perdidos numa aventura  irresponsável e inconsequente. 
            Estes heróis jazem até hoje, esquecidos pela história, no cemitério da localidade chamada Barra do Dudulha, próxima do local do combate.
            Logo após, Flores da Cunha mandou emissários ao Gal. Candoca, propondo deposição de armas e   iniciando  conversações que culminaram com a assinatura do acordo  que encerrou a participação dos gaúchos na Revolução Constitucionalista, que fora gestada em São Paulo.
            Vencido, o Gal. Candoca mandou entregar as armas, garantindo também a devolução ao Estado  do valor correspondente ao dinheiro que recebera para a criação da tropa auxiliar da Brigada e que usara com propósito oposto. Fez isto entregando terras de sua propriedade.
            A vida e as propriedades dos revoltosos também ficaram garantidas por acordo formal e “honroso” assinado em 5 de outubro e ratificado em Guaporé, dia 22 do mesmo mês. 
             O compromisso de que os participantes da revolta não seriam perseguidos não foi cumprido e assim que voltou ao lar, o Gal. Candoca foi preso por ordem expressa do interventor, sofrendo vexames e hostilidades. Igualmente, Mário Lampert, proprietário de um jornal semanal em Lajeado, foi mandado preso para cumprir pena de 15 dias na prisão do Quartel da Brigada, na Chácara das Bananeiras em Porto Alegre, por pretensas ofensas a Flores da Cunha, contidas nas páginas de seu jornal “A Semana”.
            A revolução em São Paulo, derrotada, obteve trégua em 25 de setembro e fim com cessar de fogo em 3 de outubro de l932. O governo federal proclamou anistia geral em 1934.
            Os revolucionários gaúchos cometeram todos os erros possíveis, como falta de clareza em seus objetivos e estratégias, sigilo e coordenação. Não se faz uma revolução apenas para cumprir uma romântica palavra empenhada por terceiros. Não se mata nem se morre por uma causa dessas.   O próprio local de reunião das forças de Soledade e Lajeado, em meio da serrania coberta de florestas de araucária quase intransponíveis, sem estradas, sem comunicações, sem transporte, sem logística, sem alimentação, sem plano definido e sem entusiasmo, feriu de morte, precocemente, o destino da revolução que já nascera debilitada. O próprio armamento, heterogêneo, insuficiente e inadequado para um confronto, levava o desânimo aos soldados.  As notícias eram desencontradas e circulavam todos os boatos possíveis. Muitos estavam desarmados e alguns portavam, como se pode constatar na fotografia, apenas uma espada, mais simbólica do que perigosa. Os descendentes dos revolucionários guardaram como relíquias esses sabres, que no imaginário familiar representavam a coragem e o heroísmo dos seus abnegados voluntários.
            Não podiam ter esquecido de que os gaúchos se mantiveram durante mais de um século em beligerância, graças ao trinômio formado pelos infinitos campos de pastagens, pelo boi e pelo cavalo, que tornaram os combates viáveis, plasmaram o homem em seu meio e o tornaram altivo e com largos horizontes.
            É convicção dos descendentes dos voluntários que na historiografia da revolução constitucionalista do estado de São Paulo, não existe conhecimento nem registro dos fatos ocorridos na mesma revolução no estado do Rio Grande do Sul. Ainda é tempo, mesmo 70 anos depois. No próprio RS, poucos tem conhecimento desta malograda aventura dos gaúchos.
             Os revolucionários correram riscos inutilmente.  Alguns morreram e outros ficaram feridos. A solidariedade aos paulistas de nada adiantou.  Restou apenas uma grande lição.

Depoimento oral de Mário Lampert, 1901/1983, protagonista.
Bibliografia:
Museu da Brigada Militar - relatórios militares de operações de combate.
Opúsculo  “A revolução de Lajeado e .... da prof. Nelsy Cattoi Conte
Livro “Os Lampert - Origens,  História e  Genealogia”  - Leandro                                                    
Lampert     
                                               
Editado no jornal – O Informativo – de Lajeado

 P.S.  -  Em 2010 entrei em contato com o “Memorial da Revolução Constitucionalista de 1932” (SP) – memorial32@memorial32.org.br - e enviei todo o acervo histórico que dispunha, inclusive a relação  dos voluntários, surpreendendo os paulistas, que inicialmente duvidaram. Solicitado, autorizei a divulgação em site que está à disposição de todos. Fui o único gaúcho a ter esse privilégio. Igualmente, o mandei para os prefeitos dos seis municípios periféricos do local do último combate.


    POESIA – O COMBATE DA BARRA DO FÃO E DUDULHA                             

        Assim quero falar,      
            Na revolta de Soledade.
            Até o povo miúdo
            Faz muita novidade
            A guerra se acabando
            Sempre fica inimizade

            Revolta de Soledade,
            Com os corpos provisórios.
            Tomaram o quartel,
            A Intendência e os Cartórios.
            Estou velho, não presto mais.
            Não dei o meu ajutório.

            De Soledade marcharam
            E foram acampar nas Datas.
            Logo vieram os floristas,
            Sabendo notícia exata
            Eu não pego mais nas armas
            Mais volto com os maragatos.

            Estiveram acampados,
            No alto das coxilhas
E depois foram descendo,
            Procurando direção
            Aonde vieram acampar
            Entre o Braz e o rio Fão

            La estiveram muitos dias
            Que não se ouviu falar mais.
            Até estavam pensando
            Que tinham voltado para traz
            Estava cheio, o campo afora.
            O Fão e o rio Braz

            Foram descendo rio abaixo.
            Vararam o rio das Tocas
            Com seu Estado Maior.
            Era o general Candoca.
            Vieram na barra do Bento
            e na barra do João Roca.

            As pessoas que vararam,
            Que acamparam deste lado,
            Era o general Candoca
            Com um esquadrão de soldado
            Que na mira do fuzil,
            Tinha caboclo atestado.

            Alguns estavam tomando mate
            La no Norato Valente
            Umas horinhas da noite
            Foi que chegou de repente
            Um pelotão da Brigada.
            Comandado por um tenente.

            De chegada mataram gente.
            Mas eu não sabia  o qual.
            Bem cedinho foi que soube
            Que era o Antônio Pascoal
            E balearam o Teodolito.
            Escapou-se o general.

            Eu disse para o tenente
            Em qualquer volta da estrada,
            Nos estamos arriscando
            A cair numa emboscada.
            O tenente me respondeu
            Que isso mais não tem nada.

            Logo que anoiteceu
            Ele teve informação:
            Tenente, os homens passaram
            Para o lado de lá do Fão.
            Eu fiquei muito assustado.
            Fazendo minha oração.

            Era o tenente, homem novo,
            Disciplinado e valente.
            Logo mandou silêncio
            E foi tomando a frente.
            Me deixou aguardado
            No meio de sua gente.

            Eu sempre imaginando,
            Com medo e arreceio,
            Porque tinha de varar,
            Uma ponta de mato feio.
            Eu chegava me assustar.
            Só não quero mascar o freio.
           
            O tenente me deixou
            Ali para cá do Noratinho,
            Adonde tem aquela pedra,
            Numa volta do caminho.
            Eu estava assustado.
            Não dormi nem um pouquinho.

            Ele me mandou dormir.
            Que garantia a vida,
            Ali no Noratinho.
            Foi a primeira batida
            E passou a noite inteira,
            Gente de linha estendida.

            O tenente precisou
            E resolveu no mesmo instante,
            Que devia fazer um próprio,
            Para chegar ao comandante.
            Sem demora ele chegou:
            Está acampado distante.

            De manhã muito cedinho
            Que rompeu o batalhão.
            Era o cano dos fuzis
            E estrondo das metralhas
            Que os floristas largavam
            Para arrebentar as muralhas.

            Pobre barra do Dudulha,
            Foi hoje o dia dos teus males.
            Foi um decisivo golpe,
            No seio de teus lares.
            Te cercaram de inimigos,
            Hoje, sem tu esperares.

            Se recolheu para a trincheira,
            O general serrano
            Donde estava o Rosauro,
            O Leitão e o Urbano,
            Que dentro de suas trincheiras
            Deram amostra do pano.

            A primeira gente que entrou
            Na picada dos Gramados.
            Eu estava no Comissário,
            No terreiro assentado.
            Se eu fosse um comprometido,
            Seria um dos arressabiados.

            Logo fui para minha casa,
            Porque nunca fazia plano,
            Que a gente que vinha do outro lado,
            Me levasse de vaqueano.
            Foi esse o dia mais triste,
            Em todos os dias de meus anos.

            Quando saímos dos Gramados
            Já era meio tarde.
            No tempo em que eu era moço,
            Não me assustava de nada.
            Agora com a velhice,
            Estou ficando cobarde.

            Já era de tardezinha,
            Em véspera de anoitecer,
            Eu peguei a imaginar.
            Fiquei com medo de morrer.
            Me lembrei, tive coragem.
            Ninguém morre sem Deus querer.

            Adeus barra do Dudulha,
            Picada dos Três Pinheiros.
            Aqui veio jorrar e correr,
            Sangue de brasileiro.
            Te cercaram de inimigos,
            Por tudo que foi carreiro.

            Os estrondos das metralhas,
            Da guerra me fez lembrar,
            Quando vi os lastimados,
            Me pus à considerar.
            A revolta é um segredo.
            Nada de admirar.

            Quando foi à meia tarde,
            Foi que chegou o reforço.
            Eu estava com fome e sede.
            Sem sela e sem almoço.
            Tudo isso não era nada,
            No tempo em que eu era moço.

            Regulando à meia tarde,
            Que mandaram a retirada,
            Quando nois vinha vindo,
            Lá numa altura da estrada,
            Ia o tenente artilheiro,
            Com um pelotão da Brigada.

            De ida anoitecemos,
            E de volta na mesma altura,
            Arrasta com grande força,
            O destino das criaturas.
            Quando cheguemos no Venâncio,
            Já era noite escura.

            Nessa viagem que eu fiz,
            Não me esqueço de ninguém.
            Os oficiais e os soldados
            Todos me trataram bem,
            Porque mesmo gente ruim,
            Nesse lugar também tem.

            Florista é gente boa.
            Tem seus bons comandantes,
            Como temos gente boa,
            Também tinha os seus denunciantes,
            Que entre homens e mulheres.
            Eles se tornavam bastante.

            Creio que o povo miúdo,  
            De nada são os culpados.
            Sempre tem os comandantes.
            São que mandam os soldados,
            Se eu errar minha expressão,
            Espero ser desculpado.

            Adeus barra do Dudulha,
            Contigo tenho confiança.
            Saí sem te dizer adeus
            E sem te deixar lembrança.
            Eu de nada sou culpado.
            Que não haja desconfiança.

            O general Candoca,
            Com honra, prazer e glória,
            No seu ardor brilhante,
            O primor de sua memória.

Poesia recolhida por Leandro Lampert – Autor desconhecido
                                         

                        

Adolfo Germano Hexsel                                                                                                                         Afonso Schossler
Alberto Lange                                                                   
 Alberto Müller Sobr°
Alfredo Einloft
Alfredo Grohmann
Alfredo Pedroso da Silva
Alfredo Vargas da Silva Castro
Alvino Simão Jardim
Anélio Miranda Lima
Alberto Antônio Pereira
Antenor Lemos
Antônio Alves de Moraes
Antônio Fernandes da Silva
Antônio Joaquim de Mello
Antônio Olívio da Fonseca
Antônio Toledo
Armindo Rockenbach
Armindo Roos
Arno Einloft
Artur Eugênio Hexsel
Benjamim José Rodrigues
Carlos Coelho
Carlos Pereira Camargo
Carlos Stein
Constante Galvão d´Almeida
Deocy Vianna de Lima
Deodino Nunes
Deolino Alves Dias
Edvino  Leopoldo Schneider
Elemar Bohrer                                                                                                                                      Ernesto Wiehe
Firmino dos Santos
Fredolino Lauermann
Francisco Antônio Pereira
Herberto von Hessel
Germano Cezar Mylius
Germano Sattler
Guilherme Chiarelli
Heitor Alves de Oliveira (Sgto. do Exército)
Hugo Ruthner
Jacob Leopoldo Heineck
João Antônio Rodrigues Lopes
João Borges de Lima
João Borges Machado
João Graffe
João Maria de Jesus
João Maria Soares da Silva
João Pedro da Silva
José  L. Calegari
José Francisco da Silva
José Joaquim da Silva
José Vicininchi F°
Justiniano Pinheiro
Juvenal Claro de Moraes
Juvêncio Lopes d´Oliveira
Leandro Appelt
Leopoldo Lenz
Licínio Firmino Oliveira
Lothar Felippe Christ
Manoel Domingues de Moraes
Marçal Displam
Marcírio Maciel
Mário Freitas
Mário Goulart F°
Mário Jaeger
Mário Lampert
Mário Scheibe
Martim Bernardo dos Santos (Martim Perigoso)
Miguel Santana (Dr.)
Miguel Soares da Silva
Natalício Alves Valêncio
Noé Nunes
Olmiro Pires da Silva
Orlando Fett      (quando em campanha política, foi assassinado por Álvaro Clímaco Ribeiro Machado em 13-11-1935, subprefeito de Fão, nomeado por Flores. Condenado no júri, foi libertado e aposentado pelo interventor )                          
Otaviano Silva
Otto Pedro Rohenkohl
Pedro Mendonça da Silva
Reinoldo Alberto Hexsel
Rodolfo José Ignácio
Romelino Antônio de Farias
Romeu Scheibe
Salvador Rosa d´Oliveira
Teodoro Estal
Teodoro Bernardo dos Santos
Valdemar Luciano da Silva
Werner Fritz
(ilegível) Mylius
(ilegível) Espíndola


Publicação do jornal O Informativo de 13 de setembro de 2008.



AINDA O COMBATE DO RIO FÃO

       JANAINE TROMBINI, em sua monografia de Conclusão de Curso Superior intitulada O combate do rio Fão, reabre um tema carinhoso aos moradores do Vale do Taquari e do Início do Planalto Médio em Soledade. Histórias já octogenárias e sempre palpitantes. Ainda falta muita literatura histórica até que a matéria esteja esgotada e haja conhecimento pleno dos sucessos ocorridos. Recebemos de Janaine por anexo de email, seu esmerado livro.          
       Em sua história e em nosso ver, ao combate ainda restam relevantes lacunas a serem preenchidas, registros e datas que firmem coerências. Ficaram gravadas em nossa memória, e resultados de novos estudos, que abordaremos a seguir.

       ANTENOR LEMOS – Seu nome consta na relação dos 89 lajeadenses voluntários na Revolução Constitucionalista de 1932, que se dispuseram a combater ao lado dos paulistas contra o ditador Getulio Vargas e seu preposto no RS, José Antônio Flores da Cunha.  Antenor residia em Porto Alegre e era um desconhecido até surgir em fins de agosto, como foragido e enviado pelo Comando Revolucionário em Porto Alegre, que estava tomando medidas estratégicas de agrupamento dos seus correligionários. Antenor ficou homiziado em Lajeado na casa de Orlando Fett, assassinado por outro sicário de Flores em 13 de novembro de 1935. Até agora, não havia explicação de como e por que os lajeadenses, de um momento para o outro, tomaram a direção de Campo Branco, sem que na cidade houvesse um comandante local que ditasse o momento e o rumo a tomar.
       Conhecíamos quase todos os voluntários de Lajeado, pois quando nascemos em 1929, a Revolução ainda não havia eclodido e fomos contemporâneos de muitos deles na nossa juventude. Encontramos que Antenor Lemos era nome de uma rua no bairro Menino Deus em Porto Alegre, que fora jornalista do Correio do Povo e considerado como Coronel comandante do agrupamento em Campo Branco. Liderou os voluntários de Lajeado até essa localidade.
       Os voluntários de Barros Cassal, distrito de Soledade também receberam instruções para dirigir-se a Campo Branco. Entre eles, Honorato de Almeida,  pecuarista local e líder revolucionário. Ele participou juntamente com meu pai Mário Lampert da tentativa de assédio a uma tropa da Brigada Militar em Quatro Léguas, na divisa de Soledade, Lajeado e Santa Cruz do Sul, que resultou frustrada.
       Os dois iniciaram fraterna amizade, decorrente da confiança recíproca em um momento de guerra. Honorato tinha um filho, Hélio de Almeida, que inscreveu-se no primeiro  ano no Ginásio São José em Lajeado, ao mesmo tempo que eu, em 1941. Além da decorrência da amizade de nossos pais, também Hélio e eu firmamos intenso convívio. A partir do terceiro ano, Hélio transferiu-se para um ginásio em Santa Cruz do Sul, onde passou a residir até seu falecimento. Honorato, quando em visita a seu filho no internato marista em Lajeado, visitava meu pai e foi quando eu o conheci.
       Nos primeiros dias de setembro, os jornais de Porto Alegre comentavam abertamente o insucesso de todas as iniciativas gaúchas de promover em várias cidades o levante dos insurretos. Flores da Cunha interviera com presteza e violência, liquidando qualquer pretensão de se criar um exército para apoiar a Revolução Constitucionalista de São Paulo.  Somente os rebeldes de Soledade e Lajeado ainda se encontravam em armas, por não terem recebido maiores informações. Ficaram completamente isolados. Igualmente, os jornais informavam das dificuldades dos paulistas em sustentarem frentes beligerantes pelo sul e pelo norte. Tinham também seu porto marítimo sitiado pela Marinha Brasileira. Previam o rápido desfecho negativo da Revolução.

        Meu avô, Leopoldo Lampert, ansiando pelo retorno do filho, ao receber e ler os jornais de Porto Alegre que alardeavam o insucesso no RS e o fim próximo da Revolução,  juntamente com mais dois ou três lajeadenses familiares  de voluntários, partiram de Lajeado, a cavalo, no rumo de Campo Branco, levando nos pesçuelos, além de roupas e comida, exemplares dos jornais da capital.  Campo Branco, talvez uns 60 km além de Lajeado, demandava quase um dia de cavalgada. Os viajantes, chegados no dia 7 de setembro, mostraram a Antenor Lemos e aos demais, que além de que a revolução paulista já estar sendo derrotada, o fracasso contundente dos levantes esperados nos municípios do RS. A prof. Nelcy Cattoi Conte cita textualmente na pg 11 o recado que ele mandou para Candoca ………… haviam chegado alguns amigos  de Lajeado, comunicando-lhe que a Revolução no RS estava fracassada.  Na pg. 16 relata que: Amigos chegados ao acampamento aconselharam o retorno à cidade …….. .Flores esmagara todos em seu nascedouro. Nada mais havia a fazer senão aceitar o fato consumado. Antenor, no dia seguinte, determinou a debandada geral dos voluntários aos seus lugares de origem. Um alívio. Retornaram com os lajeadenses no dia seguinte.

       O FIM DAS HOSTILIDADES - A Revolução paulista se iniciara em 9 de julho, obtivera trégua e consequente derrota em 2 de outubro de 1932. O combate do rio Fão na barra do arroio Dudulha ocorreu no dia 13 de setembro e Flores, comunicado do ocorrido por seu comando em luta, telegrafou ao prefeito de Lajeado, Manoel Ribeiro Pontes Fº, solicitando que tratasse do sepultamento dos mortos no combate do Fão. O prefeito determinou ao advogado Mário Lampert, recém retornado de Campo Branco, ao médico da cidade Dr. Renê Flores e mais ao escrivão do Registro Civil de Vila Fão, Mário Cattoi, que executassem a missão.  O fizeram e depois retornaram a Lajeado. O prefeito de Lajeado foi destituído por Flores em 20 de outubro de 1932.
       É possível que, verificando-se os livros do Cartório do Registro Civil de Fão, se encontre na data de 14 de setembro de 1932 registros e algum nome dos revolucionários mortos.
       Encerradas as atividades bélicas, foi assinado um acordo “honroso” em 5 de outubro de 1932 entre o General Candoca e representante de Flores. Ficaram ressalvadas a vida, os bens e a dignidade dos revoltosos. Acordo, mais tarde homologado em Guaporé. Flores descumpriu suas cláusulas, perseguiu, prendeu e humilhou Candoca e outros. Nomeou prefeitos e delegados que mantiveram a região  em permanente agitação e medo até 1937. Sangue manchou de rubro ruas e casas de Soledade.
       DUDULHA OU DUDÚIA? – Encontramos mapa oficial da região entre Lajeado e Soledade. Arroio do Meio ainda era distrito de Lajeado. No mapa, perfeitamente legível DUDULHA – No museu da BM na rua dos Andradas em Porto Alegre, encontramos o livro onde foram registradas as “partes” enviadas pelo comando da tropa da BM na região de Soledade, especialmente sobre o combate do Fão na barra do DUDULHA. – Vide no Google DUDULHA. – Nos depoimentos de nosso pai, sempre DUDULHA. Nosso caboclo serrano, analfabeto, tem um linguajar próprio. Fala trabáio, baráio, vermêio, muié, véia, agúia e na lógica Dudúia. 

       O ASSASSINATO DE KURT SPALDING EM 15 DE DEZEMBRO DE 1934 – Os relatos e versões são por demais conhecidos e desejamos acrescentar detalhes, talvez inéditos, que são do nosso conhecimento. O fato ocorreu mais de 2 anos após o combate do Fão. 
       O clima político em Soledade era de violência das autoridades. Vigorava a perseguição acirrada aos adversários políticos e a pena de morte. Kurt Spalding se tornaria sogro do futuro desembargador Garibaldi Almeida Wedy, autor de vários livros sobre Soledade e a Revolução de 32. Ele e eu trocamos livros e mantivemos, a seu convite,  uma tarde de diálogo em seu apartamento em Porto Alegre em 2008. Dr. Garibaldi foi juiz de Direito na Comarca de Lajeado de 1946 a 1949. Era amigo de meu pai e eventualmente frequentava nossa casa. Dois temas os aproximavam – Soledade e Combate do Fão.
       Kurt já fora perseguido pela polícia e preso em 9 de julho de 1933 por ser adversário ferrenho da situação. Foi solto no dia 15, mas seguiu sob vigilância oficial. Já estava marcado para morrer.
       Por detrás do balcão de sua farmácia, onde também se encontrava seu amigo e correligionário Candoca foram surpreendidos com a chegada de três capangas de Flores, a mando do prefeito Francisco Müller Fortes (também assassinado anos mais tarde em Passo Fundo) e nomeado por Flores.  Adentraram na farmácia e um deles depositou sobre o balcão um panfleto de propaganda política contrário às ideias esposadas pelos dois amigos. Num gesto arrogante, disse “leia” e empurrou o papel que estava sobre o balcão em direção a Spalding, que imediatamente o empurrou de volta. Foi seu último gesto. Sem uma palavra, os floristas iniciaram o tiroteio contra o desarmado dono da farmácia Serrana e Candoca que também estava armado, atirou em sua defesa e na do amigo. Resultado: O farmacêutico e um capanga mortos na hora, outro capanga alvejado (morreu mais tarde) e Candoca gravemente ferido a bala. O terceiro agressor, ferido levemente e julgando que o “serviço” a que se incumbiram estava realizado e as duas vítimas mortas, retirou-se.
       Recebemos depoimentos minuciosos, que a seguir relatamos: A polícia local logo atendeu o ocorrido e estava auxiliando os feridos a serem levados ao hospital, quando o terceiro agressor e mais outro capanga, ao ser informado que Candoca ainda estava vivo, voltaram para liquidá-lo. Ao vê-los, o delegado de polícia, para resguardar a vida de Candoca, deu voz de prisão ao ferido. Não testemunharia calado um assassinato. Foi bem claro aos dois: que respeitassem a vida do Candoca, que estava agora sob a proteção da Lei. Acrescentou ainda, se vocês quiserem matar o Candoca, terão de me matar primeiro. Desistiram. Candoca, levado ao hospital e recebendo cuidados médicos, sobreviveu. Enquanto esteve no hospital um brigadiano na porta do quarto, era a garantia que ele não seria mais atacado. Necessitando ser operado em hospital com mais recursos e ingentes esforços, foi recolhido ao Hospital São Vicente de Paulo em Passo Fundo. Lá, recuperou-se e esteve sob guarda policial até que, em circunstâncias pitorescas, evadiu-se. Embarcou em automóvel que estava à sua espera e fugiu para São Paulo, onde foi recebido como herói. Flores era vingativo. Não permitiria ser contrariado pela segunda vez. O risco de vida rondaria à porta do infeliz.  Após a destituição de Flores, em 17 de outubro de 1937, retornou à Soledade e pronunciado, apresentou-se para ser julgado pelos crimes na farmácia Serrana. Foi absolvido pelo Tribunal do Júri de Soledade. 

       GENERAL CANDOCA – Recuperado fisicamente, entrou em decadência econômica em sua propriedade rural, já desfalcada de uma área de campo que cobrisse os 90 contos de réis que Flores lhe adiantara para formar, armar e abastecer um corpo provisório e que os utilizara em propósito contrário. Transferira uma área de campo equivalente para o Governo Estadual.
       Passou a exagerar na bebida alcoólica e aos poucos foi perdendo seus amigos e conceito na comunidade. Vendeu sua residência, um casarão de madeira no centro de Soledade para o pecuarista Euzébio dos Santos Ortiz. Por herança, o imóvel hoje é de propriedade de seu filho homônimo, que atende ao apelido de Zebinho Ortiz, meu caro amigo, vizinho na praia de Xangri-Lá há mais de vinte anos e octogenário como eu.
       Anos após seu falecimento e atendendo solicitação do Memorial da Revolução Constitucionalista de São Paulo, seus despojos foram trasladados para São Paulo e é o único gaúcho, cremos, que repousa para sempre no Panteão dos Heróis da Revolução Constitucionalista de 1932. General Candoca também é nome de uma praça pública na capital paulista.
       Parte de livro, fotos dos voluntários em Campo Branco e reunião de aliciamento em Estrela, assim como crônicas avulsas, publicadas ou inéditas que escrevemos e relativos à Revolução de 1932, Combate do Fão e seus desdobramentos, estão registrados nos arquivos eletrônicos do Memorial em São Paulo, disponíveis ao público. memorial32@memorial32.org.br 

BIBLIOGRAFIA - Depoimento oral de Eusébio dos Santos Ortiz Fº (Zebinho Ortiz)
Opúsculo: A revolução de 1932 em Lajeado – Prof. Nelsy Cattoi Conte - 1977
Livro: O Pequeno Grande Mundo de Soledade – Des. Garibaldi Almeida Wedy

                                                          

OS OITENTA ANOS DA REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA DE 1932

Eclosão em 9 de julho. Os paulistas, mais uma vez, farão grandes festejos em memória da revolução perdida. Mantive contato com uma diretora do memorial. Eles têm tudo o que escrevi sobre o tema e está disponível em site deles.  

Em 13 de setembro, combate do Arroio Dudulha. Grandes festejos em Soledade, Lajeado, Progresso, Fontoura Xavier e Pouso Novo. Caravanas em visita ao local do combate, desfiles a cavalo, discursos etc. A mídia local fará grande estardalhaço.e vai  publicar vários trabalhos, inclusive meus.

Me considero um dos conhecedores dos episódios no RS e tenho farto material em mãos: O COMBATE DO FÃO, de Jorge de Paula, de Soledade (Xerox de boa qualidade)

O PÉ NO CHÃO, do militar da BM Nicolau Mendes, Xerox de livro em mau estado, fotos irreconhecíveis e faltando algumas páginas. Este livro relata a formação e os combates do 3ª Corpo Auxiliar, formado por centenas de voluntários de Palmeira das Missões, todos analfabetos, jamais usaram as botinas e exigiram combater portando um facão na cintura. Inseridos na hierarquia da BM, foram em poucos dias, transformados em soldados valorosos que adoravam entrar numa briga. São páginas de glória da BM, relatadas em linguajar despojado de floreios. A BM, se não o tem em suas bibliotecas, deverá procurar obter exemplares para se basear em manifestações públicas, também relembrando os 80 anos. É livro que deverá estar disponível em todas as unidades de nossa BM.

LIVRO MEU – MUITA COISA PARA CONTAR ....... CRÔNICAS DA MINHA INFÂNCIA, com crônicas sobre essa revolução. Disponível impresso e eletrônico via email. Está em todas bibliotecas dos municípios acima referidos

 CHORANDO E RINDO, não sei o nome do autor. Meu pai emprestou-o e nunca mais voltou. Lembro de parte do seu teor. É livro editado em S. Paulo, anedótico, que traz uma série de gozações sobre os gaúchos, especialmente  dos “pés no chão”, inicialmente ridicularizados e que posteriormente aterrorizavam os paulista na luta corpo a corpo, Uma pequena parte no final, relata historinhas louvando os gaúchos e rindo dos paulistas. Vou fazer algumas tentativas de obtê-lo em São Paulo. A BM terá muito mais facilidade de obtê-lo do eu, um simples curioso em história.

            Porquê a BM não participar, com programação estadual, dos festejos que serão realizados, de repercussão local só  no Alto Taquari. Sugiro a data do combate violento e decisivo do Buri nas margens do Parapanema

            Sugiro que você tome a iniciativa de encontrar historiador que assuma a responsabilidade de mostrar ao Rio Grande mais essa página gloriosa.  Tudo o que sei e disponho em arquivo, fica à disposição da BM. Basta contato comigo.

            A população gaúcha praticamente desconhece essa revolução.

            Porto Alegre, 15 de junho de 2012. – Leandro Lampert - Historiador


Um comentário:

  1. Oi meu querido tio fico muito orgulhosa por vce. fazer parte de nossa familia bjos

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