REMINISCÊNCIAS PROFISSIONAIS
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Originária da China e adaptada ao
sul do Brasil a árvore produtora do fruto
denominado “tungue”, de cujas amêndoas se
extraía um óleo industrial secativo natural, utilizável na conservação da
madeira e como componente na fabricação de tintas industriais, foi plantada na
região colonial italiana no RS, de Encantado até Caxias do Sul, nas pequenas
propriedades rurais, para complemento de renda do agricultor. Sendo perene, uma
vez plantada, teria vida ativa por muitos anos e não requereria cuidados
especiais. Era só juntar o fruto e vendê-lo.
No RS havia duas indústrias que
mantinham prensas mecânicas contínuas. A Cosuel em Encantado e outra, uma
Cooperativa exclusiva de óleo de tungue em Caxias do Sul. A produção anual de
cada uma era de cerca de 200 toneladas no início da década de 1960. No Paraná,
outra indústria, produzia mais 400 toneladas. A Cosuel detinha 25% do mercado.
O óleo, uma vez filtrado e
clarificado, era vendido às fábricas de tintas brasileiras existentes na região
sudeste, dentro da lei de oferta e procura. Era conhecido sempre o valor de
cotação do mercado internacional, base para o mercado interno. Produção e
consumo se igualavam. Não ocorrera nenhuma exportação até então.
Na ocasião do cinquentenário do
município de Encantado, a Cosuel teve ativa participação. No desfile, os alunos
dos colégios locais portavam produtos fabricados com a marca Dália, entre ele os
óleos comestíveis de soja, milho, amendoim e girassol e mais o óleo industrial
de tungue (fruta que, se ingerida mesmo em mínima quantidade, provocava
terríveis cólicas e incontrolável diarreia nas pessoas. Quando sentia-se o
sinal, ………... já era tarde) em vidros transparentes com uma etiqueta. Depois do
desfile, os vidros com as amostras passaram a fazer parte de uma exposição em
uma das salas do colégio, mostrando a produção local de bens de consumo.
Encerrada a mostra, os vidros desapareceram e só mais tarde identificamos onde.
No colégio das freiras, os óleos foram consumidos na cozinha, inclusive o de
tungue. Logo recebemos reclamação que numa tarde, durante a concretagem de mais
um pavilhão, os operários e também as freiras, comeram uma fritada de bolinhos feita
com óleo da Cosuel e provocara tremenda diarreia em todos. Alguns conseguiram
chegar aos banheiros, mas a maioria baixou as calças no meio do caminho, diziam
que inclusive as freiras. Não duvidamos. Logo localizamos o paradeiro do vidro
com o óleo de tungue. Provavelmente a etiqueta descolara. Que cena burlesca deve ter sido..
A safra de 1965 encontrou
dificuldades de escoamento e redução de procura. A informação era de que as
indústrias de tintas estavam, gradativamente, substituindo o óleo vegetal por
um composto à base de petróleo.
Em 1966, a procura reduziu-se à
zero e a produção de mais de 1.000 tambores de 200 quilos ficou estocada no
pátio. Em contato com a similar de Caxias, verificamos que eles também não
tinham conseguido vender a safra. O futuro estava incerto e o destino natural
seria fechar as fábricas por falta de comprador do óleo.
As manchetes dos jornais publicaram
o ataque de forças militares de países árabes ao estado de Israel em 5 de junho
de 1967.
Sabia-se que os EEUU mantinham
uma reserva estratégica de óleo de tungue, utilizável na pintura e combustível
de mísseis balísticos militares.
Com a guerra, a cotação internacional
do óleo de tungue teve repentina alta de 20% num mesmo dia. No dia seguinte,
mais uma pequena alta e no dia posterior mais outra. A Cosuel recebeu proposta
firme de preço FOB de um importador americano para as 200 toneladas, para
exportação imediata e a direção da Cosuel teve que optar e aceitar ou não a
proposta. Era bem viável que nos próximos dias a elevação de preço continuasse
positiva.
Reunimos a diretoria, dois
Conselheiros e mais alguns altos funcionários para decidir na hora o que fazer.
Queríamos cobertura para uma decisão crucial – vender ou não toda a produção de
um ano para um único comprador, naquele momento. Dentro do esperado, todos
fugiram da responsabilidade e apenas sugeriram cautela que, aliás, não queria
dizer nada. O que precisávamos era solidariedade. Não a obtivemos e decidimos
aceitar a oferta e assumindo sozinhos a responsabilidade. Fechamos o negócio. Providenciamos
na abertura de Carta de Crédito Irrevogável e documentações correspondentes. O
embarque para o porto de Rio Grande foi imediato.
A operação de venda seria hoje,
em valor atualizado, cerca de um milhão de reais e com …………….. o dinheiro dos
outros.
No dia posterior, nova pequena alta
e mais outra no dia seguinte. Quietos, tivemos que ouvir recriminações – eu
falei para ter cautela - a pressa nunca foi boa conselheira - foi afobação e
discretas risadinhas. Se isso
continuasse, logo seríamos taxados de burro. Após 6 dias do início, a guerra
acabou, o preço internacional do óleo de
tungue despencou ao valor anterior e a procura desapareceu. Ufa, que alívio. Tornou-se
conhecida como A Guerra dos Seis Dias. Não se fazem mais guerras como antigamente.
Fomos submetidos à pressão de
vender ou não toda a produção de um ano para um único comprador num único dia.
Seríamos homem ou um rato? Era a nossa profissão e responsabilidade e as
exercemos conscientemente.
Na manhã seguinte, um dos que
participaram da reunião para decidir a venda, que se omitira e depois criticara
a afobação, abriu a porta do nosso escritório e disse em alto e bom som: RA BU DO.
Aliviados, telefonamos para os
colegas de Caxias. Não venderam, esperando uma provável alta maior que nunca
mais viria. Ficaram com seus estoques sem comprador e encerraram as atividades
da fábrica de óleo de tungue. Provavelmente, lá como cá, haveria muitos ratos. Nunca
soubemos o que aconteceu com a colega do Paraná.
Antes da safra seguinte a Cosuel
também fechou a sua fábrica e a plantação de tungue deixou de ser uma atividade
rentável para o colono. A Cosuel não teve que arcar com nenhum prejuízo. Teve
sorte.
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