sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Livro - Os Lampert (Origens) 02

                                                    P R E Â M B U L O

            De onde viemos e para onde vamos? Se acreditarmos em Deus, d´Ele viemos e a Ele retornaremos um dia. Se não acreditarmos, somos resultado de um acaso biológico e retornaremos ao pó e ao fim. A escolha é nossa.
            No campo material, a busca dos antepassados pela pesquisa, nos permite conhecer toda uma seqüência de vidas que culminaram no nosso nascimento. Vidas inteiras e interligadas desfilam numa sucessão aguardando a nossa vez de dizer presente. Não temos possibilidade de trocar nossos antepassados e temos que aceitá-los como eles foram. Em parte, somos responsáveis pela transmissão do nosso legado aos nossos descendentes, até que chegue também a nossa vez de sermos por eles conhecidos e lembrados.
            O conhecimento dos antepassados e o legado dessa história aos nossos descendentes nos torna, de certa forma, perenes, eis que por muito tempo nosso nome permanecerá vivo pela manutenção dos registros de genealogia à disposição dos que nos sucederão.
            Em parte para desvendar o passado e também para legar os conhecimentos, partimos da pesquisa empírica iniciada por nosso pai Mário Lampert, na década de 50, da qual fomos legatários e prazerosamente nos propusemos a dar continuidade, então utilizando os recursos de acesso aos arquivos das paróquias fundadas pelos colonizadores alemães, já informatizados e publicados, que em parte, facilitaram contornar as dificuldades criadas pelos que emigraram, pela repetição dos prenomes, informações erradas provenientes da pouca cultura dos escrivães e erros de pronúncia dos informantes. Irmãos tinham sobrenomes diferentes, dependendo de como a informação era ouvida e registrada pelo funcionário da paróquia ou escrivão.
            Pesquisamos igrejas, cartórios, cemitérios, guias telefônicos, agências da CEEE e Corsan e arquivos públicos. No de Porto Alegre, folheamos mais de 40 mil páginas de registros de nascimentos, casamentos e óbitos das localidades onde havia cópias dos registros e informações objetivas relativas aos anos de 1929 a 1975. Consultamos os guias telefônicos de todas as cidades do RS, SC e PR, assim como de algumas capitais de estados, inclusive Brasília, anotando nomes, endereços e telefones de todos os Lampert que o possuíssem e fizemos contato por correspondência com cada um que não constava ainda no nosso trabalho, buscando atraí-lo e obter suas informações genealógicas, para situá-lo no seu devido lugar e incentivamos parentes em várias localidades para que colaborassem na procura de algum Lampert de sua região.
            Hoje, temos os endereços e telefones de mais de 650 familiares Lampert em todo o Brasil, disponíveis para quem os necessitar.
            Encontramos reciprocidade em nosso objetivo e os parentes assumiram as responsabilidades de completar suas famílias. Quase sempre as informações demonstravam interesse e capacidade de boa informação. O número dos não identificados foi se reduzindo gradualmente, até restarem apenas alguns de difícil localização.
            Inicialmente chocados, mas acabamos descobrindo que existem familiares Lampert bastante humildes nas periferias da região metropolitana, cidades da região da campanha e também nos vales dos rios Taquari e Sinos, de parentes que sobrevivem com extrema dificuldade, atingindo a situação que a sociedade chama habitualmente de pessoas excluídas.  Decaíram na qualidade de vida, se igualando aos demais na mesma situação, com os mesmos problemas e submetidos à inexorável lei natural da sobrevivência do mais apto. Constatamos, falta de instrução, baixa qualificação no trabalho e famílias numerosas, perpetuando assim as dificuldades de reerguimento da família na vida social e econômica.   Encontrados, procuraram fugir às informações e, amargurados, preferiram ficar no anonimato. Respeitamos sua vontade.
            Iniciamos catalogar os Lampert em listas, depois em fichas. Finalmente encontramos a maneira de informatizar os registros, adquirindo um programa de computação utilizado pelos membros da Igreja Mormon. Mandamos buscá-lo em Salt, nos Estados Unidos. É um programa universal e nossos disquetes podem ser utilizados em todo o mundo. Em 2003 adquirimos novo programa, chamado de versão 4 e que está hoje sendo utilizado com sensíveis melhoras na apresentação.
            Mesmo com o uso do computador encontramos dificuldades na colocação de antepassados, pela variação da grafia. Encontramos Lamper, de Santa Maria (lª emigração, 6º filho) e Lamperth, (1ª emigração, 1º filho) do Alto Uruguai, todos nossos parentes. Lambert, alguns parentes e a maioria não, assim como os Lembert ou Lambertz, todos semitas e nenhum parente. Lamperte, Lampertz, Lamberti e ainda Lamberty. Encontramos muitos Lamperti que inicialmente nos pareceu que poderiam ser parentes, mas acabamos descobrindo até o brasão deles. São católicos e de origem italiana. Nos demais nomes ocorreu o mesmo, por exemplo, Puzz, Putze, Putzer, Putzen, Butzer, Butzen e finalmente Butze, que adotamos. Krieger e Krüger, etc. A Maria Ehrig, esposa do filho do imigrante inicial da primeira imigração, também chamava-se Erich, na região germânica, Eidler e Ereck na região italiana e Íris na região portuguesa, locais de moradia dos seus descendentes até hoje. Os imigrantes registravam muitas vezes seus descendentes com dois prenomes. Na prática, usavam somente o segundo, inclusive na documentação de casamento e registro de filhos. Somente quando encontramos os túmulos, verificamos o nome certo da pessoa com os dois prenomes. Ninguém escreveria errada a lápide com nome do familiar que estava sendo sepultado. 
            No meio desse cipoal, lentamente foi surgindo o resultado de laboriosa leitura, interpretação e registro de informações complementados por raciocínio, que permitiu a edição deste trabalho, fundamentado em informações devidamente checadas e criteriosamente avaliadas.
            Entendemos que a família Lampert é merecedora de ser melhor conhecida pela reunião de todas as informações num único trabalho, dando início ao nosso Livro de Família que deverá ser atualizado pelas próximas gerações. Famílias inglesas tem o seu Family Book e as germânicas o Familien Buch. Mantemos contato com mais de uma centena de descendentes de emigrantes que também estão procurando, encontrando e publicando os registros de suas famílias.
            É preciso rasgar a cortina da noite para conhecer o passado e então tentar compreende-lo com o enfoque do personagem da época.
            É o que nos propusemos a fazer e colocar à disposição da sociedade.
            Obrigado aos que colaboraram. Não foram poucos nem avaros.
                                        
             Porto Alegre, junho de 2009.       


            LEANDRO LAMPERT – Membro do Inst. Histórico. e Geogr. do Vale do Taquari.                                                                                                             
            Participação de LEANDRO CARLOS LAMPERT

                                    



                                     PREFÁCIO DA TERCEIRA EDIÇÃO

Quando publicamos a primeira edição com cerca de 1.700 nomes, sabíamos que estávamos apenas levantando  parte da família Lampert. Visava uma reação em cadeia. Graças àquela publicação, aos poucos, fomos obtendo maiores informações de descendentes e também fomos por eles descobertos. O desejo de ampliar  os conhecimentos genealógicos foi crescendo na medida em que havia meios de obtê-los com menos esforço.
            À cada um coube recordar os nomes de seus avós ou bisavós e situá-los dentro do contexto do livro agora disponível, para se encontrar e identificar os demais parentes, nos informando para o devido registro. Cada um recebeu, computadorizada, uma relação apontando os seus ascendentes e descendentes.
            Tivemos a confirmação de que nossos registros de emigrantes e a primeira geração de brasileiros estava quase toda identificada e o trabalho tinha sido eficiente. Os registros oficiais são incompletos, errados ou contraditórios, sendo necessário muito raciocínio para separar o que pode ser aproveitado.
            A publicação teve uma conseqüência inesperada. Serviu para alguns reencontrar parentes perdidos ha mais de 30 anos. Fornecemos os endereços permitindo a localização de cada um e o reencontro. 
            Na primeira edição registramos quase 1.700 Lampert, incluídos seus cônjuges, genros e noras. na segunda edição ultrapassamos 4.600 familiares e hoje apresentamos nosso trabalho, devidamente corrigido em pequenos detalhes,  sensivelmente ampliado em sua nominata  que atinge   7.144 familiares e 2.314 matrimônios,  com novas informações sobre os velhos Lampert e muito mais histórias do nosso estado,  sempre envolvendo um parente.
            Todas as informações genealógicas que nos foram entregues até o dia 31 de julho de 2005 estão devidamente registradas. 
              

PREFACIO DA QUARTA EDIÇÃO

       Acrescentamos mais hisórias e parentes, que atingem agora à quase 8.000 Lampert e seus descendentes.
      Limitamos a edição apenas a dez exemplares.
                                               


                                                            O AUTOR









                                                           R A Í Z E S

            No “Dicionaire Etimologique de Noms e Prenoms” editado na França, encontramos “Lampert”, forma regional de Lambert, e “Lambert” antigo nome de batismo de origem germânica, formado por “Land” (país) e “Berth” (brilhante). É originário da região centro-oeste da Alemanha, perto da França e do Luxemburgo.
            Ainda hoje existe no Luxemburgo a aldeia de Lampertville, junto ao Rio Mosela, e a cidade de Lampertheim (Lar dos Lampert) nas margens do rio Reno na Alemanha, onde estivemos. Lampert é sobrenome comum hoje na Alemanha. Constatamos a existência de cadeia de lojas e banco Lampert.
            Quatro vezes, familiares de sobrenomes Lampert cruzaram o oceano e desembarcaram no Rio Grande do Sul, numa viagem sem volta, decididos a iniciar uma nova vida no Brasil.
            Conseguimos rastreá-los, acompanhando seus passos e imaginando as dificuldades, compensadas por valentia ante o desconhecido e firmeza de caráter frente as adversidades.  Emigrações de famílias foram marcadas por falecimento em viagem, face ao desconforto dos navios, demora em alto mar, subnutrição, e provavelmente, doenças infecciosas.
            Várias razões motivaram a emigração. Mesmo estando já as terras aráveis da região confiscadas da nobreza e do clero e distribuídas entre os agricultores, o crescimento demográfico, com cerca de dez filhos por casal, não permitia que  em mais de duas gerações houvesse terra suficiente para  todos, ainda mais se a terra já estivesse exaurida por séculos de plantio contínuo sem a mínima técnica. Havia excedentes populacionais que não tinham como sobreviver. Cada proprietário possuía apenas uns poucos hectares e não passava de um sub camponês. A legislação fundiária determinava que a terra fosse herdada apenas pelo filho varão mais velho. Era a Lei do Morgadio, em vigor desde o início da Idade Média. Obrigava, entretanto, o herdeiro privilegiado, a várias obrigações de sustento para com seus irmãos. Outros eram apenas servos eventuais.  Tornaram-se pequenos artesãos que preferiram não se incorporar ao proletariado nascente do início da industrialização da Alemanha.  Igualmente, as sombras das guerras napoleônicas que terminaram somente em 1815 na batalha de Waterloo, assim como as requisições de alimentos e soldados que deixaram as populações na miséria e desfalcadas de seus familiares homens, impeliram a emigração. Cremos que a possibilidade imediata de se tornarem proprietários de no mínimo 25 ha de terras ainda virgens, em clima ameno, viesse coroar anseios sempre sonhados e, paralelamente, continuaria a possibilidade do exercício de suas habilidades profissionais, ampliando significativamente a receita. Cada filho emigrante tinha sua especialização artesanal, além da agricultura, exercida por todos. A perspectiva era que se transformassem proletários em proprietários.
            O primeiro imigrante Lampert deixou nas suas terras na Europa o filho mais velho e sua família, trazendo os demais para o Brasil, já antecipando o direito de Morgadio que caberia àquele filho. Uma geração depois, exatamente 21 anos, também este filho mais velho decidiu vir com sua família para o Brasil. Mais cedo ou mais tarde também sua propriedade ficaria com um único filho homem. Os direitos das mulheres eram inferiores aos dos homens.
            A aldeia de Niedereisenbach é o berço dos Lampert das primeiras duas emigrações. Após a fusão com a aldeia do outro lado do riacho, Hachenbach, hoje se chama Glanbrücken (Pontes do Glan) e tem cerca de setecentos habitantes. Por ter trocado de nome, não conseguimos localizá-la na época em que estivemos na Alemanha e a procuramos.  As terras da região são pouco férteis e a viticultura ainda era uma das atividades agrícolas locais. Atualmente, toda a região das encostas é ocupada apenas com reflorestamento, pois até a viticultura tornou-se antieconômica.  

FOTOGRAFIA DE NIEDEREISENBACH EM 1986   

A idéia da emigração foi tomando corpo, e a propaganda do major Jorge Antônio Schäffer, arrecadador oficial de emigrantes, pago por cabeça imigrada, contratado por D. Pedro I, foi sendo escutada e assimilada. Hábil propaganda oferecia um mar de rosas no Brasil e esperava-se vida nova em terra nova, sem guerras, mortes violentas e fome. Terras férteis de graça, ajuda do governo, liberdade religiosa, convívio no meio dos patrícios, passagens gratuitas, enfim, uma utopia. A realidade não foi bem assim. Morriam pessoas nos navios, as terras eram inicialmente de graça, mas não havia estradas e eram cobertas de mata virgem povoadas por bugres traiçoeiros e animais selvagens. Os conflitos a que as famílias emigrantes foram vítimas na Europa foram substituídos no sul do Brasil por revoltas internas como a Revolução Farroupilha em 1835, a Revolução Federalista em 1893, a Antiborgista de 1923 e a Constitucionalista de 1932 no RS, que acrescidas da Guerra do Paraguai em 1865-1870, submeteram os emigrantes e seus descendentes às violências dos beligerantes. Todas gerações de imigrantes tiveram de suportar conflitos armados, participando ou mesmo alheios aos acontecimentos. E a ajuda do governo ....... Já então vinha com atraso no fornecimento de dinheiro, alimentos, sementes e animais para a reprodução. Uma frustração. A demarcação do lote de cada um era demorada e houve muitos casos de superposição  de área, que conduziram os proprietários a conflitos e burocracia sem fim.                                                                           
            Poucos anos após iniciada a emigração, já o governo da Prússia avisava aos colonos que desejavam partir, que o Brasil não poderia cumprir o que estava prometendo. Era demais. Apesar de avisados, continuou viva a fé de que no Brasil as coisas não poderiam ser piores do que eram no momento na Europa. A coragem do desespero era uma característica daquele povo.   
                        A constituição do império brasileiro tinha a religião católica como única e oficial e os padres recebiam subsídios do Estado. A garantia de liberdade religiosa era um engodo. Não foi cumprida e não poderia tê-la sido prometida. Apenas após 1861 o governo brasileiro aceitou como válidos os casamentos contraídos dentro da Igreja Evangélica, já que não havia casamento civil. Até então os cônjuges eram legalmente considerados concubinos, com evidentes prejuízos na situação familiar. Os padres católicos casavam sem o menor problema quem já tinha contraído matrimonio anteriormente pela igreja evangélica, desde que preenchessem as exigências religiosas católicas em vigor. Simplesmente eram desconsiderados os casamentos evangélicos anteriores.  Somente após a república é que foi  feita a separação da Igreja e do Estado. Aos evangélicos apenas era permitida a construção de igrejas desde que não tivessem torres. A cidadania brasileira somente foi alcançada muitos anos depois, apesar das promessas de que seria feita imediatamente após a investidura na propriedade rural. Em 1838 o ministro farroupilha Domingos José de Almeida decretou a primeira nacionalização de colonos de São Leopoldo e Três Forquilhas com objetivo de cativá-los para as hostes revolucionárias. Não o conseguiu. O que os colonos desejavam era paz e segurança para alcançar o desenvolvimento. O Império só iniciou as nacionalizações em 1846. Os filhos de colonos nascidos no Brasil já eram considerados brasileiros de fato e de direito.
            Vieram ao Brasil em busca de paz e prosperidade, e isolados no tempo e no espaço, buscaram preservar em sua nova pátria, o que chamavam de Heimat. Este Heimat constituiu-se na continuidade da prática das tradições do espírito germânico de trabalho, cultura, economia, gosto pela alegria ruidosa e a preservação da língua como elemento de agregação. A religião e a língua alemã eram valores relacionados. Mantiveram suas raízes culturais, pois no Brasil foram segregados geograficamente dos demais habitantes já existentes na província. Entre as populações da serra, litoral, campanha ou depressão central não havia comunicações.   Trouxeram o costume de criar e participar de clubes de bolão, ginástica, sociedades de canto, bordado, teatro e música, assim como associações religiosas, hospitalares, escolares, de assistência social aos necessitados e  cooperativismo. Merece atenção especial a constituição de sociedades de atiradores, as famosas Schützen Verein, cujo objetivo principal era exercitar a fraternidade, treinamento de tiro e cultuar a dignidade pessoal e o patriotismo. Cada município se esforçava para ter o seu.  Eram habituais os concursos de tiro ao alvo, inclusive praticado por mulheres. A honraria máxima era vencer um torneio e ser declarado Rei do Tiro até a próxima competição geral no ano seguinte. Era uma honra presidir ou fazer parte da diretoria de uma dessas sociedades. Ninguém atrasava uma mensalidade, pois isto seria uma suprema humilhação.  Vencer uma competição esportiva dava direito ao justo orgulho de usar um galardão que o distinguisse dos demais.
            A Alemanha lhes fora madrasta e aportaram ao novo lar decididos a nunca mais retornar. Ninguém voltou.  Ao se decidir pelo expatriamento voluntário, o emigrante rompeu com seu passado histórico que passa a ser apenas uma lembrança. Seus usos e costumes foram preservados. Apenas o presente e o futuro passaram a contar. Decorridos decênios, ficou na imaginação popular dos seus descendentes, que a Alemanha tinha sido e ainda era o melhor lugar do mundo. Nostalgia divorciada da crua realidade de então.
            No Rio Grande do Sul lhes foram determinadas as terras a serem cultivadas nas planícies aluviais dos vales dos rios da depressão central, ainda virgens de ocupação. Formaram mais uma ilha no arquipélago físico e cultural no RS, onde encontraram situações ecológicas favoráveis e semelhantes a suas regiões de origem na Alemanha.  Abraçaram a nova vida e na falta de oportunidade de vivência com os luso-brasileiros não lhes restou outra alternativa além da continuação da vida que anteriormente tiveram e, sobretudo, os mesmos costumes.
              Pela inexistência de convívio com os descendentes de portugueses, mantiveram a língua ancestral como meio de comunicação geral. Os pastores e padres pregavam em alemão, e também nessa língua estudavam nas escolas comunitárias e liam os jornais que lhes permitiam receber as informações que os mantivessem atualizados culturalmente. Quase nenhum emigrante era analfabeto. Mais de noventa por cento dos emigrantes eram alfabetizados, enquanto que na fronteira sul do estado, na mesma época, os alfabetizados eram apenas dez por cento da população.  Por mais de um século o dialeto alemão falado no Hunsrück foi a língua preponderante e até hoje ainda se observam regiões onde os agricultores bilíngues se comunicam em alemão dentro da família. Facilmente se identifica uma cidade com maioria de população de origem germânica. Se orgulhavam de ter origem alemã, mas antes de tudo eram brasileiros. A aculturação, assimilação e integração se efetivaram  lentamente.                                              
            Praticavam aberta e acintosamente o preconceito religioso e o racial, e disso faziam alarde. As diferenças religiosas ampliavam ainda mais a discriminação étnica latente. Cada um no meio dos seus iguais. Era o uso e costume da época, deplorável herança cultural que muito lentamente foi sendo contornada. Não encontramos qualquer indício de miscigenação com o negro nem com o índio, este sempre esquivo e solerte. Mesmo que alguns aceitassem casar-se com pessoas de outra religião ou etnia, não o faziam, pois temiam a pressão e o desprezo da comunidade que os cercava e policiava. Não eram aceitos nem como padrinhos de batizados por terem se casado com cônjuges de outra religião.
            Os jovens casavam-se muito cedo. Os rapazes a partir dos 20 anos e as moças dos 16. Os filhos vinham sem parar, seguindo as leis da natureza e enquanto a mulher fosse fértil, algumas até aos 49 anos.  Os que ficavam viúvos tinham a colaboração das famílias para constituir novo casamento.   O amor viria depois. Havia a premente necessidade de completar o par. Ou o viuvo já com seu estabelecimento agrícola em plena formação, não podia sobreviver sem a parceria de uma esposa, ou no caso das viúvas, igualmente já instaladas nas propriedades, necessitavam de um companheiro, mesmo desprovido de bens, para assumir a responsabilidade da administração da propriedade e assegurar um futuro para seus filhos.                                                                                                                                                                     
            A vivência das tradições germânicas na época da segunda guerra mundial foi perversamente confundida com nazismo. Bastava falar alemão e já era considerado   “quinta coluna” e perigoso  espião do Eixo. Muitas perseguições e injustiças foram praticadas contra ingênuos descendentes dos emigrantes alemães e italianos, especialmente se dispunham de recursos financeiros ou, se comerciantes, não vendessem fiado para os integrantes da malta de desordeiros que se escondiam sob a capa de “patriotas”. Praticavam depredações e humilhações. Em nossa juventude testemunhamos diversas. À noite, após ingerir muita pinga, desfilavam pela cidade aos gritos de vivas e morras, secundados por um pequeno coro e observados de perto por curiosos. Entre eles, eu. Chegando a uma casa de um pretenso nazista, faziam uma parada, as vezes, desafiavam o morador para um duelo e desenhavam uma enorme suástica com cal na parede da casa. A diversão dos curiosos que acompanhavam a baderna era adivinhar quem seria o próximo “condenado”. Esvaziada a garrafa, voltavam para casa. No sábado seguinte, recomeçavam.
            O culto das tradições étnicas deve ser e hoje é incentivado. Minorias como poloneses, letões, ucranianos, judeus e outros, continuam cultivando as tradições de suas origens, prestigiadas pela comunidade e pela imprensa. Não importa a origem do gaúcho, se portuguesa,açoriana, alemã, italiana,  levantina,  negra, índia, platina ou outra. Somos um estado multi-étnico. Hoje, com naturalidade nos encaminhamos lentamente a uma democracia racial. O culto das tradições é elemento essencial à formação intelectual da população. Quanto nos orgulhamos de ter CTGs espalhados por todo o mundo, levando e mostrando nossa dança, música, vestuário, alimentação, e especialmente,  aquele “algo” que,  pensamos, nos distingue de outros compatriotas. Tivemos a surpresa da adesão e entusiasmo com o nosso trabalho, dos Lampert migrados para outros estados. Muito mais do que o orgulho de ser um Lampert, era a fidelidade às raízes gaúchas que os faziam interessados no contato com o passado e ampliação do conhecimento dos seus ancestrais. Ser gaúcho é um estado de espírito.  E as Oktober Fest? Revivem as mesmas festas de séculos atrás ainda hoje também realizadas na Alemanha. E os Kerb, com suas três noites de baile, foguetórios, visitas recíprocas, comilanças, rios de chope e vigorosas bandinhas típicas? Nos legaram o consumo de pão de centeio, a cuca, a schmier, as salsichas, lingüiças, a carne de porco, o chucrute e os doces de todos os tipos. Ah, e que doces.
            Cada etnia deu e recebeu contribuições de vestuário, alimentação, costumes e literatura, que nos ensejou ser diferentes dos demais brasileiros e facilmente identificáveis. Um exemplo significante é o uso do chimarrão, herança do índio missioneiro, que hoje é sorvido em quase todos os lares dos países de origem ibérica meridionais. Nos orgulhamos de todas as etnias que caldearam a formação do gaúcho.


                                           O RIO GRANDE DO SUL
                                                          
            O RS foi colonizado muito depois dos demais estados brasileiros. Um século antes da chegada dos alemães, em 1725 começaram os lagunenses a desbravar o deserto verde que ia de Torres até a Colônia do Sacramento e se mantiveram somente nas áreas próximas ao litoral do Atlântico.  Anos mais tarde, casais açoritas foram trazidos pelo governo português para povoar as terras da margem direita do rio Guaiba e da Lagoa dos Patos, para se ocupar dos afazeres da lavoura a que estavam habituados na vida insular. Começou então a saga que nunca mais teria fim: os problemas na distribuição das famílias nos lotes prometidos. A região da campanha não os queria e depois de muitas protelações, foram assentados em Viamão e parte dali transferidos para Triunfo, Taquarí, Santo Amaro, Santo Antônio da Patrulha, Rio Pardo e outras regiões. Estes açorianos imprimiram e mantiveram até hoje as características que distinguem estas cidades das demais do estado.
            Incompetência, má administração e corrupção nos órgãos públicos responsáveis, marcaram o início da destinação oficial das propriedades rurais, males  que  para sempre se mantiveram presentes e hoje mais do que nunca.
            Quase todas as terras devolutas do estado já estavam invadidas pelos militares que participaram das lutas platinas e seus familiares, executando por conta própria o povoamento das terras, incluindo as até então chamadas “campos neutrales”.  O governo acabou por sancionar como doações de sesmaria as terras que já estavam ocupadas, apenas legalizando fato consumado, já que o objetivo inicial havia sido alcançado: o povoamento da região meridional pelos lusitanos, efetivando a posse definitiva da região para a coroa portuguesa.
            Cada estancieiro era um guerreiro sempre pronto, juntamente com sua família, empregados e escravos, para ser recrutado gratuitamente pelo governo. Se apresentavam munidos de armas, os cavalos encilhados para transporte e se alimentavam de carne do gado abundante na região. Era um exército sem custos, aguerrido e conhecedor da região. Nas guerrilhas, era imbatível.
              A geografia do pampa com suas pastagens nativas abundantes, quase infinitas e gado alçado vagando, milhões de cabeças, sem dono pelos campos, depressa inclinou os  povoadores para a pecuária extensiva, permanecendo apenas a agricultura de subsistência, não atingindo um dos objetivos iniciais do governo, o de fornecimento de gêneros alimentícios agrícolas para o exército regular e para os povoadores das cidades que já começavam a despontar,
              Graças aos lagunenses e a estes militares-estancieiros que ocuparam as terras de campo aberto, até então sem lei nem rei, juntamente com o exército português existente no sul, nossas fronteiras meridionais foram alargadas e fixadas à ferro e fogo, durante um século, em lutas quase contínuas com os castelhanos.
            Estava pronto o cenário para o início da grande epopéia da imigração em  massa de povos centro-europeus, de  línguas e costumes completamente diferentes dos até então existentes no RS, sob a supervisão governamental. Sua influência e alcance jamais poderão ser medidos, nem as aventuras, padecimentos e sucessos dos imigrantes  narrados em livros e mostrados em filmes editados com o vigor realístico que os demonstre, revelando ao gaúcho atual sua enorme dimensão e influência nos destinos do nosso estado. Hoje, cerca de quarenta por cento da nossa atual população é conseqüência dessa resolução de Dom Pedro I e seu filho D. Pedro II.                              Depois da Independência, D. Pedro I, vendo que as terras de mato não eram ocupadas pelos estancieiros gaúchos, procurou e achou nova fonte de povoadores nos habitantes de língua germânica que viviam em condições difíceis em suas terras européias e recém saídos de anos de conflitos armados. Não vieram como pedintes ou foragidos, mas atendendo insistente convite   do governo brasileiro, que credenciou e contratou o major Schaeffer, para  recrutar os agricultores a emigrar para o Brasil, encontrar  o sonho de felicidade e terra própria.  Promessas mirabolantes não faltaram.
            A escolha da região para a colonização não encontrou impedimento por parte dos estancieiros, pois não provocava concorrência na posse da terra nem no ramo de atividade. Até pelo contrário, a existência de glebas de floresta sem dono, para colonização, permitiria que os intrusos e posseiros, ilícito já então existente no meio rural, encontrassem locais para assentamento, reduzindo a pressão sobre os ruralistas.
            A chegada de imigrantes de origem alemã não provocou discriminação racial contra os novos povoadores. Não havia sequer contato recíproco. Mais tarde, a discriminação passou a ser social e econômica. Esta, com o progresso material e cultural dos imigrantes, o tempo se encarregaria de minorar e extinguir.
            O trabalho braçal na lavoura ou artesanato, dali em diante, perderia o conceito de vergonhoso, até então existente na mentalidade do povo. Trabalho duro era para  negro escravo.
            Durante 50 anos, a partir de 1824, com a interrupção de 10 anos no período da  Revolução Farroupilha, milhares de colonizadores atenderam ao chamamento e vieram participar com seu concurso  obstinado no desbravamento da nova terra. Depois da guerra dos farrapos, também iniciou-se a colonização patrocinada pela província do RS e igualmente, por agentes particulares, que compravam, loteavam, vendiam e financiavam as terras para os novos colonos, introduzindo a prática curiosa de separação dos assentamentos de acordo com a religião dos compradores. Havia óbvias razões econômicas. Bastava uma única igreja, escola, cemitério, etc. Era a reforma agrária privatizada.  Teve total sucesso e deixava o agricultor liberto da orientação burocrática do governo. Passado o período desbravador no vale do rio dos Sinos, toda a colonização das áreas excluídas dos povoamentos iniciais, foi feita somente pela iniciativa privada durante o século seguinte. O tempo mostrou que  agricultores subsidiados reduziam-se à economia de sobrevivência quando cessava a ajuda do governo. Ainda hoje é assim.
            Cinquenta anos após a chegada dos alemães iniciou-se a colonização italiana, que também durou quase 50 anos. Estes bravos italianos que emigraram pelos mesmos motivos dos alemães, foram jogados na agreste região serrana sem a menor assistência ou estradas de acesso. Mesmo assim, sobreviveram e progrediram. Encontramos cópia de propaganda de convencimento dos italianos para emigrar para o Brasil. Dizia “Brasile, il paese della cuccagna” (Brasil, o país da fartura). A fartura só foi encontrada depois de muitos anos de trabalho e sacrifícios.  Partiram do acidentado nordeste da Itália, região do Vêneto e encontraram aqui o mesmo perfil montanhoso de suas terras de origem. A principal diferença  era que no RS ainda havia terra,  mato e passarinho à vontade. Também trouxeram seus usos e costumes, durante muito tempo exclusivos seus e somente muito mais tarde, lentamente incorporados aos já existentes em nosso estado. Na alimentação, nos trouxeram o galeto, a polenta, o salame, as massas e o consumo de radicci. Tentaram nos trazer o vinho italiano, mas não tiveram sucesso por terem suas videiras destruídas por pragas e falta de adaptação ao solo e ao clima. No caso do vinho, foram socorridos pelos descendentes dos alemães que  cultivavam  viníferas  ha muitos anos e já tinham suas cantinas industriais no vale do Caí. A Revista do Vinho, em seu número 4, ano I, de janeiro e fevereiro de 1988, publicação da UVIBRA, em artigo “História da uva e do vinho no Rio Grande do Sul”, em artigo de Rinaldo Dal Pizzol, nos conta à pg. 30, que um dos casais pioneiros imigrantes italianos Tommaso e Maria Radaelli, conseguiram os primeiros bacelos de videira adaptada  ao solo e clima, junto ao  imigrante e agricultor  Jacob Ruschel, de Linha Feliz, nosso antepassado pela linha materna. Fato conhecido da nossa família por tradição oral.
            Os alemães, pelo menos tinham os rios, a estrada que anda, permitindo o transporte fluvial que os imigrantes já estavam habituados a utilizar nos rios existentes em sua antiga pátria, para o transporte de pessoas e  produção agrícola. Os italianos nem isto.
             Os imigrantes depressa aprenderam a não pedir nem esperar nada do governo. Quanto mais longe das autoridades, melhor. Era a opinião generalizada. Se o governo não estorvasse, já estava muito bom. Não mudou muito até hoje. As pendências eram solucionadas com a lógica e a sabedoria populares da mesma forma como haviam sido  resolvidas em suas localidades de origem na Europa.
            Formaram-se então núcleos isolados de colonização com pessoas de origem, mentalidade e língua diferentes, que raramente necessitavam comunicar-se entre si.    Descendentes de lusitanos, alemães e italianos mantiveram vivos por muito tempo seus costumes originais e preconceitos recíprocos, alguns existentes ainda hoje.
            A colonização com imigrantes alemães e italianos, foi a principal responsável pela acentuada diferença econômica entre a homogênea e operosa metade norte do RS, de pequenas propriedades rurais e industrial, e a estagnada metade sul, de  latifúndios e sem indústrias, que se acentua cada vez mais. Os descendentes destes imigrantes não se limitaram  ao Rio Grande do Sul. Iniciaram a diáspora dos gaúchos e estenderam, mais tarde, também o mesmo progresso, colonizando de forma similar e sem o estorvo do governo, o oeste de Santa Catarina e sudoeste do Paraná, que são gaúchos em sua mentalidade e condições sócio-econômicas.  Apenas a geografia física os separa. Individualistas, tinham a coragem e o ânimo dos que sempre serão vencedores. Não havia lugar para fracassados.   Hoje, os encontramos no Mato Grosso, Goiás, Bahia, Rondônia, Roraima, Amazonas, Brasília e em toda a parte. Conhecemos quase todos os estados do Brasil e muitas vezes, ao nos identificarem como gaúchos, pedem que mandemos mais dessa gente para lá, para serem fatores de desenvolvimento. Localizamos ainda, famílias Lampert, emigradas do RS para a Argentina, Paraguai, Estados Unidos, Áustria e Suécia.
            A colonização pela pequena propriedade rural gerou riquezas que levaram as famílias numerosas ter a necessidade de migração para os demais estados da federação, levando seus descendentes mais ativos e o capital acumulado pelo rendimento agrícola a adquirir novas glebas de terras, por sua conta e risco, empobrecendo o RS de pessoas capacitadas e descapitalisando implacavelmente nosso estado, que perdeu para sempre homens e capitais que nunca mais retornarão. Este processo, que já dura meio século, ainda hoje e cada vez mais, continua atual. Seria de esperar que os agricultores excedentes adquirissem e colonizassem as áreas existentes e disponíveis na região sul do RS, mas preferiram ir para outros estados, onde se agruparam por interesses econômicos e não mais por etnias. A democracia racial se efetivou com naturalidade, ainda que lentamente, mas a discriminação religiosa continua viva até hoje. Não era tão fácil esquecer e eliminar preconceitos arraigados na cultura e nas famílias tanto tempo. Possivelmente o fato da região sul ter sido palco de extrema e  impiedosa violência duas gerações atrás, na época da revolução Federalista, inibisse qualquer colono pacato a transferir-se para aquela região.
            Outra consequência da geração de riquezas na zona rural de policultura e pequenas propriedades,é a criação de indústrias artesanais, inicialmente caseiras, logo mais de estabelecimentos médios nas cidades e por fim transformados em parques industriais que trouxeram riqueza e progresso à partir dos núcleos iniciais de assentamento dos imigrantes, alemães nos vales dos rios dos Sinos, Taquari, Caí, Pardo e Jacuí e italianos em  cima da serra, na região de Caxias do Sul. A indústria e seu complemento, o comércio, logo acompanharam a dispersão das colonizações. Surgiram de humildes iniciativas industriais os atuais grandes empresários que, graças à sua dinâmica e capacidade administrativa se distinguiram e continuam impulsionando a formação de novas riquezas.  
            Com a colonização alemã, D. Pedro I tinha como objetivo a ocupação das terras de floresta ainda incultas e próximas da capital e a região missioneira, esta em face da proximidade com os platinos, sempre inconformados pela permuta efetivada entre Portugal e Espanha daquela vasta região pela pequena e sempre contestada vila da Colônia do Sacramento, no extremo sul do Uruguai, de acordo com o tratado de Madri em 1750. A colonização das terras do Alto Uruguai se fez esperar por mais sessenta anos para que se efetivasse  naturalmente em ondas sucessivas. O isolamento e as distâncias da capital Porto Alegre, talvez tivessem sido as principais razões da falta de interesse dos emigrantes em povoá-las. Eram indispensáveis os meios de comunicação e transporte da produção agrícola e pecuária para as cidades consumidoras ou destinadas à exportação. Muitos anos se fizeram necessários até que o governo da república providenciasse  em resolver os problemas de transporte, abrindo o caminho para a colonização espontânea.
            Era evidente, também, o desejo de “branqueamento” da população.
            Igualmente, tendo em vista que a alforria dos escravos não os fazia tornar parte nos mecanismos da produção e da economia, pois para o ex-escravo, na época, o  supremo objetivo era o ócio. Ele passava a trabalhar somente tantos dias quantos eram necessários para sua sobrevivência, sem capacidade de exercitar seu direito na participação da economia do regime capitalista, onde poderia e deveria ser inserido.   Era mais uma razão para trazer imigrantes que se constituíssem, com o tempo, em uma pequena burguesia rural e artesanal que se incorporasse ao processo econômico.                   

 Nem em sonhos o português D. Pedro I e sua esposa austríaca D. Leopoldina poderiam imaginar que o empreendimento de iniciar a emigração de agricultores centro-europeus para RS atingisse o sucesso que alcançou. D. Pedro foi feliz na escolha da época, do lugar e das pessoas. 

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