terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Crônica - Reminiscências Profissionais 7

REMINISCÊNCIAS PROFISSIONAIS - 7

JACOB MARKUS KATZ

       ZH de 8 de abril noticia o falecimento do menino imigrante polonês Markus, um  amigo leal, em 15 de fevereiro, já com seus 95 anos, quase todos vividos em Encantado. Sempre correto em suas atitudes, nos traz à memória sua presença na nossa vida social e profissional.
       A primeira coisa que fizemos foi reler o livro de crônicas de sua autoria Filósofo de Aldeia. Vivemos ou fomos contemporâneos de alguns dos seus episódios
       Éramos parceiros no Lyons Clube e na vida comunitária da cidade. Ele, d. Berta e filhos gozavam de nossa estima e consideração.
       Além da loja de venda de máquinas de costura, tinha uma pequena granja onde criava suínos e depois aves para abate em frigoríficos especializados. Creio que na época (1963), sua criação de frangos de corte era pequena, não ultrapassava lotes de quatro mil aves. Era associado da Cosuel da qual eu era diretor e permanentemente conversávamos sobre os problemas de sobrevivência dos pequenos agricultores.
       A Cosuel tinha fábrica de rações, quase toda destinada à produção de suínos, devidamente testadas em granja própria e registradas no Ministério da Agricultura. Também se fabricavam rações para aves, baseando-se em critérios nutricionais indicados pela empresa criadora de raça especifica para corte, e os valores indicados em cada época da vida do frango. Seguíamos regras universais. Tínhamos confiança na nossa capacidade de cálculo, porém, não tínhamos como comprovar física e economicamente sua viabilidade. Aliás, o volume de vendas também não justificava o investimento particular e pessoa capacitada em coordenar um teste real.
       Um dia, fomos procurados pelo Markus e ele nos disse que decidira iniciar a produção industrial de aves para abate, tinha construído instalações adequadas e conhecia os procedimentos de manejo. Tinha apenas o dinheiro para comprar os pintos. Restava o problema da nutrição e financiamento. Aventou soluções.
       Transformar um pinto em frango, naquela época, levava quase cinquenta dias e o frigorífico os pagava decorridos trinta dias após a entrega das aves. Ele não tinha capital disponível e pretendia ser financiado pela Cosuel.
       Era a oportunidade de testar a qualidade das nossas rações para aves e o Markus, meticuloso ao máximo, era a pessoa confiável indicada a fazê-lo sem custos. Fizemos um convênio verbal. A Cosuel forneceria todas as rações e as financiaria até que o lote fosse pago, sem juros. Em contrapartida,  Markus registraria todas as despesas decorrentes e informaria a quantidade de rações consumida para ser comparada com o peso das aves vendidas. Essa operação indicaria a conversão de alimento em peso vivo, que avaliávamos seria de 2,1 a 2,2 quilos de alimento por peso vivo de ave vendida. Paralelamente, seria calculado o custo financeiro, para saber a conversão econômica. Tudo acertado e aí Markus inquiriu “e se o lote der prejuízo?” - Conversaremos. Tudo na mais absoluta confiança recíproca.
       Vendido o primeiro lote, Markus trouxe, já calculada, a conversão física e econômica, assim como cálculo percentual da mortalidade havida. Foi só passar a limpo o teste. A conversão física correspondeu às expectativas e a econômica apresentou resultado que o Markus achou satisfatório. Passamos a repetir, daquele dia em diante, a mesma sistemática, com evidente aprendizado, confiança na qualidade da ração e satisfeitos com a parceria.
       Sua atuação foi de inquestionável valor profissional. O homem certo no lugar certo.
       A pesquisa realizada por Markus, logo tornada pública, incentivou os produtores rurais a utilizar as rações balanceadas na primeira etapa da vida do pinto. Duas semanas depois era solto e terminava sendo um frango caipira precoce. Aceitaram a técnica pela metade. A produção industrial de frangos ainda demoraria alguns anos até que se tornasse corriqueira e mais uma atividade econômica viável para nosso produtor rural. Markus foi um pioneiro.
       Muitos anos depois e já afastados da comunidade de Encantado, fomos surpreendidos pela visita de um dos seus filhos em Xangri-Lá, que nos brindou com o livro de Markus, seleção de 51 gostosas crônicas de cidade pequena, semanais e divulgadas pela emissora de rádio local. Emocionados pela gentileza e lembrança depois de tanto tempo e com a leitura do livro, revivemos episódios descritos com a verve de um legítimo filósofo de aldeia. Recordamos nossa permanência feliz em Encantado durante 11 anos. Retribuímos enviando-lhe um exemplar de nosso livro “Os Lampert – Origens, História e Genealogia”.
       Sempre admiramos que Markus e d. Berta geraram seis filhos varões e a todos eles o casal proporcionou estudos em universidades. Não deve ter sido fácil.
       Nunca mais tivemos outro contato, mas sabíamos de sua vida, inquirindo pessoas de Encantado a quem, eventualmente, perguntávamos sobre os nossos amigos que lá permaneceram.

       Deixamos nesta crônica a nossa homenagem póstuma ao Markus, a alegria e a saudade de ter convivido com ele e sua família. Que descanse em paz junto a Jehová.

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