terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Crônica - O Laçador

                                                     O  L A Ç A D O R

           Creio que o ano era 1939. Meu avô dera para mim e meu irmão Luciano, uma petiça para que o acompanhássemos, todos os sábados depois do meio dia no seu habitual passeio a cavalo até sua propriedade rural em São Miguel, no distrito de Cruzeiro do Sul, cerca de 14 km de Lajeado. Em cada viagem, meu irmão Luciano e eu nos alternávamos como companheiros de viagem.
Na viagem, passaríamos em Cruzeiro do Sul, onde morava a tia Zaira  Lopes. Entre os guris dela, o Gabí, o Marino e o Ciro, um pouco mais velhos do que eu, iam junto, alternando-se um de cada vez. Voltaríamos domingo à tarde.
Já imaginaram a felicidade do vô Leopoldo, ao lado de dois dos seus netos, a cavalo todos os fins de semana?
No pátio da nossa casa, havia duas estrebarias e a petiça, em regra, ficava em potreiro alugado e cerca de 100 m distante, de propriedade da firma Hexsel, onde, íamos buscá-la toda vez que quiséssemos cavalgá-la. O local hoje é ocupado pelo Parque Dick.
Numa oportunidade, ao abrir a cancela e entrar no potreiro, fui avisado pelo zelador da área que havia uma vaca braba no potreiro e que atacava as pessoas a pé. Levou-me até sua casa para aguardar a chegada de um tropeiro que havia sido chamado e marcara hora paras laçar o animal e prende-lo.
Dito bovino fugitivo e de pelo brasino, magro e de chifres enormes, pulava qualquer cerca e era a aflição dos agricultores vizinhos com os prejuízos e risco de agressão pelo animal.
Como já estava na hora dele chegar, fiquei esperando juntamente com os guris do zelador, na segurança do pátio da casa.
Logo vimos a porteira ser aberta por um homem com vestimenta característica de gaúcho, bombachas, botas, lenço branco no pescoço, chapéu de aba larga com barbicacho e cavalo bem encilhado.
Desapresilhou o laço, armou-o e se dirigiu a passos em direção à vaca, que estava cerca de 60 m distante e atenta à sua chegada. A vaca logo o percebeu e disparou em direção a uma cerca de uma plantação de milho. Atropelou o cavalo e com o vento, seu chapéu saiu da cabeça e ficou preso pelo barbicacho. Seus cabelos eram longos e loiros. Em ângulo de V se aproximaram um do outro.
Instantes antes da vaca pular, o tropeiro atirou o laço certeiro e prendeu o animal pelos chifres. Parou o cavalo e quando o laço esticou, a vaca deu uma cambalhota e ficou caída junto à cerca. O tropeiro pulou do cavalo e correndo, torceu a cabeça para que o animal não se levantasse até que o zelador trouxesse um sovéu para amarrá-lo em uma árvore para que seu dono viesse buscá-lo.
Quando cheguei perto, junto com os guris, meus parceiros de caça de pintassilgos com gaiola, reconheci o tropeiro. Era Paulo Oppliger, sete ou oito anos mais velho do que eu. Seu pai, homônimo, austríaco de nascimento, tinha um moinho e matadouro de bovinos na beira do arroio do Engenho, logo além da sede do Clube Tiro e Caça. Já se adaptara, perfeitamente, aos usos e costumes gaúchos.
A cena surpreendente, de uma beleza impar e com final glorioso, para mim, foi inesquecível.

O zelador já sabia o preço que seria cobrado, deu-lhe uma cédula de cinco mil réis e eu logo traduzi aquele valor. Daria para comprar 25 picolés no bar do Rico Chiarelli.  Que beleza.

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