terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Crônica - Reminiscências Profissionais 1

REMINISCÊNCIAS PROFISSIONAIS - 1

      Em 1961, quando assumimos cargo de Diretor Superintendente da Cooperativa dos Suinocultores de Encantado Ltda., já encontramos um acordo verbal em vigor entre as cooperativas de produção e as de consumo. Estas dariam uma preferência de compras àquelas e que em retribuição adotariam o prazo de vendas de 45 dias, em lugar dos habituais 30 dias vigentes no comércio tradicional.
       Como as cooperativas de consumo pagavam habitualmente no prazo faturado, não existiriam maiores problemas. Assim se passaram alguns anos sob constante vigilância da Cosuel.
       Entretanto, verificamos que essas cooperativas de consumo de funcionários de grandes empresas econômicas na sua maioria, passaram a atrasar os compromissos, pagando juro de mora pelo atraso que chegava a 15 dias. Assim, compravam e pagavam a 60 dias e venderiam no máximo em teóricos 30 dias, uma vez que o consumo mensal dos seus associados seria descontado nas folhas de pagamento das categorias com associados de padrão médio. O fato despertou um alerta íntimo. Havíamos encontrado algo inexplicável.
      Era fácil prever o sucesso dessas cooperativas de consumo, desde que houvesse um limite técnico e rigoroso para o consumo mensal de cada associado, baseado no valor nominal do salário de cada um. Sem limite, desastre previsível.
       Em 1966 quando a Cosuel decidiu entrar no ramo de supermercado para atender seus associados e funcionários, cabia uma visita às cooperativas de consumo já existentes e que gozavam de alta consideração por sua organização e eficiência.
       Solicitamos uma visita às duas maiores para formarmos uma ideia de um ramo desconhecido para nós. Convidados, lá nos apresentamos.
      Recebidos com gentilezas, fomos conduzidos às instalações físicas adequadas e também aos escritórios de contabilidade e tesouraria. Tudo dentro dos conformes.
      Nos foi entregue um balancete atualizado e um balanço do exercício anterior. Rapidamente avaliamos a sua liquidez financeira, bastante razoável, mas nos chamou a atenção um imenso ativo realizável a curto prazo. Inquirimos o contador que nos explicou que aquele montante era o valor dos débitos de compras de todos os associados e para nossa surpresa, igual à soma de dois meses de venda. Assim, o prazo médio real de venda seria de 60 dias e não no mês subsequente como a teoria indicava. Daí o aperto financeiro. Horrorizados, previmos que isso acabaria mal em pouco tempo.
     As diretorias permitiram que os associados se endividassem progressivamente, sem nenhum critério de responsabilidade. Certamente contavam com esses votos para se reeleger nos cargos administrativos. .
      Desses devedores, possivelmente a maioria, mantinha suas contas em dia e para que desse essa média, uma minoria deveria estar com grandes atrasos e esse débito seria rolado cada mês e jamais seria ressarcido. Em resumo, a cooperativa estava, na realidade, insolvente e a situação progrediria até que um dia estourasse. Não demonstramos surpresa, agradecemos e fomos à outra cooperativa de consumo. Constatamos existir situação idêntica e que logo generalizamos à todas as cooperativos de consumo, nossas maiores clientes. Em caso de quebra generalizada, seríamos os primeiros a sofrer as consequências. O valor que perderíamos, seria igual à venda de dois meses para elas. Não teríamos como suportar.
        Seria necessária enérgica providência e o sigilo era absolutamente necessário. Determinamos por escrito à cada unidade de venda em Porto Alegre, que, sem maiores explicações, suspendessem a venda a prazo para todas as cooperativas de consumo, alegando ordens superiores.
        A ordem causou enorme rebuliço e contestação. Nos recusamos a explicar. Quebraria o sigilo indispensável. Pedimos que confiassem e que sabíamos o que estávamos fazendo. Ninguém bota fóra, sem razão, uma clientela que representava mais de um terço das vendas em Porto Alegre.
       As unidades de venda, bem gerenciadas, logo conquistaram novos clientes e a venda mensal continuou a mesma.
       Uma outra cooperativa de produção assumiu o nosso lugar. Logo entendemos que ela seria a vítima voluntária e inocente a ser sacrificada no altar da voracidade do comércio e indústria. Problema dela. Ignorara que não existe almoço grátis.
       Dentro de dois meses, a Cosuel não tinha mais nenhum haver das cooperativas de consumo.
         Era só esperar pelo estouro.
       Pouco tempo depois, numa reunião mensal do Sindicato das Indústrias de Produtos Suínos do RGS, um colega, diretor de uma média indústria na região italiana, nos puxou para o lado e perguntou se era verdade que suspendêramos as vendas para todas as cooperativas de consumo. Confirmamos e depois perguntou por quê. Nos encaramos e  lhe dissemos em dialeto vêneto – Fate furbo – Faça-te experto ou abra os olhos e nos afastamos. Logo vimos que ele segredava para outro colega alguma coisa e fazia gestos em nossa direção. Entendemos que ele estava recomendando para ele também suspender as vendas aos mesmos clientes.
       O estouro estava iminente e logo aconteceu. Ninguém mais quis vender a prazo para essas cooperativas de consumo. O déficit financeiro logo apareceu e em seguida cerraram as portas por falta de mercadorias e crédito.
      Prejuízos em larga escala para muitos fornecedores.
      Cooperativas não entram em falência e sim em liquidação. Dezenas fecharam as portas e não pagaram nenhum credor. Os patrimônios serviram apenas para pagar os encargos trabalhistas. Ufa, escapamos por pouco.
      Os associados, por óbvio, não resgataram seus débitos com as cooperativas.
      Fomos severamente criticados por não alertar as outras cooperativas de produção, mas o sigilo absoluto era necessário para que nos salvássemos dum enorme prejuízo.

      A cooperativa industrial que nos substituiu junto às cooperativas de consumo teve o destino previsto.

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