terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Crônica - BR 386

                                         A RODOVIA BR 386

            A enchente de maio de 1941 ferira de morte o rio Taquari. Iniciou-se um tempo de agonia e as lideranças do município começavam a preocupar-se com o futuro do transporte fluvial. Mais cedo ou mais tarde entraria em colapso, com reflexos negativos para a vida econômica de Lajeado. Era evidente o declínio das empresas de navegação. Os barcos ainda navegavam de Lajeado para Porto Alegre, mas os portos de Santa Teresa (Garibaldi), Muçum, Encantado e Arroio do Meio foram, um a um, deixando de receber barcos a motor. Em breve chegaria a vez do porto de Lajeado.
        E veio a época dos “biguanos”, pequenos barcos de uma até duas toneladas, impelidos por velas e varejão, operados geralmente por dois marinheiros, proprietários do barco. Estes usavam calças compridas arregaçadas até a canela, chapéu de palha e os torsos, sempre desnudos, tinham tons de bronze. Não ultrapassavam o número de quarenta canoas. Davam um toque romântico à paisagem. Eram ribeirinhos independentes e destemidos. Descarregavam diretamente do porto de Lajeado, as encomendas que seriam transportados para os portos rio acima, cargas de pouco peso.  Na volta faziam o contrário, já com mercadorias agrícolas in natura, ensacadas, até a lotação do barco. Em poucos anos, foram também desaparecendo, ficando a visão nostálgica de alguns deles, chegando ou saindo do porto de Lajeado, sob o olhar carinhoso dos habitantes da cidade, que acorriam todos os dias à “praia”, para assistir a chegada e partida dos vapores e gasolinas de passageiros e carga que demandavam à Porto Alegre e portos intermediários. Nas épocas de seca extrema, iam e voltavam também até o porto de Bom Retiro do Sul, último porto do rio Taquari navegável o ano inteiro.
          Nova enchente devastadora aconteceu em 1956, com mais estragos e assoreamento do leito do rio. Tornou-se urgente uma medida preventiva, que evitasse o colapso da circulação de mercadorias e pessoas. Foi o fim dos biguanos.
            Para comprovar a verdade dos fatos aqui relatados, guardados em nossa memória, valemo-nos do livro de José Alfredo Schierholt: ”80 anos da ACIL”.
        Logo após a enchente e diante da catastrófica situação, a ACIL (pg 70), sob a presidência de Eugênio Almiro Schmidt, encaminhou memorial ao governador Meneguetti, requerendo “uma draga tipo especial, para remover o entulho acumulado no leito do rio”. A solicitação, desde o início, já era equivocada, uma vez que o rio já estava moribundo.
            A ACIL sob a presidência de Arnilo Broenstrup, em 1957, também fez gestões junto o governador, conforme se lê na pg. 71.
       Para Lajeado, convergia a produção agrícola dos municípios situados ao sul de Guaporé, Muçum, Encantado e Arroio do Meio, com estradas sofríveis, que encareciam os custos e que em épocas de chuvas eram intransitáveis. .
            A ligação rodoviária entre Lajeado e Soledade, tinha duas possibilidades. Uma, a mais curta, via Arroio do Meio, Encantado e Arvorezinha, atingindo Soledade. Tinha triste fama a subida do morro da Guabiroba, terrível aclive, logo após Encantado.  A outra, com estradas menos ruins e com percurso muito maior, ligava Lajeado à Mariante, dali para Venâncio Aires, pela estrada que levava à Soledade, também com um subidas íngremes e perigosas, cenários de muitos acidentes rodoviários.
            A ACIL promoveu uma conferência com engº Darci Piegas Cordeiro, do DAER, que apresentou uma a sugestão de fazer nova estrada que, partindo de Tabaí, atravessasse o rio Taquari entre Estrela e Cruzeiro do Sul, subindo a serra pela calha do arroio Sampaio, deixando Santa Clara e Vila Sério ao norte, até alcançar Sete Léguas, Boqueirão do Leão e Soledade.  Isto desagradou muito às lideranças de Lajeado. Ficaria fora do eixo rodoviário no transporte geral de mercadorias, melhorando apenas o acesso à Porto Alegre, via nova ponte.           
            Ainda na ACIL, sob a gestão de Arno Ritter, continuaram os estudos em busca de outro caminho para Soledade.
            Transcrevemos a seguir, parágrafo inteiro na pg. 72 do mesmo livro.
       “Pela primeira vez é mencionada a rodovia ligando esta cidade à Soledade, na conferência proferida pelo engº Darci Piegas Cordeiro, presidente do Conselho Rodoviário do DAER na ACIL, conforme ata de 28-1-1958. Na reunião seguinte, foi apreciado o memorial ao governador pleiteando a inclusão de uma ligação entre Lajeado e Soledade no Plano Rodoviário do Estado. Estava sendo concebida a BR 386. O projeto anterior pretendia construir esta rodovia por Venâncio Aires e Boqueirão do Leão”
            Este parágrafo dá veracidade ao que escrevemos mais acima.
           Não apenas a ACIL, mas todas as forças vivas do município, em conjunto, Prefeitura Municipal com o prefeito Mário Lampert, a Câmara dos Vereadores sob a presidência do Dr. Dalton de Bem Stumpf, a ACVAT, a Associação Rural e lideranças políticas de todos os partidos. Lajeado estava unido em um único objetivo: Colocar o município na corrente de trânsito que passasse pela cidade, vinda no noroeste do RS até Porto Alegre. A BR 386 foi além de qualquer previsão, por mais otimista que fosse. Lembramos a participação do engª civil Kurt Lux, dirigente do DAER em Santa Cruz do Sul ao qual Lajeado pertencera até ter sua própria unidade. Em 1967 foi diretor Geral do DAER. Era concunhado de Erni Stahlschmidt, também líder ativo. Estava seguidamente em Lajeado, em parceria com os tenistas locais. Deu amparo técnico ao prefeito nos estudos que precederam à reivindicação da nova estrada.
            O município foi favorecido pela sorte e pelo empenho. de suas lidedranças. .Passa hoje pela estrada, cerca de 30% da produção agrícola do RS.
            De forma alguma poderemos afirmar que o atual traçado foi todo consequente do memorial ao governador e outras iniciativas paralelas. Mas os lajeadenses lutaram muito para que assim fosse.
            É desnecessário afirmar que a conclusão da BR 386 foi uma alavanca que tornou Lajeado um polo rodoviário, com os consequentes benefícios para a população e progresso material acentuado do município.
            O desenvolvimento de Lajeado, sem dúvida, se deve ao valor, individual e coletivo dos seus líderes, que despontaram naturalmente entre a população.
            Lá por 1970, eu voava nos pequenos aviões do aeroclube em Estrela e fazia voos panorâmicos sobre a beleza da região do vale do Taquari, eventualmente sobre a rodovia nova, o rio Forqueta e seu afluente o arroio Forquetinha, as várzeas laterais e em seguida os morros. O xadrezado das lavouras com cores diferentes, o arvoredo, homens trabalhando a terra, a fumacinha branca saindo das chaminés das casas, o gado pastando nos campos, veículos em trânsito, tudo alegrava e encantava. Não tinha como conter o orgulho.
            Um dia, convidei meu pai para um passeio aéreo sobre a BR. Aceitou, mas fez uma sugestão de rota: Iríamos pela estrada inicialmente projetada, atravessando o Taquari perto de Cruzeiro ao Sul, alcançaríamos o arroio Sampaio e iríamos até suas cabeceiras, no rumo de Sete Léguas, onde encontramos ainda muito mato. Depois, rumo ao norte, até alcançar a 386 e voltando sobre ela. Assim foi. Um panorama belíssimo e uma emoção indescritível para ambos. Duraria para sempre. 
                                 Foram consultados: Arnilo Broenstrup - ACIL
                                 Leonor Lampert Marques - Kurt Lux

                                 Elmo Sudbrack (Chico) – Biguanos

          Pilotos ativos, à esquerda Donald Johann e na extrema direita Leandro Lampert


              Crônica publicada no jornal A Hora dos Vales, de Lajeado em fevereiro de 2013

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