quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Crônica - Um holandês em Porto Alegre e o taxista

                        UM HOLANDÊS EM PORTO ALEGRE E O TAXISTA

       Os imigrantes que iam partir da Alemanha para o Brasil, antes de embarcar, deveriam assinar um “termo de renúncia” da cidadania germânica, para que nunca mais pudessem retornar e recebiam um “carta de saída” para toda a família, que seria entregue na chegada.
       Consegui uma cópia da família Lampert e vi que faltava um imigrante. Partiram da Alemanha, Johann Jacob Lampert (1784-1842), sua esposa e oito filhos, num total de dez pessoas. Desembarcaram somente oito. Uma filha, Margareth Lampert, de três anos de idade, falecera na travessia marítima. Continuava faltando um. Eu não deixaria o caso assim e tratei de ver o que teria acontecido.
       Consegui o endereço postal da paróquia luterana de Niedereisenbach am Glan (hoje Glanbrücken), na região do Hunscrich, Palatinado Renano e fiz, em inglês, uma consulta. Esta carta caiu nas mãos do historiador local Hans-Georg Leppla, que já tinha correspondência com solicitação igual enviada por Robert Donald Lambert, de Rotterdam, na Holanda, descendente de Johann Jacob Lambert (1784) e seu filho homônimo Johann Jacob Lambert. Leppla nos comunicou o fato e informou aos dois solicitantes os respectivos endereços postais.
       Trocamos correspondências em inglês e constatamos que Johann Jacob Lambert (1804) (o filho), desistira de ir para o Brasil e informara ao seu pai que iria para os Estados Unidos. Ficara sem documentos.
       Posteriormente, decidiu permanecer na Holanda e tornar-se marinheiro e recebeu o apelido em holandês, que vertido ao inglês, seria “walking feet”, na prática, um trotamundos. Aventureiro, envolveu-se nas guerras de independência da Indonésia. Foi condecorado por bravura e faleceu na ilha de Java em 1855. Deixou descendentes na Holanda, entre eles o nosso parente Robert Donald.
       Assim, finalmente encontramos o descendente do parente desaparecido e separado da família brasileira por mais de um século e meio.
       Em maio de 1997, Robert Donald Lambert, arquiteto urbanista, decidiu vir ao Brasil, visitar Brasília e nos informou. Imediatamente o convidamos para vir ao Rio Grande do Sul e hospedar-se em nosso apartamento. Convite aceito.
       O levamos para conhecer vários municípios de colonização italiana e alemã. Região dos vinhedos, do Alto Taquari, de Gramado e arredores do Guaíba. Churrascos, galetos, cafés coloniais e outras amostras da culinária gaúcha. Nunca viu tanta fartura. Fotografou todas as churrasqueiras para não passar por mentiroso em suas volta a Rotterdam.
       Um dia, manifestou o desejo de conhecer o downtown – centro de Porto Alegre. Iríamos de taxi e ao chegar à calçada, vi que um taxi se aproximava. Fiz o sinal e ele nos atendeu.
       Entramos no veículo, eu ao lado do motorista e minha filha Luciana, com um inglês um pouco melhor do que meu, ao lado do Donald.
       Seguimos em direção ao Mercado Público e a Luciana mostrando a cidade ao convidado, que fazia perguntas em inglês. Notei que o motorista do taxi estava inquieto, mexeu no espelho retrovisor e toda a hora olhava para o Donald.
       De repente, o motorista, falando em holandês, inquiriu o passageiro. Pelo sotaque, concluíra que deveria ser um holandês. Provavelmente era o único taxista de Porto Alegre que falava essa língua. Inacreditável coincidência. Foram conversando animadamente até o fim da corrida. Nós quatro nos divertimos um bocado com a situação.
       Desembarcamos no mercado, cuja estrutura encantou o Donald, assim como seu interior, cheiros, mercadorias e povo.
       No café da manhã tinha comido goiabada, desconhecida para ele. Adorou. Explicamos a origem. Logo comprou uma goiaba.
       Caminhando pela feira, encontrou uma banca que vendia cuias e bombas. Adquiriu os apetrechos e disse que queria aprender fazer chimarrão. A Lucy providenciaria. Levaria para a Holanda como suvenir.
       No domingo seguinte, em Dois irmãos seria realizada mais uma festa anual da família Lampert e o levamos para participar. Lá chegados, Donald ouviu alguns participantes falando alemão e logo, para surpresas de todos, entrou na conversa.
       Donald falava fluentemente o alemão, o francês e o inglês e logo todos se acercavam para uma conversa.

       Estava presente uma professora, esposa de um Lampert que logo o provocou falando francês, deixando os ouvintes mais surpresos ainda. Donald fez sucesso. Jamais imaginou que encontraria no Rio Grande do Sul, danças, canções, músicas e costumes há muito tempo em desuso na Alemanha e ainda vivos por aqui.

                           Donald – De camisa branca ao meu lado, em Dois Irmãos.

           Regressando à Rotterdam, Donald escreveu agradecendo e ainda fazendo gozação sobre sua viagem ao Brasil. Relatou ao amigos que não vira nenhum índio pelado, nem cobra, nem onça e muito menos jacarés. Gostara muito dos gaúchos, pois lá os taxistas falavam holandês, as professoras, francês e os demais, alemão.
       Donald era o último Lambert na Holanda e tinha só duas filhas. Anos mais tarde, informou-me que havia se divorciado e contraído novo casamento. O casal teve um filho varão, que, possivelmente dará continuidade à linhagem Lambert em seu país.
          Nunca mais voltou ao Brasil.
      Tempos depois, lembrei-me do chimarrão (levara um quilo de erva mate junto) e perguntei a ele, já por email, como fora a experiência. It was horrible. Não precisa de tradução. 

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