quinta-feira, 22 de abril de 2021

 

MIL PARES DE BOTAS DE NAILON

 

            Transcorria o ano de 1967, eu trabalhava na Cooperativa dos Suinocultores de Encantado Ltda. e estava a serviço em São Paulo. Tinha uma hora de folga e resolvi visitar a sede de uma empresa congênere, um matadouro de suínos, expoente em Santa Catarina e que estava próxima.

            Apresentei meu cartão e disse que desejava falar com um Diretor. A secretária perguntou qual o assunto e eu falei que era apenas uma visita social. Desejava me apresentar e conhecê-lo, hábito normal meu.

            Recebido, ele disse-me que já me conhecida de nome e falamos sobre o mercado de carnes de suíno.

            No decorrer da conversa, vi que sobre a sua mesa havia uma bota preta.

            - Com licença. Que bota é essa? Peguei-a e examinei-a. Gostei.

            - É uma novidade, adquirimos um lote para testar na “zona suja” de um dos nossos matadouros. Vamos subsidiar a metade do custo aos operários.

            Minutos depois, agradeci e retirei-me.

            Chegando a Encantado, determinei ao gerente do supermercado-loja, que verificasse o estoque de botas de borracha, baixasse o preço ao custo, porque em breve viria um vendedor de botas de náilon. As de borracha, logo ficavam estragadas pelo contato com sangue, sal, água quente e soda barrilha usados na limpeza do ambiente.

            Instrui-o para que quando chegasse o vendedor e juntamente com o seu encarregado de compras verificasse a qualidade e “pensando grande” se pronunciasse depois comigo, para ver quantos pares compraríamos. Eu estaria presente no fechamento da operação.

            Dias depois, juntamente com o vendedor e trazendo uma bota de cano médio na mão, entraram em meu escritório.

- Aprovamos a bota e pelos preços, deveríamos comprar 500 pares, mas é muita bota e optamos por comprar 200, a tabela logo superior.

Mostrou-me a tabela: Preços para 10, 20, 50, 100, 200 e 500 pares. Para cada quantidade, um preço mais baixo e para 500 pares, preço significativamente menor. Logo vi que a fábrica estava forçando venda de lotes grandes em seu lançamento e tinha confiança na qualidade do produto.

Tive dois minutos para raciocinar e, em pensamento, assumi o lugar do fabricante: Aceitaria uma contraproposta, desde que a quantidade fosse maior.

 - Qual é o preço para mil pares ? (o nosso gerente empalideceu)

- Tenho que falar com o meu chefe em S. Paulo.

- Pode ser agora ?

– Pode.

- Nossa oferta para mil pares, é um desconto de mais 5% no preço e aceitamos o prazo de 30 dias. O envio imediato será de 500 pares e quando tivermos pago a duplicata, remeterão os outros 500. Não há risco maior.

Foi feita a ligação na nossa presença, logo aceita pelo fabricante. Negócio fechado.

Meu raciocínio: Tínhamos 500 funcionários e mais de 300 deles trabalhavam em áreas insalubres. A cooperativa tinha 24 supermercados-loja em diferentes municípios e mais de 1.800 associados. Um produto necessário, bom e barato teria rápido escoamento, beneficiando a cooperativa, associados e empregados.

O custo de um par de botas do lote de 500 unidades ficava um terço menor do que um do lote de 10.

A olho, calculei de cabeça que o preço de fornecimento seria cerca do preço de aquisição de 10 pares diretos da fábrica. Ficou alguns centavos menos.

Ao gerente da loja sede, falei. Escolha os números dos tamanhos e somente compre botas para adultos. Se tiver medo de assinar o pedido, traga-o aqui que eu assino.

Eu acabara de realizar uma jogada de marketing com muita ousadia e que daria muito que falar. Acertei em cheio.

Comentários: Desta vez o homem ficou louco mesmo.

Dias depois, o gerente me informou: Repetimos a jogada das botas e compramos 500 guarda-chuvas e sombrinhas. Tinha aprendido a lição.

Mais uns dias, e parafrazeando citação popular, quebraram-se os cântaros do céu e a água derramou-se sobre a terra. Choveu durante quarenta dias e quarenta noites.

O consumo de botas e guarda-chuvas atingiu volumes inesperados. Três meses depois, adquirimos mais 200 pares de botas e 100 guarda-chuvas.

Quem não arrisca, não petisca.

Dois meses depois, fomos a uma reunião do Sindicato da Indústria de Produtos Suínos do RS e todos os demais colegas tinham visto cópia do nosso pedido e também adquiriram as mesmas botas. Fizeram gozação comigo.

 

 

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