DR. VOLTAIRE
DE BITTENCOURT PIRES
Exacerbação política e uma tragédia
Em meu livro São José de
Tebiquary, descrevi, na página 201, os eventos que acabaram na trágica morte do
capitão Homero Canabarro Cunha, assassinado por um seu rival político, em 1937.
Esse episódio teve enorme repercussão na nossa comunidade e também em Lajeado,
onde o assassino, o advogado Voltaire de Bittencourt Pires, tio do famosíssimo
advogado criminalista Lia Pires, recentemente falecido, obteve couto por parte
de alguns amigos e também o local onde foi julgado e inocentado. O episódio
todo, pela sua importância, está registrado nos anais dos crimes políticos do
nosso estado e registrado em livro escrito pelo também advogado criminalista
Dr. Amadeu Weinmann. Logo após eu ter pesquisado e escrito meu texto, visto a
partir de Taquari, por mera casualidade tive contato com uma testemunha ainda
viva dos eventos, hoje com 91 anos, o historiador Leandro Lampert, cujo pai,
Mário Lampert (hoje nome de ginásio em Lajeado), foi o amigo que o resgatou em
Taquari e lhe deu couto em sua casa de Lajeado.
Abaixo transcreverei o
texto que está em meu livro, acrescidos com os dados ofertados pelo historiador
Leandro Lampert.
Em tempo, o Capitão Homero
vem a ser avô do nosso amigo Homero Canabarro da Cunha Neto, presidente do
Teatro São João e figura de destaque em nossa comunidade.
“Há 83 anos, Taquari foi
palco de uma tragédia decorrente da exacerbação da política partidária.
A partir da Proclamação da
República, o radicalismo entre republicanos e federalistas produziu duas revoluções
fratricidas e cruentas, a de 1893 e a de 1923, brigas nas quais a fria e cruel
adaga era a paz dos mortos.
Em 1930, os inimigos
juntaram-se em apoio ao Getúlio. Mas, os ideais e os ódios, latentes, tornam
com a Revolução Constitucionalista de 1932.
Novamente os partidos se
separam: de um lado os libertadores (antigos federalistas) do Raul Pilla e, do
outro, os republicanos do Flores da Cunha (Flores da Cunha permaneceu fiel a
Getúlio e ao getulismo).
Aqui em Taquari, o chefe
militar da ala florista – o Partido Republicano Liberal – era o capitão Homero
Canabarro Cunha. Esse capitão Homero tinha uma rixa política com um famoso
advogado de Porto Alegre, mas que também tinha escritório por aqui: Voltaire de
Bittencourt Pires, ferrenho libertador e inimigo do interventor estadual Flores
da Cunha.
O ano era 1937, um início
de noite, 20 horas, de cinco de janeiro. E a tragédia ocorreu quando os dois
inimigos encontram-se à porta do Club Renascença – hoje, Striatus. Parece que o
capitão Homero, vendo o desafeto, partiu para lhe dar uma adrede prometida
“tunda de cinto”. Esse, assustado, reagiu puxando seu revólver da cintura e
atirando mortalmente. O capitão, ferido gravemente pelos tiros (dois), foi
imediatamente atendido pelo Dr. Maia Filho que, atento à gravidade dos
ferimentos, enviou-o, com maca, via vapor, durante à noite, para atendimento em
Porto Alegre. Chegou a ser operado, vindo a falecer no dia seguinte, 06 de
janeiro. A consternação em Taquari foi geral.
Para fugir do flagrante, e
da certa vingança dos amigos do capitão assassinado, Voltaire teria escapado e
recebido couto na casa da família Castro e Silva. Após fugir e estar em
segurança fora de Taquari, respondeu processo em liberdade na comarca de
Lajeado. Foi absolvido e, passado pouco mais de um ano da tragédia, voltou a
advogar em Taquari.
Foi absolvido da justiça
dos homens. Da Divina, não. Poucos anos após, em 14 de agosto de 1950, com
apenas 45 anos, morre, em São Jerônimo, em acidente aviatório.”
JOÃO PAULO DA FONTOURA
Jornalista do “O TAQUARYENSE”
de Taquari em junho de 2020
CARTA DE LEANDRO LAMPERT
AO DES. ÉRICO BARONE PIRES
Após ter adquirido e lido o livro, constatando que o nome
de seu pai, Mário Lampert não estava presente na biografia do Dr. Voltaire e
contrafeito, escreveu o seguinte para o filho do Dr. Voltaire.
Porto Alegre,
7 de novembro de 2006
ILMO. SR.
DES. ÉRICO
BARONE PIRES
PORTO ALEGRE
Caro amigo.
.
Era aguardada
com ansiedade a publicação do livro do Dr. Amadeu Weinmann, com a biografia do
Dr. Voltaire, para conhecer o restante da vida dele, além dos fatos que
presenciei e convivi com ele nas oportunidades em que visitou meu pai em
Lajeado.
Desejo
transmitir os meus cumprimentos pelo seu justo orgulho e manifestar também a
minha alegria, pois na família de Mário Lampert ele sempre foi considerado como
sendo “nosso” também.
Reuni-me com
minha irmã Leonor (somos as duas últimas testemunhas oculares ainda vivas) para
recuar ao passado em busca do momento em que conhecemos o seu pai.
Espero poder
acrescentar mais alguns conhecimentos sobre a vida do biografado, ainda que
sucintos e parciais.
As
reminiscências chegaram até a época em que você era o Leleco, minha irmã a Nola
e eu respondia pelo apelido infame de Dunda
Eventualmente
Dr. Voltaire, por via fluvial, vinha á Lajeado a trabalho, hospedava-se sempre
na nossa residência e retornava no dia seguinte ou no subsequente. Ainda menino na época, recordo sua figura
cativante. Exercia um fascínio sobre mim e lembro como eu desejava que meu pai
fosse igual a ele.
Meu pai sabia
quando ele viria, pois controlava no Cartório as audiências em que ele faria
parte e passava o dia com ele. Algumas vezes ele não comparecia, mas meu pai o
representava, pois tinha sempre uma procuração substabelecida. Meu pai era um
homem pobre e nem telefone tinha.
Nunca em
minha vida, presenciei uma amizade tão intensa, fraterna, leal e desinteressada
entre duas pessoas com temperamentos tão
diferentes. Creio que o elo inicial da relação deles foi o ódio a Flores
da Cunha, que a ambos sempre perseguira com tenacidade.
Eis que surge
a notícia dos fatos na frente do Clube Renascença e logo meu pai tratou de
participar, junto com outras pessoas de Lajeado, do resgate do amigo em seu
esconderijo em Taquari e fazer o traslado com segurança para sua residência em
Lajeado, mesmo com considerável risco de vida.
Este fato é para mim um tanto nebuloso, mas lembro perfeitamente da
chegada do Dr. Voltaire, com meu pai, altas horas da noite. Ele estava
absolutamente calmo. Ficou homiziado em
nossa casa por algum tempo, um mês, talvez menos. Havia um número excessivo de pessoas que
sabiam da presença dele em nossa casa, além das continuas imprudências do
foragido, que favoreceriam a descoberta do seu refugio. Meu pai era visado e
perseguido pela Brigada pelas razões apontadas em meu livro e corria um perigo
calculado. Na cidade, surgiu o boato que havia ordens para que os Brigadianos
ou capangas matassem o Dr. Voltaire.
Em certa oportunidade,
minha mãe alertou que soldados da Brigada e “bombachudos”, capangas mal
encarados e evidentes facínoras, rondavam nossa casa ostensivamente e que para
evitar riscos desnecessários para o amigo abrigado e também para cinco crianças
inocentes. seria oportuna a partida do
Dr. Voltaire para outro local. Foi levado por meu pai para a casa de Virgílio
Lopes em Cruzeiro do Sul, com algumas ocorrências cômicas. Três ou quatro dias
depois, meu pai levou-o para a área rural na Demanda, no interior do distrito e
cerca de
A recordação subsequente
é a chegada do Dr. Voltaire, trazido da Demanda por meu pai, à noite, para que
no dia seguinte ele se “entregasse”. Quando fui para a escola de manhã, os dois
já estavam prontos para se apresentarem ao Juiz.
Na sala da prefeitura onde ele se
encontrava recolhido, meu pai o visitava todos os dias. Inúmeras vezes fui
junto. Outros amigos também iam, colaborando em sua segurança e fazendo-lhe
companhia. Nasceu novo boato, o de que um Tenente da Brigada, exímio atirador,
tentaria matá-lo na Prefeitura. Todos sabiam o seu nome e ele era visto com
frequência na cidade.
Sabia-se do risco de vida do
preso. Já nos primeiros dias, solicitou ao meu pai um revolver, uma caixa de
balas e uma corda, para, em caso de incendiarem a Prefeitura, que tinha escada
de madeira, pudesse escapar pela janela. Foi atendido o seu pedido e meu pai
lhe entregou a “encomenda”.
Numa oportunidade, o pai e
eu passávamos na calçada da praça em frente á Prefeitura e ouvimos o grito –
Máaaario – era o Dr. Voltaire o chamando, de camisa branca, nos acenando da
janela da Prefeitura, um alvo perfeito.
Meu pai ficou furioso e
lá fomos. Ao ser admoestado por meu pai,
deu uma gargalhada e disse que ninguém teria a coragem de matá-lo. Ele estava
enganado. Tinha. Era um homem que não
conhecia o medo
No livro do Dr.Amadeu
lemos considerações sobre causas remotas do resultado do júri. Em meu entender,
mais de um acontecimento conduziu a opinião pública de Lajeado para total
simpatia com o réu que seria levado a júri popular.
Inicialmente, as
revoluções de 30 e 32, que relato nas páginas 101 a 108. Em seguida, o assassinato de Orlando Fett,
consequência da revolução e tão bem descrito pelo Dr. Amadeu.
De repente, surge
presa na cidadezinha, aldeia ainda, uma pessoa que tivera a ousadia de
enfrentar uma personalidade ligada à Brigada e ao Governo, não importa quem e
em que situação, nem as razões. Era ao menos um, retribuindo com violência, as
agressões e humilhações da Polícia e da Brigada, que os moradores, após a
revolução de 32, sofreram e tiveram que amargar quase indefesos. Dessas
famílias perseguidas, alguns seriam jurados. Ela era mais uma vítima de
perseguição implacável, um colega de infortúnio e um amigo natural que merecia
todo o apoio. O inimigo do meu inimigo é meu amigo. Meu pai denunciava os fatos
no seu jornal “A Semana”. Acabou preso também.
Tenho lembrança que meu
pai, como procurador do Dr.Voltaire, participou das audiências que antecederam
o júri.
Estes dois fatores
remotos, penso, contribuíram para que o brilhante trabalho dos seus defensores
na ocasião do júri tivessem, como resultado, a absolvição do Dr. Voltaire, para
a grande satisfação de minha família e da comunidade local.
Dr. Voltaire ficou morando, perto da nossa
casa, em Lajeado e advogando. Meio ano depois, desejando mudar-se para a
Capital, procurou meu pai, disse para chamar a minha mãe e convidou-o
formalmente para exercer advocacia
Finalmente, a sua morte
trágica deixou meu pai arrasado e a comunidade desolada, mas sua figura e as
recordações continuaram vivas por muito tempo. Deixou inúmeros amigos.
Receba, Dr. Érico, com
simpatia, a minha contribuição ao conhecimento da vida de seu pai, o meu abraço
e os votos de felicidade para você e seus familiares.
Esta carta está presente na última
página da segunda edição da biografia escrita pelo Dr. Weinmann
Convidado pelo Des. Érico, estive
duas vezes em seu apartamento.
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