quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

A GRANDE BATALHA QUE NÃO HOUVE


O COMBATE DE TAQUARI EM 8 DE MARÇO DE 1840


            Em 1949 mudei de residência de Lajeado para Bom Retiro do Sul - distrito do município de Taquari - por motivos profissionais. Morei lá durante 12 anos. Meu filho primogênito é conterrâneo do David Canabarro, Taquariense nato.
            Por ser sede do município, eu iria pelo menos uma vez por mês à cidade, para atender afazeres burocráticos. Tive contato e fiz muitas amizades, entre eles com José Leite da Costa, Engº Agrônomo, filho do advogado Adroaldo Mesquita da Costa, mais tarde ministro da Justiça do Brasil - e que também morava em Taquari.
            Povo generoso e cordial. Só guardei boas lembranças,
          Em Bom Retiro do Sul, envolvi-me em atividades ligadas às tradições gaúchas. Fui um dos fundadores do CTG Querência da Amizade, em 1957, e seu terceiro patrão. Misturávamos cultura riograndense e revolução farroupilha. Foi o início do meu interesse pela história gaúcha e que nunca mais teve fim.
            Sabedor do combate de Taquari, achei no Google a foto do monumento comemorativo e lembrei que estive há muito tempo no local para conhecer a área dos Caramujos nos arredores da cidade, o Passo de Taquari, a ilha do Passo Velho. Transpondo o rio em direção à General Câmara, indaguei ao barqueiro o sítio exato do final a contenda.


MONUMENTO DO COMBATE EM TAQUARI (GOOGLE)

            Interessado numa relíquia, pedi ao meu amigo José Leite Costa (o Zé), que tentasse obter uma arma encontrada no rescaldo da refrega - uma garrucha ou uma ponteira de lança de cruzeta - e me informasse o preço. Deu em nada.
            Em 1962 fui morar e trabalhar em Encantado e, algum tempo depois, o Zé se apresentou no meu escritório portando um sabre de cavalaria sem bainha, “doado” por um morador vizinho dos caramujos. Não esquecera a minha encomenda. Logo vi que o Zé comprara o sabre e não quis cobrá-lo de mim. Era bem típico dos açorianos de Taquari.
            Examinando o sabre, constatei que a lâmina dele, “Solingen”, era mais grossa e mais pesada do que as demais que eu tinha também da época farrapa (tinha quase o dobro da largura). Deveria ser portada por um homem vigoroso. Os copos do sabre já com folga, demonstraram o tempo de “serviço” da arma e não havia dúvida sobre a sua antiguidade. Pela fonte e pelo aspecto, admiti a sua legitimidade. Vide foto.


            Desejando escrever crônica a respeito da origem do sabre e do combate de Taquari, procurei nos livros históricos que herdei do meu pai, nos que eu havia adquirido e também no Google, material histórico que orientasse a minha crônica. Com surpresa, constatei que quando mencionado o combate, havia apenas frases esparsas e sem valor real. Tentei contato com outros historiadores e recebi sempre a mesma resposta. Não tinham nenhum conhecimento efetivo.
            No Google, vi o nome do historiador taquariense Riograndino da Costa e Silva (primo do Zé) e passei a procurar seu livro – São José do Taquari. Consegui xerox do tema que me interessava.
            O livro reproduz crônicas de Othelo Rosa, publicadas no jornal O Taquaryense a partir da edição de 1° de julho de 1939, que mostrarão o roteiro a ser seguido em resumo por esta crônica.
            Em Taquari e seus arredores, na zona compreendida entre os arroios Pinheiros e do Moinho, no ano de 1840 o governo imperial e os republicanos rio-grandenses mobilizaram os maiores efetivos da guerra que, durante todo o decênio, estiveram face a face (pág. 193).
       Em números globais: as forças legais, sob o comando do Gal. Manoel Jorge Rodrigues, 7.000 homens; as hostes republicanas comandadas pelo Gal. Bento Gonçalves da Silva, 6.000 homens.
           O Império e a novel República jogariam, no lance, cartada perigosa e decisiva. Bento tinha necessidade de resolver logo a parada com os imperiais, que dia após dia aumentavam em número e armamento suas forças e qualquer demora seria fatal.
Manoel Jorge não tinha pressa. O correr do tempo estava ao seu lado.
             Bento, ao lado de David Canabarro, Netto e suas tropas (incluindo Garibaldi, Anita e seus marinheiros a pé), chegou primeiro e escolheu um local favorável às suas armas, com um leve declive à sua frente, a existência de um arroio e um mato fechado que garantia seu flanco esquerdo. Posicionou seus três canhões à frente da infantaria, a cavalaria na retaguarda (apta a manobrar) e se preparou para ser atacado pelos imperiais. Manoel Jorge, prudente e acautelado, se posicionou à pequena distância e, vendo a posição favorável do inimigo, preparou-se também para ser atacado e ficou aguardando. Sua cavalaria, no momento, não estava em sua melhor forma.
            Bento vacila (surpreendido pela inércia de Manoel Jorge), não desfere o golpe e adia o encontro para o dia seguinte. Se sucedem pequenas escaramuças e combates de cavalaria. A noite cai sem batalha. Ao madrugar do dia, uma cerração densíssima envolvia Taquari, que só se dissipou às 10 horas da manhã. Foi então que os farroupilhas, tomados de espanto, verificaram que o inimigo desaparecera. Indescritível o desespero no acampamento farroupilha. A retaguarda dos imperiais ainda estava terminando de atravessar o rio.
            Bento manda carregar e ataca os remanescentes entrincheirados na barranca do rio, sendo que eles estavam sustentados por uma barca a vapor e navios a vela, com seus canhões direcionados aos atacantes. Novamente surpreendido, Bento, em pequenas escaramuças reage e, pelo número de mortos de cada lado - 201 Imperiais e 270 farroupilhas mortos - verifica-se que apenas pequenos grupos se defrontaram. Número irrisório ante a possibilidade evidente de uma carnificina num corpo a corpo generalizado.
          Manoel Jorge, recuando, preservou seu exército de um possível desastre. O desgosto entre os chefes farroupilhas iria prejudicar-lhes grandemente a unidade de ação. Bento, como comandante indeciso, foi responsabilizado e criticado asperamente.
            Bento Gonçalves da Silva perdeu a última oportunidade de um confronto “tudo ou nada”. Jamais se repetiria.
            Bento recuou com seu exército para o sítio de Porto Alegre.  Canabarro e Netto dirigiram-se para suas regiões na campanha.
            A revolução seguiu seu curso natural e até a paz surgir, ceifaria a vida de muitos combatentes.
            Tentativas de paz foram realizadas, mas havia um ponto inegociável pelos dois lados. Os farrapos queriam um acordo entre dois países e o império considerava os farrapos como revolucionários dentro do estado do Rio Grande do Sul. Não seria um país. Não tinha uma constituição, fronteiras definidas e aceitas pelos vizinhos, não era reconhecido pelos demais países, não enviara embaixadores nem os recebera, não convocara eleições entre a população.
          Somente em 1845 os farrapos (de má vontade) aceitaram que seriam todos anistiados. Convocaram 27 oficiais do exército farrapo que, de comum acordo entre eles, aceitariam a paz com os imperiais condicionando que o Império atendesse uma série de condições entre elas a libertação dos escravos que lutaram ao lado dos farrapos. O Império simplesmente ignorou essa cláusula e nenhum farrapo reclamou. Podiam tê-lo feito, mas não libertaram nem seus próprios escravos companheiros de luta.
            A paz foi selada verbalmente e documentada em 28 de fevereiro de 1845 por  declarações formais dos líderes farrapos David Canabarro e Lucas de Oliveira, em nome de José Gomes Vasconcellos Jardim. Consideraram a luta terminada e em 1º de março, por proclamação do Barão de Caxias aos seus comandados, informando que os revoltosos já haviam deposto as armas, aceitaram a anistia e estavam novamente congraçados como súditos de S. M. I. Dom Pedro II.
           Caxias determinou que os Farrapos que se dirigissem ao Ponche Verde para entrega dos escravos e dos armamentos. Netto inclusive.
              Um obelisco em Ponche Verde comemora que naquele local a paz foi assegurada.


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