quinta-feira, 22 de abril de 2021

 

… E O VENTO LEVOU.

 

            Na última segunda feira vi na TV a notícia que a estátua do herói Gal. Robert E. Lee. comandante das forças confederadas na guerra da secessão em 1861/1865 nos EUA fora retirada da praça pública onde estivera por mais de 150 anos na cidade de Atlanta, em virtude de ele ter sido escravista. Foi homenageado, mesmo tendo sido derrotado na contenda, quando os sulistas eram todos proprietários de escravos. Era assim na sua época e uma aberração hoje. Achei injusto o agravo. Cada um deve ser avaliado conforme era usual em sua época. Heróis são para sempre.

            No dia seguinte, reportagem sobre arruaças de afro descendentes em Birmingham, no estado de Alabama lutando por igualdade racial e reação violenta policial.

            Nos dias seguintes assisti pela terceira vez o famoso filme … E O VENTO LEVOU e na sexta feira a notícia do falecimento da artista Olívia de Havilland, com cento e quatro anos, uma das personagens do. filme.

            Fechei os olhos e atrasei os ponteiros do relógio da minha vida por 62 anos, até 1958, quando, em plena primavera do hemisfério norte, eu me encontrava, justamente num hotel na principal avenida de Atlanta, (Geórgia), acompanhado de mais treze brasileiros, dois tradutores e o chefe da delegação do Min. da Agricultura dos EUA,  programa American International Development, Mr. Smith.

            Dez dos brasileiros eram gestores de indústrias de produtos suínos nos três estados meridionais (cinco de origem alemã, cinco de origem italiana e quatro de origem portuguesa e que eram funcionários do Ministério da Agricultura do Brasil).

            No Brasil, fazíamos parte da Associação Brasileira de Criadores de Suínos, mais tarde estadualizada e, por oferta do mesmo ministério americano, fomos convidados, gratuitamente, a visitar a América no Norte, em estudos de aperfeiçoamento sobre a criação de suínos e sua industrialização, agendada pelo Eng. Agrônomo Hélio Miguel de Rose. Foi um pequeno e tímido passo para que o Brasil, com o tempo, se tornasse um grande produtor de suínos e um dos maiores exportadores de carnes do mundo.

            Inicialmente, fomos de Nova York para Washington onde ficamos por três dias visitando monumentos e o cemitério de Arlington. Atendendo convite de um senador do Tennessee, almoçamos no refeitório do Capitólio com ele e depois, em ônibus  especial, se dirigir para Raleigh, capital da Carolina do Norte, para estudos no North Carolina Land Grand College, em aulas diárias durante mais de um mês.

            Professores habilitados nos apresentaram programas de real valor didático para aperfeiçoar os nossos conhecimentos. Suinocultura rentável depende de raça, nutrição e manejo.

            No decorrer das aulas, um professor relatou a existência de uma tabela de valores nutricionais divulgada pela Associação Americana dos Criadores de Suínos Duroc Jersey, com os valores totais necessários aos suínos em cada idade de sua vida. Anotei a informação e num intervalo solicitei-lhe uma cópia, que foi entregue discretamente no dia seguinte. Compreendi que tinha a metade da solução dos problemas alimentares e novamente perguntei se não havia uma tabela de ingredientes passíveis de serem utilizados na nutrição animal. Tinha e em ordem alfabética. Recebi-a no dia seguinte. Dalí em diante, nutrição seria apenas matemática.

            Decorridos os dias de aulas puxadas, nos sugeriram mais 27 dias de visitas no país, a suinocultores, praças de leilão (stockyard), indústrias de rações balanceadas, frigoríficos de suínos e aves, centros de pesquisas, supermercados, transportes etc.

 Verificamos o quanto que ainda estávamos atrasados em relação ao suíno tipo carne, em substituição do suíno tipo banha, que mais cedo ou mais tarde seria também exigido no mercado brasileiro. Fomos diplomados em “Swine Production”.

            Iniciamos as viagens em direção ao sul, diretamente para Atlanta. Mr. Smith era muito acessível e eu falei para ele que vira o filme E o Vento Levou, rodado justamente na Geórgia e no Alabama, nas farmers Twelve Oaks (Doze Carvalhos) e Tara e como passaríamos perto da Twelve Oaks, sugeri que, mediante pequeno desvio, poderíamos visita-la e que era também destino de muitos turistas americanos.

            Podemos dizer o “palácio”, com as colunas frontais e escadas, era de um luxo excessivo e chocava com a miséria do escravo, que no filme era mostrado com simpatia, escondendo a violência e humilhação da realidade do cotidiano.

            Prosseguindo a viagem, visitamos um suinocultor que vendia 100 suínos por mês, utilizando a família e dois operários afrodescendentes. Tinha fábrica de rações mecanizada própria e plantava milho em larga escala com maquinário adequado, silos, água abundante e depósito para tratamento dos efluentes dos chiqueiros com retorno à lavoura.

            Eficiência e mecanização. Ao meio dia, serviu-nos um “barbecue” (churrasco na grelha), com carnes de gado e suíno. Para nosso gosto, excessivamente passado do ponto e com tempero meio esquisito.

            No dia subsequente, fomos para Birmingham (Alabama), De dia, tomamos um ônibus circular, para conferir que os brancos sentavam nos bancos da frente e os negros nos últimos. Á noite renovaram-se as efervescências na rua da população revoltada, dissolvidas mais uma vez com cassetes pela polícia. O povo não reagia, mas dispersava-se para logo se aglomerar de novo. Fui testemunha ocular.

            Martin Luter King estava em plena campanha contra o racismo, que culminaria com seu assassinato.

            À medida que nos dirigíamos para o norte, diminuíram os protestos, até cessarem.

            Nós brasileiros, ficamos chocados com o tratamento humilhante com que os americanos dispensavam aos “coloreds”. Também ficamos revoltados.

            No Brasil, sem dúvida havia ainda discriminação racial, econômica e cultural, mas sem agressividade e humilhações.

            Seguimos viagem para o norte e no caminho, em um fim de semana, estaríamos sem os tradutores e sem o Mr. Smith que, falando com moradores, informou que conduzia brasileiros. Alguns moradores da pequena cidade manifestaram seu interesse em conhecê-los. Marcaram para domingo, às 14 horas, na praça local. Lá, os esperamos sentados. Nisso, surgem dois carros com dois casais em cada um, passando bem devagar e nos olhando com curiosidade. Não pararam, dobraram à esquerda e novamente à esquerda e estacionaram. Eu disse: deve ser eles e vou lá falar com eles. Um parceiro disse: vou contigo e fomos. Perguntei-lhes: You are waiting for brazilian people? - Yes. - We are. Uma mulher disse em voz esganiçada: I don´t  believe it. Nos divertimos a valer com a confusão.

            Apresentei-me: I am Lémpert and my friend Mr. Stapenhorst. Um deles inquiriu-o falando alemão, para surpresa de todos. Sua esposa e mais um deles falavam alemão.

            Deixei os quatro conversando e fui em busca dos demais. Nos dividimos em três grupos: alguns falando em inglês, outros em alemão e os demais em completo silêncio. Em conversas amenas, nos divertimos fazendo comparações entre nossas vidas e as deles. Éramos três brasileiros que se comunicavam em inglês.

            No caminho para Chicago, passamos por Saint Louis, nas margens do rio Mississipi, onde visitamos a maior fábrica de rações para animais do mundo. Era, em si própria, uma cidade.

            A viagem teve efeito singular em nossas mentes, revelando com antecipação o que em breve ocorreria no Brasil. Nem todos assimilaram o mínimo necessário.

            Para mim, pessoalmente, foi um divisor de águas em minha profissão de administrador de empresas de criação e abate de suínos e fábrica de rações balanceadas.

            Dois meses e meio depois, estávamos de volta ao nosso lar, iniciando as reformas na suinocultura, baseados nos ensinamentos aprendidos na América.

 

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