sábado, 11 de julho de 2020

DITADOS POPULARES

            Em 1973, em maio, fui empossado como diretor da unidade do Frigorífico Ideal S/A em Serafina Corrêa e no segundo mês recebi a visita de um jovem de Encantado, filho de um amigo meu, que se dizendo enviado por seu pai, tinha em vista uma operação comercial fora do habitual e pedia uma opinião ou conselho.
            Elogiou com exagero o meu trabalho e minha atuação na empresa onde trabalhei e minha participação na comunidade de Encantado.
            Relatou-me que trabalhava na área de tecelagem em Porto Alegre tinha a preferência em uma operação de venda de parte de maquinaria especial, as agulhas de costura e acessórios. Para a aquisição desse material com venda já acertada, seria necessária a quantia de duzentos mil cruzeiros com pagamento à vista e ressarcimento dentro de 30 ou 40 dias. Não dispunha de capital e procurava um investidor para repartir os resultados.
            Perguntei por que seu pai não viera junto e respondeu que ele estava muito gripado.
            Fiz uma série de perguntas pertinentes, respondidas com objetividade. Logo falei para ele. Investidor nenhum vai entregar essa quantia para você. Sugiro que você divida em quatro cotas e talvez eu me interesse por uma.
            Era a primeira vez que eu falava com ele, mas diz o ditado que “o fruto nunca cai longe do pé”. Concedi a ele o mesmo crédito que eu daria a seu pai.
            Éramos de áreas diferentes, eu entendia de porco, mortadela e nutrição animal e ele de teares. “Cada macaco no seu galho e cada tatu na sua toca.” Talvez desse certo. Eu era bastante afoito em negócios e acostumado a correr riscos. Diziam que eu tinha sorte, mas eu tinha sempre as “barbas de molho” e “não dormia de touca”.
            Ele gostou da ideia, agradeceu e exigi dele uma nota promissória de 50 mil cruzeiros com vencimento dali 40 dias e dei-lhe um cheque nominal do mesmo valor, equivalente a cerca de 15 mil reais hoje.
            Afirmou-me que se não encontrasse outros aplicadores, voltaria à Serafina e me devolveria o cheque. Inspirou-me confiança.
            Deve ter mostrado o meu cheque e angariado em Encantado, facilmente mais três novos parceiros na aventura.
            Transcorrido um mês, visitou-me novamente, eufórico. Ao entrar e fechando a porta do meu escritório, num gesto teatral, tirou um maço de dinheiro de uma sacola e bateu com ele na minha mesa. Têm aqui 78 mil cruzeiros, o seu capital 50 mil e 28 mil a sua parte no lucro da operação. Não conferi e guardei o dinheiro numa gaveta da minha mesa de trabalho. Devolvi a promissória.
            Fiquei surpreso e alerta. Era bom demais para ser verdade, apesar de ter o dinheiro nas minhas mãos.  Contente, eu ainda brinquei com ele: Você tem jeito para negócios e não duvido que um dia você seja Ministro da Indústria e Comércio ou algo equivalente. Deu uma gargalhada.
            Perguntei sobre o seu pai – está bem. Novo alerta. Era o momento de integração entre nós e de glória pela a atuação do filho.
             A seguir, informou-me que tinha outro negócio, similar e com as mesmas pessoas - gente fina - mas o capital necessário era de oitocentos mil cruzeiros e me convidava para ser parceiro novamente.
            Nossa operação tinha mostrado que existia “almoço grátis” e quando a “esmola é demais, até o santo desconfia”. Ele continuou me explicando a nova oportunidade imperdível.
            No meu painel de instrumentos virtual logo se acendeu uma luz vermelha que piscava e em seguida meu cérebro registrou bibi-bibi – perigo – perigo.
           Logo senti o cheiro de vigarice e passei a observar a audácia do pilantra e mesmo, eu não dispunha daquele valor. Toda a minha disponibilidade estava dentro da gaveta.
           Ressalvei o nome do seu pai, que não deveria ter conhecimento da cilada que seu filho me preparara.
             Logo percebi que a primeira operação visava despertar a cobiça, adormecer a cautela e descartar qualquer desconfiança de que a segunda operação só existia na imaginação dele.
              Seria necessário que “o raio caísse por duas vezes no mesmo lugar” e “deste mato não sairia mais nenhum coelho”
           Estelionato puro.
Restava me livrar do importuno e evitar violências. Programei um cheque mate radical. A sala ao lado da minha era ocupada pelo gerente administrativo e eu ouvi rumores de conversa. Era o momento oportuno.
Endureci a face e em voz afirmativa, disse-lhe que a proposta não me interessava e agradeci a preferência. Levantei-me da cadeira e me dirigi para a porta, abrindo-a, acerquei-me dele com mão estendida para o cumprimento de despedida, olhando para a sua fisionomia. Inicialmente espantado, logo decepcionado e depois apavorado. Levantou-se e ao apertar a mão dele, puxei-o ao meu encontro. Enlacei meu braço esquerdo em suas costas e levemente, empurrei-o em direção à porta. Retirou-se e eu passei a atender a pessoa que estava me esperando.
Não disse uma palavra. “O bom cabrito não berra”
“Fora buscar lã e saíra tosquiado". O tema estava encerrado, pensava eu ter “matado a charada” e “cortado o mal pela raiz”, mas não foi bem assim.
“Cada pai tem o filho que o destino lhe reservara”.
“Falar é prata e calar é ouro.” Apenas à Lucy revelei o episódio.
“Em boca fechada não entra mosca”
            Tempos depois, soube que “não tá morto quem peleia” e ele tinha muito mais “corrida” do que eu pudesse ter imaginado. “Quem menos corre, voa”.
            Ele “fez do limão uma limonada”.
            Cerca de três meses depois, num fim de semana eu iria a Lajeado e voltaria no domingo, aproveitei o dia de sábado luminoso para no caminho, jogar tênis com os meus ex-companheiros de Encantado. Já saí de casa fardado e com a raquete. Chegados a Encantado, deixei a Lucy e as filhas na casa de amigos. Dirigi-me para a quadra de tênis. Havia quatro jogando e mais um sentado. Alegria geral e eu, brincando, disse: Eu já estava com saudade de vocês. Deram risadas. Um deles, cutucando outro, com ar de deboche, perguntou se eu também não estava com saudade dos “duzentos”. Novas risadas. Não entendi e perguntei: que duzentos? Aqueles que você emprestou ao “J”. Mas eu não caí na conversa dele, não dei o dinheiro e ainda tive lucro de 28 mil cruzeiros. Mas ele disse para os outros três que você dera e eles entraram com duzentos mil cada um. Nunca mais encontraram o sócio e não recuperaram o “investimento”. Prejuízo total para cada um.  
Notei ares de decepção, quando constataram que eu não tinha “marchado” com duzentos mil.
            Um dos tenistas disse - Não adianta, você é mesmo um “rabudo”. Azar o deles.
Poderiam ter me telefonado. Até hoje não sei o nome deles e nem quero saber.
Joguei três sets, busquei meus familiares e tomei o rumo de Lajeado.
           Nunca mais tive notícias do “J”.

                                           Leandro Lampert
Historiador

Junho de 2020

            

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