OS PRIMEIROS PASSOS EM ENCANTADO
Nos
primeiros dias de dezembro de 1961, numa quinta feira à noite, recebi um
telefonema do meu amigo Walter Mayer, de apelido Dáia, gerente administrativo
do Frigorífico Orlandini de Roca Sales. Eu trabalhava num dos frigoríficos de
Bom Retiro do Sul, na mesma função dele e nas áreas comercial, industrial e
financeira.
Falou-me que fora interpelado por um
conselheiro da Cooperativa dos Suinocultores de Encantado se conhecia alguém
habilitado para assumir a direção comercial daquela empresa imediatamente.
Conheço Leandro Lampert, de Bom Retiro do Sul. - Vamos falar com ele. Dáia, experiente, disse-lhe: antes de falar
com ele, consultem o gerente do Banco do Brasil. Se ele aprová-lo, depois podem
falar com ele. Hoje, ele fez contato comigo, dizendo que o Banco havia aprovado
o meu nome e acertou uma reunião para amanhã em Encantado, na sede da
Cooperativa às 16 horas. Você vai? - Vou, não custa nada falar com eles.
Não conhecia ninguém e fui recebido
pelos diretores e conselheiros que estavam reunidos para me questionar e eu a
eles.
Eu logo vi que a deficiência deles
seria compensada pelos meus conhecimentos no ramo e dinâmica comercial.
Ao anoitecer, nos acertamos que eu
iria assumir o cargo de Diretor Superintendente na segunda feira, dia 10 de
dezembro de 1961.
O Banco do Brasil me aprovara e
concederia crédito desde que eu assumisse com meu aval pessoal o contrato de
abertura de crédito. Não me assustei. Eu já tinha 13 anos de experiência e
sempre tivera sucesso no ramo.
Fiz as minhas exigências e atendi as
deles.
Como eu seria fiador, a área de
obter receitas ficaria nas minhas mãos e os gastos seriam atribuição da atual
tesouraria.
Continuaria com as vendas através de
União Sul Brasileira de Cooperativas e aos excedentes teria liberdade de ação.
A União não vendia carnes congeladas por não ter câmaras frias e a Cosuel já
esgotara sua capacidade de estocagem há três meses. A venda deveria ser
urgente.
Assumi a direção comercial já na
segunda feira e, autorizado pelo Conselho, dei inicio à moratória de trinta
dias para readaptação às finanças. Não pagaríamos qualquer associado por trinta
dias, anotando seus créditos em relação para orçar os pagamentos futuros,
apenas salários, impostos, contribuições sociais e duplicatas vencidas em
bancos. Nunca mais faltou dinheiro.
Vou contar a história dentro da
ética e sigilo profissional.
Já no primeiro dia, recebi uma
visita de um associado: Sou Fulano de Anta Gorda e seu nome é Lamperti? Meu
nome não estava bem certo, mas concordei. Ele me disse: Que bom, basta de
alemani. Fiquei atento às etnias.
Fui no Banco do Brasil conhecer o
gerente. Surpresa boa. Ele tinha sido subgerente do mesmo banco em Lajeado com
o qual mantivera negociações.
Na saída do banco e desejando
comprar um par de chinelos de tiras, vi uma loja de calçados encravada no
prédio da Ford. Fui atendido com gentileza e fiz a escolha. – Vou levar.
Enquanto fazia o pacote perguntou-me: Quem vc é? – Sou o novo diretor da
Cosuel. Sua fisionomia alterou-se com ódio e disse-me: Se eu soubesse que vc
iria trabalhar na Cosuel, preferia não ter vendido os chinelos. - Não seja por
isso, não vou levar os chinelos e saí louco de raiva. Que cidade mais odiosa.
Bem que Ernesto Lavratti, meu amigo há tempo, me falara que moradores da cidade
desprezavam e o comércio odiava a Cosuel. Não acreditei e agora tinha a prova.
Lembrei-me de Theodore Roosevelt
que, ao ser perguntado pelo ministro do exterior como deveria proceder com a
América latina: Na mão direita um porrete e na esquerda uma espiga de milho.
Assim eu trataria os descontentes com a Cosuel.
No primeiro domingo de manhã, já
morando em Encantado, fui à Cosuel dar uma olhada nos arredores. No portão,
olhando para esquerda, vi um cano, certamente esgoto pluvial, que desaguava no
pátio, perto do matadouro de suínos.
Surpreso com o despejo de líquido
fui olhar e era, com toda a certeza, oriundo do hospital ali perto, pois
continha algodão, água com sangue e dois curativos de gaze dobrada com esparadrapos. Inacreditável. Um desaforo.
Segunda feira chamei à minha sala
Armando Reali, alto funcionário na administração e disse-lhe que fosse olhar no
pátio o esgoto no chão, ir ao hospital e falasse que o novo diretor o tinha
mandado para informar uma situação insustentável e que esperava a solução até
sábado próximo.
No domingo seguinte de manhã
verifiquei que a situação era a mesma. Falei ao guarda da portaria que fosse na
caldeira e trouxesse uma acha de lenha roliça e mais outra para servir de
martelo e entupir o cano de esgoto do hospital.
- Não fale nada para ninguém, mas se
alguém perguntar, informe que foi o novo diretor que mandou fazer e assim
ficaria.
Na segunda feira Reali estava à
minha espera. Fora chamado ao hospital porquê o esgoto refluíra e foram obrigados
a chamar um encanador, abrir um comércio de material de construção e fazer um
remendo em pleno domingo. Foram informados ao inquirir o porteiro. Chiaram.
PORRETE.
Fui procurado por operários que
desejavam constituir um time de futebol
que me perguntaram se a Cosuel compraria uma bola e onze camisetas.
Perguntei onde irão jogar – Se a Cosuel pedir, o presidente do Encantado irá
emprestar o campo uma vez por semana. – Vou mandar o Reali lá. Se houver
concordância podem comprar a bola e as camisetas que a Cosuel pagará.
A resposta foi negativa e informei
um dos componentes do time que me informou que no campo de futebol, (a Corsan
não tinha ligação) a água era fornecida gratuitamente pela Cosuel e que no
domingo haveria um jogo-treino com o Fortes e Livres de Muçum.
Domingo antes do meio dia, fui à
Cosuel e mandei ao mesmo porteiro – Vá até o registro da água que vai para o
campo de futebol e o feche. Mais uma vez cale-se, mas se alguém perguntar diga
que fui eu que mandei. PORRETE.
Depois do meio dia, o Reali apareceu
na minha casa, afobado e transmitiu-me que fora procurado pelo pessoal do
futebol e informado que cederiam qualquer dia para os jogadores da Cosuel.
Por favor, retorne e informe que a
Cosuel agradece e que dentro de dez minutos a torneira seria aberta e assim
ficaria para sempre. ESPIGA DE MILHO. Acreditei
que poderia aposentar o porrete pois a comunidade já estava ciente: Ou aceitava
a Cosuel como ela era ou deveria temê-la.
Dias depois, recebi a visita do padre
Alitti. Tinha um pleito a fazer e disse-me que já sabia que a diretoria não
aceitava mais indicações para trabalhar e fora criado um “banco” aos
pretendentes, mas tinha uma situação que ele desejava me falar.
- Mora em Encantado um pai de
família que necessita de emprego e venho pedir a sua atenção e aceitação.
Contou-me o problema.
- Por favor, me dê o nome dele e
anotei na minha agenda. Amanhã de manhã, sexta feira, vou falar com o diretor
industrial e ele abrirá certamente uma vaga para o seu candidato. Diga para ele
ser discreto e se apresentar de tarde no RH com sua caderneta de trabalho.
Começará a trabalhar segunda feira em local que será reservado e receberá o
salário mínimo até o fim do mês. Será enquadrado em seguida no salário do seu
grupo. O senhor também, por favor, evite mencionar o fato.
Respirou aliviado.
- Tem mais, padre. A Cosuel faz
parte da comunidade e deseja participar voluntariamente da vida da Igreja nas
necessidades pecuniárias eventuais. Quando for o caso o senhor me apresente o
orçamento e conversaremos qual será a nossa participação. Teremos um diálogo
franco como o de hoje.
Meses depois, tivemos outra conversa e
cobrimos todo o orçamento. Morei em Encantado durante onze anos e duas ou três
vezes por ano, repetimos nosso contato com igual resultado.
Lentamente fui aceito pela comunidade.
Foram anos profícuos até que eu transferi residência para Serafina Corrêa que
foi o maior acerto profissional e econômico da minha vida. Eu estava no máximo
da minha capacidade profissional e me julgava pouco remunerado. Era hora de
tentar vida nova.
Eu já estava apalavrado, em sigilo,
com o Frigorífico Ideal desde dezembro que eu seria eleito diretor da unidade
de Serafina Corrêa no dia primeiro de maio, me afastando da Cosuel em 31 de
março de 1973.
Em março consegui ser desobrigado do
aval no Banco do Brasil.
Fiz parte da diretoria que: Criou
a indústria de laticínios nos subúrbios de Arroio do Meio;
Incorporou 12 cooperativas associadas
insolventes com 23 lojas, dois moinhos de trigo, duas cantinas de vinho, erva
mate e laticínios em Xarqueada (Putinga).
Acionou a fábrica de rações
balanceadas.
Iniciou a venda de carnes de suíno
congeladas.
Construiu a sede social com
supermercado-lojas e auditório.
Construção e instalação do suprimento
(atacado tipo Macro)
Única cooperativa entre os cinco
primeiros frigoríficos brasileiros a exportar carcaças congeladas de suínos para a
Polônia e Tchecoslováquia.
Única exportadora de cortes suínos
para o porto livre de Hamburgo.
Exportou 200 toneladas de óleo de
tungue para os EUA.
Escapou indene com a “quebra” de duas
grandes cooperativas de consumo de Porto Alegre e da União Sul Brasileira de
Cooperativas, por ter “farejado” antecipadamente seus desenlaces, suspendendo o
fornecimento de mercadorias.
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