quinta-feira, 22 de abril de 2021

 OS PRIMEIROS PASSOS EM ENCANTADO

 

            Nos primeiros dias de dezembro de 1961, numa quinta feira à noite, recebi um telefonema do meu amigo Walter Mayer, de apelido Dáia, gerente administrativo do Frigorífico Orlandini de Roca Sales. Eu trabalhava num dos frigoríficos de Bom Retiro do Sul, na mesma função dele e nas áreas comercial, industrial e financeira.

            Falou-me que fora interpelado por um conselheiro da Cooperativa dos Suinocultores de Encantado se conhecia alguém habilitado para assumir a direção comercial daquela empresa imediatamente. Conheço Leandro Lampert, de Bom Retiro do Sul. - Vamos falar com ele.  Dáia, experiente, disse-lhe: antes de falar com ele, consultem o gerente do Banco do Brasil. Se ele aprová-lo, depois podem falar com ele. Hoje, ele fez contato comigo, dizendo que o Banco havia aprovado o meu nome e acertou uma reunião para amanhã em Encantado, na sede da Cooperativa às 16 horas. Você vai? - Vou, não custa nada falar com eles.

            Não conhecia ninguém e fui recebido pelos diretores e conselheiros que estavam reunidos para me questionar e eu a eles.

Eu logo vi que a deficiência deles seria compensada pelos meus conhecimentos no ramo e dinâmica comercial.

            Ao anoitecer, nos acertamos que eu iria assumir o cargo de Diretor Superintendente na segunda feira, dia 10 de dezembro de 1961.

            O Banco do Brasil me aprovara e concederia crédito desde que eu assumisse com meu aval pessoal o contrato de abertura de crédito. Não me assustei. Eu já tinha 13 anos de experiência e sempre tivera sucesso no ramo.

            Fiz as minhas exigências e atendi as deles.

            Como eu seria fiador, a área de obter receitas ficaria nas minhas mãos e os gastos seriam atribuição da atual tesouraria.

            Continuaria com as vendas através de União Sul Brasileira de Cooperativas e aos excedentes teria liberdade de ação. A União não vendia carnes congeladas por não ter câmaras frias e a Cosuel já esgotara sua capacidade de estocagem há três meses. A venda deveria ser urgente.

            Assumi a direção comercial já na segunda feira e, autorizado pelo Conselho, dei inicio à moratória de trinta dias para readaptação às finanças. Não pagaríamos qualquer associado por trinta dias, anotando seus créditos em relação para orçar os pagamentos futuros, apenas salários, impostos, contribuições sociais e duplicatas vencidas em bancos. Nunca mais faltou dinheiro.

            Vou contar a história dentro da ética e sigilo profissional.

            Já no primeiro dia, recebi uma visita de um associado: Sou Fulano de Anta Gorda e seu nome é Lamperti? Meu nome não estava bem certo, mas concordei. Ele me disse: Que bom, basta de alemani. Fiquei atento às etnias.

            Fui no Banco do Brasil conhecer o gerente. Surpresa boa. Ele tinha sido subgerente do mesmo banco em Lajeado com o qual mantivera negociações.

            Na saída do banco e desejando comprar um par de chinelos de tiras, vi uma loja de calçados encravada no prédio da Ford. Fui atendido com gentileza e fiz a escolha. – Vou levar. Enquanto fazia o pacote perguntou-me: Quem vc é? – Sou o novo diretor da Cosuel. Sua fisionomia alterou-se com ódio e disse-me: Se eu soubesse que vc iria trabalhar na Cosuel, preferia não ter vendido os chinelos. - Não seja por isso, não vou levar os chinelos e saí louco de raiva. Que cidade mais odiosa. Bem que Ernesto Lavratti, meu amigo há tempo, me falara que moradores da cidade desprezavam e o comércio odiava a Cosuel. Não acreditei e agora tinha a prova.

            Lembrei-me de Theodore Roosevelt que, ao ser perguntado pelo ministro do exterior como deveria proceder com a América latina: Na mão direita um porrete e na esquerda uma espiga de milho. Assim eu trataria os descontentes com a Cosuel.

            No primeiro domingo de manhã, já morando em Encantado, fui à Cosuel dar uma olhada nos arredores. No portão, olhando para esquerda, vi um cano, certamente esgoto pluvial, que desaguava no pátio, perto do matadouro de suínos.

            Surpreso com o despejo de líquido fui olhar e era, com toda a certeza, oriundo do hospital ali perto, pois continha algodão, água com sangue e dois curativos de gaze dobrada com  esparadrapos. Inacreditável. Um desaforo.

            Segunda feira chamei à minha sala Armando Reali, alto funcionário na administração e disse-lhe que fosse olhar no pátio o esgoto no chão, ir ao hospital e falasse que o novo diretor o tinha mandado para informar uma situação insustentável e que esperava a solução até sábado próximo.

            No domingo seguinte de manhã verifiquei que a situação era a mesma. Falei ao guarda da portaria que fosse na caldeira e trouxesse uma acha de lenha roliça e mais outra para servir de martelo e entupir o cano de esgoto do hospital.

            - Não fale nada para ninguém, mas se alguém perguntar, informe que foi o novo diretor que mandou fazer e assim ficaria.

            Na segunda feira Reali estava à minha espera. Fora chamado ao hospital porquê o esgoto refluíra e foram obrigados a chamar um encanador, abrir um comércio de material de construção e fazer um remendo em pleno domingo. Foram informados ao inquirir o porteiro. Chiaram. PORRETE.

            Fui procurado por operários que desejavam constituir um time de futebol  que me perguntaram se a Cosuel compraria uma bola e onze camisetas. Perguntei onde irão jogar – Se a Cosuel pedir, o presidente do Encantado irá emprestar o campo uma vez por semana. – Vou mandar o Reali lá. Se houver concordância podem comprar a bola e as camisetas que a Cosuel pagará.

            A resposta foi negativa e informei um dos componentes do time que me informou que no campo de futebol, (a Corsan não tinha ligação) a água era fornecida gratuitamente pela Cosuel e que no domingo haveria um jogo-treino com o Fortes e Livres de Muçum.

            Domingo antes do meio dia, fui à Cosuel e mandei ao mesmo porteiro – Vá até o registro da água que vai para o campo de futebol e o feche. Mais uma vez cale-se, mas se alguém perguntar diga que fui eu que mandei. PORRETE.

            Depois do meio dia, o Reali apareceu na minha casa, afobado e transmitiu-me que fora procurado pelo pessoal do futebol e informado que cederiam qualquer dia para os jogadores da Cosuel.

            Por favor, retorne e informe que a Cosuel agradece e que dentro de dez minutos a torneira seria aberta e assim ficaria para sempre. ESPIGA DE MILHO.      Acreditei que poderia aposentar o porrete pois a comunidade já estava ciente: Ou aceitava a Cosuel como ela era ou deveria temê-la.

Dias depois, recebi a visita do padre Alitti. Tinha um pleito a fazer e disse-me que já sabia que a diretoria não aceitava mais indicações para trabalhar e fora criado um “banco” aos pretendentes, mas tinha uma situação que ele desejava me falar.

            - Mora em Encantado um pai de família que necessita de emprego e venho pedir a sua atenção e aceitação. Contou-me o problema.

            - Por favor, me dê o nome dele e anotei na minha agenda. Amanhã de manhã, sexta feira, vou falar com o diretor industrial e ele abrirá certamente uma vaga para o seu candidato. Diga para ele ser discreto e se apresentar de tarde no RH com sua caderneta de trabalho. Começará a trabalhar segunda feira em local que será reservado e receberá o salário mínimo até o fim do mês. Será enquadrado em seguida no salário do seu grupo. O senhor também, por favor, evite mencionar o fato.

            Respirou aliviado.

            - Tem mais, padre. A Cosuel faz parte da comunidade e deseja participar voluntariamente da vida da Igreja nas necessidades pecuniárias eventuais. Quando for o caso o senhor me apresente o orçamento e conversaremos qual será a nossa participação. Teremos um diálogo franco como o de hoje.

Meses depois, tivemos outra conversa e cobrimos todo o orçamento. Morei em Encantado durante onze anos e duas ou três vezes por ano, repetimos nosso contato com igual resultado.

Lentamente fui aceito pela comunidade. Foram anos profícuos até que eu transferi residência para Serafina Corrêa que foi o maior acerto profissional e econômico da minha vida. Eu estava no máximo da minha capacidade profissional e me julgava pouco remunerado. Era hora de tentar vida nova.

Eu já estava apalavrado, em sigilo, com o Frigorífico Ideal desde dezembro que eu seria eleito diretor da unidade de Serafina Corrêa no dia primeiro de maio, me afastando da Cosuel em 31 de março de 1973.

Em março consegui ser desobrigado do aval no Banco do Brasil.

Fiz parte da diretoria que:                                                                                                Criou a indústria de laticínios nos subúrbios de Arroio do Meio;

Incorporou 12 cooperativas associadas insolventes com 23 lojas, dois moinhos de trigo, duas cantinas de vinho, erva mate e laticínios em Xarqueada (Putinga).

Acionou a fábrica de rações balanceadas.

Iniciou a venda de carnes de suíno congeladas.

Construiu a sede social com supermercado-lojas e auditório.

Construção e instalação do suprimento (atacado tipo Macro)

Única cooperativa entre os cinco primeiros frigoríficos brasileiros a exportar      carcaças congeladas de suínos para a Polônia e Tchecoslováquia.

Única exportadora de cortes suínos para o porto livre de Hamburgo.

Exportou 200 toneladas de óleo de tungue para os EUA.

Escapou indene com a “quebra” de duas grandes cooperativas de consumo de Porto Alegre e da União Sul Brasileira de Cooperativas, por ter “farejado” antecipadamente seus desenlaces, suspendendo o fornecimento de mercadorias.

No dia 2 de abril de 1973 entreguei meu pedido de demissão, recebi meus haveres e assinei ampla e irrestrita quitação

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