O TÚNEL
DE CONGELAMENTO
Corria
o ano de 1976 e em Serafina Corrêa estávamos em plenos trabalhos de construção
do novo matadouro de aves, anexo ao já existente matadouro para 800 suínos por
dia e salsicharia.
Projetava-se
uma indústria para abater 144.000 frangos em três turnos diários.
Aquisição
de terrenos, plantas de construção, maquinaria e energia elétrica necessária,
água, tratamento dos efluentes por gravidade, galinheiros para o plantel de
poedeiras, ampliação da fábrica de rações balanceadas, mutuários para construir
os galpões destinados a alojar os pintos, incubatório, transportes, logística,
operariado e tudo mais necessário para o estabelecimento de uma nova indústria.
O
Frigorífico Ideal dispunha de equipe administrativa capacitada e capital para
ampliar o ramo de atividade.
Havia
um impasse técnico. Na sequência da produção com três turnos diários a
sequência lógica das atividades teria momentos de duplicidade quando os
carrinhos a entrar no túnel onde as aves seriam congeladas coincidia com a
saída dos carrinhos que portavam as aves já congeladas. Problema dos técnicos
do fornecedor da maquinaria de frio e sem solução no momento.
Um
dia, um engenheiro da fábrica de equipamentos de frio nos procurou e deu uma informação
preocupante: Não viabilizaram solução, mas tinham conhecimento que uma nova
indústria em Chapecó (SC) e que estaria ainda em obras mais adiantadas que as
nossas, seus dirigentes encontraram a solução e mantinham segredo absoluto.
Era
um desafio e o desafio, para mim, era um convite ao meu envolvimento.
Não
falei nada para ninguém e decidi que no dia seguinte, alta madrugada, iria a
Chapecó buscar uma solução.
Premeditado,
pois me apresentaria como um outro indivíduo, viajei de terno, camisa de
colarinho e sem gravata.
Residia
na cidade, um vizinho de muitos anos na praia de Xangri-Lá e que era alto
funcionário da Secretaria do Oeste, entidade pública estadual em Chapecó, meu
amigo leal de muitos anos. Poderia ser um dos caminhos para quebrar o segredo
do túnel.
Relatei
ao Milton Lunardi meu objetivo, mas ele foi informando do segredo existente.
Pedi ao Milton: Vamos
no teu carro, porquê o meu tem placa de Serafina Corrêa.
Na
viagem, imaginara um possível diálogo que o Milton manteria com o gerente da
construção do matadouro. Ele representaria um teatrinho que teria boas
possibilidades e o transmiti para o meu amigo. Aceitou participar.
Fomos
ao matadouro em construção e ao apresentar-me ao gerente, interpretou o meu
script com propriedade: É o meu amigo Dr. Ricardo Mascarenhas da Rosa, advogado
tributarista e trabalha em Porto Alegre numa empresa de auditoria é meu vizinho
na praia de Xangri-Lá por mais de quinze anos. Está de passagem por Chapecó,
manifestou curiosidade em conhecer um matadouro avícola e eu o trouxe para
tentar uma visita rápida, se der. Vou ter de sair agora e deixar meu amigo.
Falou para mim: dentro de vinte minutos vou apanhá-lo no portão da fábrica e
foi embora.
O
gerente livrara-se de negar a visita ao Milton não viu problemas em permitir
que um leigo almofadinha fizesse uma visita rápida.
Apresentou-me
um funcionário que me acompanharia com o máximo de velocidade e deve ter feito
recomendação de não explicar nada.
O
cicerone mudo tomou a frente e mostrou-me a recepção das aves, uma enorme sala
e logo depois outra ainda maior. Dirigiu-se a uma porta aberta e pela grossura,
logo vi que entraríamos no setor de congelamento. Era a antecâmara, logo a
seguir e pela parafernália de aparelhos, era o túnel de congelamento e que
tinha outra porta de saída e a solução do problema de congestionamento. Outra
antecâmara, câmaras de estocagem de congelados e plataforma de embarque do
produto pronto.
Agradeci e me dirigi à saída da fábrica
e o Milton logo encostou o carro:
-
E aí, como foi?
- Bingo!
-Bingo?
- Biiiiingo.
- Me conte.
Relatei a descoberta
do que me levara à Chapecó ele logo comentou:
- Um baita problema e
uma solução simples. Não dá para acreditar.
Falei: vou voltar
hoje ainda para Serafina. Vamos manter segredo para eventualmente não te
prejudicar. Não vou ficar em hotel, deixando rastro de minha presença em Chapecó,
assim afastando qualquer suspeita do envolvimento do Milton.
Já em Serafina,
telefonei ao engenheiro da montagem das instalações de frio e perguntei se
poderia me visitar novamente no dia seguinte. Adiantei: tenho novidades.
Relatei a solução,
omiti a forma que eu a teria obtido e o autorizei a ser o descobridor, omitindo
para sempre o meu nome que poderia ser ligado ao meu do amigo.
Ao saber, teve a
mesma reação do Milton.
Nova planta com
redistribuição das paredes, logo recebida pelos demais diretores do Ideal sem
qualquer comentário sobre a porta dupla no túnel. O fluxo parecia e era
natural.
Engenheiros da
montadora sugeriram e apresentaram um aperfeiçoamento para a descarga do túnel,
que melhoraria significativamente a operacionalidade. Logo aceito.
Inaugurada a fábrica,
fomos em busca de importadores, inicialmente os países árabes Um representante
religioso, a nosso pedido e antes do início das obras determinara a maneira de
abater a ave, que deveria morrer sem sofrimento e com a cabeça voltada para
Meca. (ritual islâmico – Halal). Ao mesmo tempo, entramos num grupo exportador
para fazer exportações conjuntas.
Os resultados logo
apareceram e se consolidaram.
Alguns anos depois,
em razão de outros interesses, nos afastamos e fomos residir e trabalhar em
Porto Alegre.
O novo diretor e ex
gerente administrativo que nos sucedeu, competente, juntamente com a equipe
continuaram o que tínhamos iniciado.
Anos depois, o
frigorífico de Serafina Corrêa, foi incorporado pela BRF (Brazilian Food). Foi
um dos três primeiros frigoríficos de aves a exportar para a China. Dois do
Mato Grosso e o de Serafina Corrêa. Com o tempo outros frigoríficos também se
credenciaram, abrindo novos horizontes para o comércio exterior do Brasil.
Decorrido meio
século, a participação do Milton pode ser tornada pública sem maiores consequências.
Eu havia enviado a
ele um rascunho desta crônica, conferiu, não lembrando os detalhes e autorizou
sua divulgação, entretanto escreveu: cometemos um pecado venial. Talvez, mas o ardil
que utilizamos não trouxe prejuízo para ninguém.
O matadouro, hoje
ampliou sua capacidade para 180.000 aves por dia, é o esteio econômico do
município, com mais de dois mil funcionários e criador de divisas para o país.
Leandro Lampert
Janeiro de 2020
A VIDA É A SOMA DAS
AVENTURAS QUE PARTICIPAMOS
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