sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Os Ruschel - 02

           IMIGRAÇÃO ALEMÃ AO BRASIL - II
Egídio Weissheimer, contador e pesquisador
1. Razões   políticas,  econômicas   e   sociais   que determinaram   a   vinda  de soldados e colonos ao Brasil.
2. As dificuldades enfrentadas pelos imigrantes.
3. Regiões   colonizadas   e   principais    cidades fundadas  pelos   imigrantes alemães no RS.
1. RAZÕES POLITICAS, ECONÔMICAS E SOCIAIS QUE DETERMINARAM A VINDA DE SOLDADOS E COLONOS AO BRASIL.
Para entendermos o processo imigratório de alemães para o Brasil é necessário analisar as condições sócio-econômicas reinantes na Alemanha e no Brasil.
Não só a Alemanha, mas toda a Europa respirava aliviada com o fim do flagelo napoleônico. Embora a guerra tivesse terminada em 1815 com a derrota de Napoleão na batalha de Waterloo, isto no entanto em nada mudou as péssimas condições que a Alemanha passava tanto nas cidades como no campo.
No campo reinava o minifúndio. Sucessivas divisões hereditárias haviam tornado as propriedades em frações de terras muito reduzidas. Pela contínua exploração as terras tornaram-se pouco produtivas. Subsistia ainda a estrutura de trabalho baseada no regime feudal. Mas de nada resolvia o abandono do campo pelos camponeses pois estes não encontravam emprego nas cidades. A indústria manufatureira havia criado novas profissões, para as quais os camponeses não tinham habilitação, pois eram na maioria ex servos desqualificados.
Nas cidades a situação não era diferente. A Revolução Industrial iniciada na Inglaterra no século XVIII provocou profundas alterações na estrutura sócio econômica. A industrialização trouxe efeitos negativos aos artesãos. Até o advento da máquina, alfaiates, tecelões, ferreiros, carpinteiros, e outros profissionais tinham seu trabalho valorizado. No momento em que uma única máquina passou a produzir o que várias dezenas de pessoas faziam, a competição levou-os à ruína. A máquina produzia mais e melhor. Passaram assim à condição de simples operários, obrigados a trabalhar muitas horas por dia por salário aviltante.
A vacinação em massa da população determinada por Napoleão acelerou o crescimento populacional. Não havia empregos para ocupar tanta gente. O mercado de trabalho não se ampliava na mesma proporção do crescimento populacional.
Para os agricultores e artesãos restava apenas uma saída: a emigração.
A carreira militar durante séculos foi uma saída para empregar os filhos que não encontravam emprego no campo nem na cidade. O serviço militar no entanto era obrigatório. Sua duração era determinada em função da situação política reinante. Em períodos de guerra o serviço militar estendia-se até a assinatura da paz. Isto gerava descontentamento. Para fugir do serviço militar a única saída era a deserção para reinos ou ducados próximos. Os que cometiam tal transgressão eram expatriados. Para eles restava também uma única saída: a emigração.
Outro fator de descontentamento foi o que podemos chamar de "a sanção da igreja". O clero francês até a revolução de 1789 compunha o chamado "Primeiro Estado". Estava assim acima da própria Nobreza que ocupava o "Segundo Estado". Os membros do alto clero, que saiam das hostes aristocratas, possuíam privilégios como receber altas pensões do tesouro, isenção de impostos, etc.
Enquanto isso o sacerdote que ministrava os sacramentos nas aldeias, que lidava com os pobres e oprimidos, para sobreviver era obrigado a cobrar pelos serviços prestados. Na Alemanha um casamento não saía por menos de R$ 130,00. Para a realização das núpcias o pagamento era efetuado antecipadamente. Se o casal não possuísse tal quantia, ocorria em muitos casos o concubinato o que era extremamente condenado pela sociedade. Os concubinos discriminados não encontravam emprego. Se possuíssem algum comércio, os fregueses desapareciam. Para estes também restava uma única saída: a emigração.
Foram estes os fatores que determinaram a emigração de alemães para o Brasil.
E o que acontecia no Brasil. No dia 7 de Setembro de 1822, às margens do riacho Ipiranga em São Paulo, D. Pedro I havia proclamado a Independência do país. Em 1808 a Família Real Portuguesa havia fugido para o Brasil, a bordo de 14 navios ingleses, para escapar da invasão das tropas napoleônicas. Com a derrota de Napoleão em 18.6.1815, na Batalha de Waterloo, nada mais impedia o regresso de D. João VI a Portugal, o que se deu em 24.4.1821. Com o retorno da família real, entenderam as autoridades portuguesas que o Brasil deveria retornar à condição de simples colônia, fato que deixara de ser desde que fora incorporado ao Reino Unido de Portugal e Algarve. O então príncipe D. Pedro deveria retornar imediatamente à Portugal para aprimorar a sua educação, pois era o sucessor natural do seu pai no trono de Portugal.
A proclamação da independência encontrou oposição não só em Portugal como dentro do nosso próprio país. As autoridades provinciais eram portuguesas e mantinham-se fieis à Coroa Portuguesa. As tropas portuguesas aqui aquarteladas tiveram que ser expulsas em 1823. Novo exército teve que ser formado para garantir militarmente a nossa independência, pois em Lisboa grandes aparatos de forças militares estavam sendo preparados para invadir o Brasil. Mas não havia soldados suficientemente preparados no país. Para ocupar as cerca de 4.000 vagas abertas nos Batalhões de Estrangeiros, apenas 200 soldados rasos haviam se apresentado. Era necessário, portanto, trazê-los do exterior.
Além de soldados necessitava o país também de colonos que viessem a instalar no Sul, onde a questão militar quanto à soberania sobre a Província Cisplatina havia gerado diversos conflitos com a Argentina. Por recomendação da Imperatriz D. Leopoldina, arquiduquesa da Áustria, filha de Imperador Francisco I, com quem D. Pedro se casara em 13.5.1817, decidiu-se trazer não só soldados, mas também colonos da Alemanha. Lá havia milhares de soldados desempregados desde o fim das guerras contra a França.
A difícil missão de angariar colonos e contratar soldados alemães para os Batalhões de Estrangeiros do Brasil, coube ao Major Johann Anton von Schaeffer, que havia chegado ao Brasil em 1814 e conseguido granjear a amizade de D. Leopoldina, pelo interesse de ambos nas ciências naturais.
De posse de uma procuração que o nomeava de "Agente de afazeres políticos do Brasil", Schaeffer encontrou inicialmente grandes dificuldades em contratar soldados na Alemanha. A exportação de soldados era proibida, desde o Congresso de Viena em 1815, pois as grandes potências europeias (Prússia, Inglaterra, Áustria e Rússia) não permitiriam o surgimento de um outro "Napoleão" no mundo, e, D. Pedro I, com a independência do Brasil foi considerado um usurpador do poder, um rebelde que traíra o pai.
Enquanto que em alguns Estados alemães havia a proibição, em outros existia o direito dos cidadãos à emigração, principalmente nos Estados da atual Renânia onde, pela proximidade com a França, a destruição provocada pela guerra havia sido maior e onde mais se fizeram sentir os efeitos do fim do feudalismo. Cerca de 50% dos imigrantes são provenientes desta região, mas precisamente do "Hunsrück" quadrilátero compreendido entre os rios Reno, Mosela, Nahe e Saar. Os camponeses que agora podiam abandonar o campo, não encontravam trabalho nas cidades também já repletas de artesãos desempregados, pois as indústrias estavam trocando a mão de obra humana pelas máquinas que produziam mais e melhor.
Os minifúndios criados pelo direito hereditário, aliado às terras exauridas por sua contínua exploração foram, como já vimos, fatores que determinaram a expulsão dos camponeses que, por não encontrarem ocupação nas cidades, tinham na emigração a única saída.
Com a oferta pelo Governo brasileiro de terras (cerca de 150 Morgen = 77 hectares), além de ferramentas, gado, sementes, auxílio financeiro nos 2 primeiros anos e isenção de impostos nos primeiros 10 anos, a missão de Schaeffer foi grandemente facilitada.
Para não chamar a atenção das autoridades Schaeffer embarcava soldados disfarçados e imiscuídos entre famílias de colonos. Para angariar os emigrantes Schaeffer havia nomeado diversos subagentes na Alemanha que se encarregavam da documentação e do transporte dos colonos das suas localidades até o porto de embarque, que no início foi o de Hamburgo enquanto Schaeffer se ocupava na contratação das embarcações, veleiros (galeras) de 3 mastros. Da Renânia até Hamburgo viagem, feita em diligências puxadas à tração animal, demorava cerca de 4 semanas. Em Hamburgo eram os emigrantes submetidos a quarentena e ao exame da documentação, entre eles o "certificado de cidadania brasileira", com renuncia expressa da cidadania alemã, fornecido por Schaeffer. Não queriam as autoridades alemães que emigrantes arrependidos voltassem para sua terra natal.
O embarque dava-se quando o navio estava pronto, ou seja, devidamente adequado para o transporte de pessoas. Os veleiros construídos para o transporte de mercadorias recebiam beliches instalados na entrecoberta da embarcação para acomodar os passageiros. O início da viagem significava a despedida definitiva da família e dos amigos, mas significava também o abandono da uma pátria com instabilidade institucional, democracia precária, explosão demográfica, recessão econômica, terras exauridas e improdutivas, e que para os emigrantes significava a fuga do desemprego, da fome, da insegurança, da falta de perspectivas e do desespero.
2. DIFICULDADES ENFRENTADAS PELOS IMIGRANTES.
O início da viagem também significava o princípio de uma aventura: a viagem pelo Atlântico, que dependendo das condições a viagem pelo Atlântico levava de 90 a 120 dias. Os suíços que haviam chegado ao Brasil em 1819, oriundos de Freiburg e que aqui se instalaram em Nova Friburgo, tiveram uma viagem desastrosa. Por falta de organização aguardaram por 2 meses o embarque no porto da Holanda. Mal instalados ali mesmo enterraram 43 emigrantes. Os 2.018 montanheses arrebanhados por campos e aldeias atravessaram o Atlântico espremidos em 7 barcos. Um dos barcos, o Urânia, em que embarcaram 437 passageiros, devido a uma epidemia, marcou sua rota marítima com um rastro de 107 corpos. Mais de 1 cadáver por dia. Um quarto dos passageiros lançados do tombadilho. No Rio de Janeiro outra mortandade em decorrência de febres tropicais. Ao todo, de uma Friburgo à outra, a velha na Suíça e a nova no Rio, somaram-se 389 baixas. Dos 2.018 colonos que saíram chegaram apenas 1.631, índice de mortandade parecido com o dos navios negreiros!
Com o ingresso de Major Schaeffer no processo imigratório isto não haveria de acontecer. Homem extremamente diligente organizou com todo o cuidado os embarques. Em cada uma das 27 expedições que organizou de 1824 a 1829 havia um "comandante do transporte" ou "chefe da expedição", que zelavam pela disciplina, pela higiene bordo bem como dos direitos e deveres dos passageiros. A alimentação não era descurada. Os comandantes convidavam passageiros para os seus camarotes para comprovar que a alimentação servida aos tripulantes era a mesma que era servida aos passageiros. Em cada navio havia um médico cirurgião, farmacêutico e enfermeiros para cuidar da saúde bem como da higiene para evitar a erupção de epidemias à bordo. Evidentemente que ocorreram mortes nas viagens, mas estas sempre foram decorrentes de causas diversas, e não devidos à má alimentação ou falta de higiene da embarcação ou dos passageiros.
Embora mais seguras quanto à moléstias, as viagens não deixavam de representar um grande temor para os passageiros. Vamos resumir apenas o que aconteceu com 4 das 27 embarcações que chegaram ao Rio de Janeiro de 1824 a 1829.
O lº veleiro, o Argus saiu de Hamburgo 27.7.1823 e desde o início foi assolado por fortes tempestades que sopravam para o Oeste. Depois de perder o mastro central atracou no porto holandês de Texel. Durante as reformas cerca de 26 passageiros fugiram com medo de prosseguir a viagem. Em 10 de setembro reiniciou a viagem que não foi mais feliz que a primeira. Nova tempestade os obrigou a arribar na Ilha de Wight, ainda na Holanda. Depois de 15 dias, inicia a terceira partida, mas um forte furacão obriga a embarcação a atracar no Porto de Biscaia na Espanha e mais tarde nas costas da África, onde após muitas delongas conseguiu fazer um ancoradouro seguro na Ilha de Tenerife, de onde partiu no dia 8 de Novembro para chegar no dia 7 de Janeiro de 1824 ao Rio de Janeiro, trazendo 284 pessoas, sendo 134 colonos e 150 soldados. Entre os passageiros encontrava-se o pastor Friedrich Oswald Sauerbronn, o primeiro pastor evangélico do Brasil que se radicou em Nova Friburgo cuja esposa faleceu durante a viagem em virtude de um parto. No Argus também viajou Karl Niethammer o primeiro boticário da Colônia Alemã de São Leopoldo.
Outro veleiro que passou por peripécias foi o Germania que trouxe a 4º leva de imigrantes. Capitaneado por Hans Voss e tendo como "comandante do transporte" o Ten. Ferdinand von Kiesewetter. Partiu em 9.5.1824 de Hamburgo até o porto de Glückstadt, no Rio Elba, de onde zarpou em 3.6.1824. Chegou ao Rio de Janeiro no dia 14.9.1824 trazendo 401 passageiros sendo 277 soldados e 124 colonos. A bordo viajaram o pastor Johann Georg Ehlers, Karl von Ende e Johann Daniel Hillebrand. Ehlers seria, o primeiro pastor evangélico de São Leopoldo e que iniciou os registros eclesiásticos ainda à bordo do Germania; Karl von Ende o primeiro médico e Hillebrand também médico e depois o primeiro administrador da Colônia Alemã de São Leopoldo. A viagem deste veleiro foi marcada por rebeliões e desordens. O navio além de 124 colonos trazia também 277 soldados, entre eles um pequeno contingente de ex prisioneiros saídos das casas de reclusão de Hamburgo. Ainda atracado em Glückstadt no Elba um recruta tentou incendiar a embarcação. Durante uma tempestade houve rebelião a bordo. Efetuadas as investigações por uma Comissão foram responsabilizados 8 passageiros, todos ex prisioneiros das prisões de Hamburgo que foram julgados e fuzilados. O Pastor Ehlers e o médico Hillebrand faziam parte da Comissão.
O veleiro Cäcilia também teve uma viagem sinistra. Depois de passar por terrível tempestade em que perdeu todos os seus mastros, foi abandonado pelo Capitão por considerar a embarcação perdida. Ficou vagando ao "Deus dará" pelo Canal da Mancha até ser encontrado por um barco inglês que o rebocou até o porto de Plymouth na Inglaterra. Ali os náufragos aguardaram por 2 anos por um novo embarque para a América, fato proporcionado para interferência da imperatriz austríaca D. Amélia von Leuchtenberg em viagem ao Brasil. Os passageiros do Cäcilia que deixaram a Alemanha em 1827 chegaram ao Rio de Janeiro no dia 29 de Setembro de 1829, sendo esta data comemorada, ainda hoje, no "Michelskerb" (Kerb de São Miguel) de Dois Irmãos e São José do Hortêncio onde a maioria dos passageiros do Cäcilia se estabeleceram.
Não menos tormentosa foi a viagem do brigue holandês "Ativo". Depois de uma tormentosa travessia do Atlântico ao invés de atracar no Rio de Janeiro arribou na costa de Pernambuco, onde 122 dos 140 passageiros (18 faleceram na viagem) foram abandonados à própria sorte. Fundaram um pequeno núcleo germânico que batizaram de Santa Amélia. Dedicaram-se à agricultura rudimentar e à produção de carvão vegetal. Consta que alguns com recursos próprios e viajando até em carros de boi, chegaram anos depois ao Rio Grande do Sul.
Nenhuma das vicissitudes antes narradas pode ser comparada ao da Galera Holandesa Company Patie. Zarpou no dia 10.10.1825. Ocorre que desde Dezembro de 1825 o Brasil entrara em guerra contra a Argentina pela posse da Província Cisplatina (atual Uruguai). Ao chegar próximo ao Rio em Janeiro de 1826 o Company Patie foi aprisionado por corsários à serviço dos castelhanos, sendo levado ao sul com destino à Argentina. Na entrada do porto de Buenos Ayres a embarcação foi interceptada por navio de guerra brasileiro e os passageiros instalados na Ilha das Flores situada nem frente a Montevidéu. Dali dos 281 cerca de 200 fugiram para a Argentina, com o "comandante do transporte" Karl Heine que dizem ter sido um agente de imigração à serviço de Rosas. Os 81 restantes voltaram ao Rio de Janeiro onde chegaram em 17 de maio de 1826.
A relação de acidentes com embarcações, no 1º período da imigração que vai de 1824 a 1830, encerra-se com a naufrágio do Bergantim Flor de Porto Alegre. Saiu do Rio de Janeiro em fins de 1824 com destino a Porto alegre. No início de Janeiro de 1825 naufragou na costa gaúcha, encalhado nos bancos de areia em frente a Mostardas. Dos 61 passageiros 2 morreram afogados. Os demais salvaram-se nadando até a praia onde foram acolhidos pelos moradores do lugar. Cerca de 15 colonos instalaram-se em Torres. Os demais náufragos entre eles o pastor Leopold Voges chegaram no dia 11.2.1825 em São Leopoldo.
Nos 27 embarques organizados por Schaeffer no período de 1824 a 1829, chegaram ao Rio de Janeiro cerca de 5.000 colonos e outros tantos soldados. Estes eram engajados nos Batalhões dos Estrangeiros. Os colonos ficavam alojados em galpões da Praia Grande (Niterói), aguardando viagem ao sul. Enquanto a travessia oceânica era feita em navios de 3 mastros, as viagens para Porto Alegre eram efetuadas em bergantins, sumacas e escunas, com 2 mastros apenas, por causa do pouco calado da barra de Rio Grande. A Capital da Província de São Pedro era atingida em média em 3 semanas de viagem. Aqui depois de recepcionados pelo Presidente da Província ficavam alojados na extremidade sul do porto, em prédio do arsenal de guerra, próximo à atual usina do gasômetro. Para o transporte até São Leopoldo, na época conhecida por "Passo do Courita" (ali morava um português natural de Coura) eram utilizados lanchões toldados, movidos à vela e à remo. Em carretas os colonos chegavam à Feitoria do Linho-Cânhamo onde ficavam alojados até o recebimento do seu lote de terras.
A Feitoria havia sido fundada em 1783 pelo vice-rei Dom Luiz de Vasconcellos e Souza e instalada inicialmente no sul do Estado no local então denominado de "Rincão do Caguçu". Seu objetivo era plantar o linho-cânhamo, cientificamente conhecida por "canabis sativa" e que hoje e conhecida por "maconha". Esta planta fornecia excelente fibra para a fabricação de cordas, cordoalhas e velas largamente empregadas na navegação da época. Devido a sucessivos déficits, creditados à baixa produtividade das terras, foi a Feitoria em 1788 transferida para as margens do Rio dos Sinos. Os resultados ali obtidos também não foram satisfatórios. Por isso foi extinta em 31.3.1824. Suas terras, cerca de duas léguas, correspondentes a 180 colônias de 100.000 braças quadradas, foram subdivididas e distribuídas entre os colonos alemães que ali aportaram, em numero de 39 pessoas no dia 25 de Julho de 1824. Dos 321 escravos apenas 9 permaneceram na Feitoria à disposição do administração José Thomás de Lima e que prestaram grande serviço na construção das casas para o alojamento dos imigrantes que ano a ano vinham em maior número. Em 1824 chegaram em São Leopoldo 126 imigrantes; em 1825 = 909; em 1826 = 828; em 1827 = 1.088; em 1828 = 99; em 1829 = 1.689 e em 1830 chegaram 117 totalizando 4.830. imigrantes.
Os recém chegados à Feitoria de logo se depararam com novos problemas:
- por falta de demarcação das terras, muitos ficaram instalados nos prédios antes ocupados pelos escravos, aguardando por meses o assentamento nos lotes;
- a demarcação dos lotes fora feita apenas na parte frontal ficando os limites laterais por conta dos proprietários, o que gerou muitas brigas e questões judiciais;
- os subsídios que deveriam ser pagos nos primeiros dois anos eram suspensos tão logo o agricultor tivesse meios de auto sustentar-se o que ocorria já ao final do primeiro ano; os imigrantes que chegaram em 1829 e 1830 nada receberam, pois as verbas haviam sido suspensas no orçamento pelo governo imperial;
Todos estes problemas e percalços não foram suficientes para demover o espírito empreendedor daquela pobre, mas trabalhadora gente.
Apenas um ano após a chegada dos primeiros imigrantes, junto ao "Passo do Courita" artesãos que não possuíam aptidão para o trabalho na terra haviam formado uma florescente povoação, posteriormente batizada de São Leopoldo.
No primeiro período da imigração que vai de 1824 a 1830 todo os vale do Rio dos Sinos havia sido ocupado pelos imigrantes. Além de São Leopoldo haviam fundado Novo Hamburgo (Hamburgerberg), Campo Bom, Dois Irmãos (Baumschneis), Ivoti (Berghanerschenis, depois Bom Jardim), Estancia Velha, Sapiranga (Leonerhof), além de São José do Hortêncio (Portugiserschneis). A partir de 1836 haviam também ocupado terras ao leste de São Leopoldo como Taquara do Mundo Novo, fundada por Tristão Monteiro e Igrejinha, por eles batizada de "Kleinkirchen";
Em todas estas localidades o comércio, a indústria e os artesãos (sapateiros, curtidores, seleiros, ferreiros, carpinteiros, tecelões, alfaiates, etc.) estavam em franco progresso, quando em 1835 estourou a Revolução Farroupilha. Os imperiais ou legalistas juntaram-se ao Dr. Hillebrand a quem também se juntaram o major Ferdinand Maximilian Kersting, Ten. Heinrich Wilhelm Mosye e outros; os rebeldes ou farroupilhas uniram-se ao Major Hans Ferdinand Albrecht, Hermann von Salisch nomeado, pelo governo revolucionário, diretor da Colônia de São Leopoldo. Durante os 10 anos da Revolução as atividades da Colônia estiveram paralisadas. O envolvimento da Colônia Alemã neste triste episódio que dividiu a família riograndense, teve a participação de centenas de imigrantes, lutando de ambos os lados, semeando a morte e a destruição em toda região.
3. REGIÕES COLONIZADAS E PRINCIPAIS CIDADES FUNDADAS PELOS IMIGRANTES ALEMÃES NO RS.
Com a assinatura (?) da Paz do Ponche Verde em 1845 entre Caxias e David Canabarro, teve prosseguimento o processo imigratório alemão para o Rio Grande do Sul. Os alemães que daí em diante aqui aportariam, ocupariam os Vales do Caí, Taquari e Jacui.
No Vale do Caí, as principais cidades de Montenegro e São Sebastião do Caí, de colonização portuguesa, receberiam um aporte do elemento germânico que também se estabeleceram em Pareci, Pareci Novo, Harmonia e Bom Princípio (Winterschneis) e outras localidades. A região do Arroio Forromeco, afluente do Caí, foi colonizada a partir de 1854 pela "Sociedade Montravel, Silveiro & Cia." que ali fundou a Colônia de Santa Maria da Soledade onde foram assentados não só colonos alemães mas também belgas, holandeses, suíços e franceses. Mais acima no Rio Cai localiza-se Feliz, colonizada pelo Governo Imperial a partir de 1846, eleita pela ONU em 1998 como a "cidade de melhor qualidade de vida do Brasil"; e finalmente, Nova Petrópolis, fundada em 1858 por Sellin e Bartolomay.
Pelo Vale do Jacuí, a principal cidade Cachoeira do Sul, onde inicialmente se instalaram portugueses, também recebeu forte contingente germânico. As vizinhas cidades de Agudo e Paraíso do Sul, compreendendo a antiga Colônia de Santo Ângelo fundada pelo Barão von Kahlden, foram ocupadas por Pomeranos vindos de Lubow a partir de 1857.
No Vale do Taquari, cujas principais cidades Lajeado (na época Colônia Conventos fundada por Antônio Fialho em 1853), Teutônia (fundada em 1858 por Carl Arnt) e Estrela (fundada por Vitor Barreto em 1846) bem como as cidades em seu entorno: Canabarro, Forqueta, Forquetinha, Cruzeiro do Sul, Boa Esperança, Marques de Souza (na época Neu Berlin fundada em 1868), não nos esquecendo de Santa Cruz, no Vale do Rio Pardo (colonizada por Bartolomay em 1849) e sua vizinha Monte Alverne colonizada a partir de 1860, temos a presença marcante não só de novos imigrantes alemães mas também de colonos emigrados das antigas colônias alemãs do Sinos e do Caí.
Por fim no sul do Estado encontramos São Lourenço do Sul, colônia fundada por Jakob Rheingantz em 1857 e onde se radicaram diaristas oriundos da Westphália.
Onde se instalaram deixaram uma senda de progresso como são exemplos os Vales do Sinos, Caí e Taquari. Não vieram apenas simples colonos, mas também artífices do couro (sapateiros, seleiros, curtidores), ferreiros, carpinteiros, marceneiros, alfaiates, tecelões, médicos e professores etc.
É verdade que na sua grande maioria eram pobres.
É verdade que fugiram de uma Pátria com democracia precária, com explosão demográfica, com recessão econômica, com terras exauridas e improdutivas.
Também é verdade que fugiram do desemprego, da fome, da insegurança e da falta de perspectivas.
Mas também é verdade que trouxeram consigo a sua enorme capacidade de trabalho, sua arte, suas tradições, folclore e costumes, sua língua, sua culinária que souberam preservar até os dias atuais.
Em resumo: semearam o progresso onde há apenas 175 anos atrás existia apenas mato!
Hoje quando estamos com toda justiça homenageando a chegada dos primeiros imigrantes alemães, muito temos a agradecer a aquelas humildes, corajosas e obstinadas pessoas que, deixando a sua pátria mãe, vieram aqui construir um futuro melhor para si e para os seus, contribuindo lado a lado com as demais etnias, no progresso e desenvolvimento não só do nosso Estado mas também da pátria brasileira que adotaram.

A CANÇÃO DO IMIGRANTE 

A letra, em alemão estava no trabalho do Egídio. A partitura e a canção encontramos pesquisando no google e mandamos  traduzir.


 PARTITURA


Nun ade, du mein lieb Hematland.
Refrão: Nun ade, du mein lieb Heimatland
lieb Heimatland ade. Es geht jezt fort zum fremden Strandt,
lieb Heimatland ade!
1.Und so sing ich denn mit frohem Mut,
wie man singet wenn man wandern tut,
lieb Heimatland ade!
2. Wie du lachst mit deines Himmels Blau,
Wie du grüssest mich mit Feld und Au
lieb Heimatland ade!
3. Gott weis, zu dir steht mein Sinn,
doch jetzt zur ferne ziehts mich hin,
lieb Heimatland ade!
4. Begleitest mich, du leiber Fluss,
Bist traurig das ich wandern muss,
lieb Heimatland ade!
5.Vom Moos’gen Stein und Wald’gen tal,
da grüss ich dich zum letzten mal,
mein Heimatland ade!
Obs:
Moos’gen = Moosigen = coberto de musgo
walt’gen = waldigen = coberto de mato


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