domingo, 8 de maio de 2016

Os Farrapos - 3

                                                   ATA DOS  FARRAPOS


                        Revirando minha biblioteca histórica, reencontrei “Enciclopédia Rio-grandense, de 1956”, com preâmbulos do Meneghetti; seu Secretário da E. e Cultura,  e  Pagliolli da Puc,  portanto,  com selo oficial.
                        Ela tem oito redatores, e no tópico Rev. Farroupilha o historiador é Walter Spalding, do Inst. Hist. e G. do RGS e do brasileiro.
                        Entre outras coisas, encontrei a ata completa do acordo havido entre os Farrapos em 25-2-1845 para finalizar a guerra, com suas 12 reivindicações, existente em todos os trabalhos. As cláusulas, em sua maioria, já vieram prontas do Rio de Janeiro.
                        Contudo, na ata, logo depois e em sequência às 12 condições  consta  mais a seguinte frase .... E TODAS QUANTAS SE PUDESSEM MAIS CONSEGUIR COM O BARÃO DE CAXIAS, omitida nos demais trabalhos  disponíveis.
                        Esse adendo, em meu entender, modifica a simples leitura das 12 exigências, pois reflete claramente que elas ainda não tinham sido concedidas por Caxias.
                        Como sabemos, Caxias nunca deu nada por escrito e não atendeu o pedido de alforria dos escravos que lutaram ao lado dos Farrapos. Envolvia legislação Federal e fugia da alçada dele. Um escravo valia 20 vacas e era um bem patrimonial, utilizável ou vendável garantido por Lei.  Desconheceu-o e nenhum Farrapo reclamou. Os Farrapos, se o quisessem, poderiam ter alforriado seus próprios escravos, bastava uma carta de alforria, mas não o fizeram.
                       Em nosso entender, a inclusão desse item nas reivindicações dos Farrapos visava apenas evitar a rebelião dos escravos e dar uma aparência de magnanimidade.
                       Cada Farrapo tratou de sua vida e os escravos lanceiros negros  ficaram sem padrinho. Retornaram aos seus primitivos donos ou enviados ao Rio de Janeiro.
Dia 28, Canabarro e em nome do Presidente da República, Lucas de Oliveira, fizeram proclamações em separado, e declararam o fim das hostilidades, sem mencionar quaisquer exigências. Foram todos anistiados.  
            Caxias determinou aos Farrapos que se dirigissem ao Poncho Verde para fazer entrega dos escravos e dos armamentos No dia seguinte recebeu-os (inclusive Netto) em seu acampamento às margens do rio Santa Maria. .
             Em 1-3-1845 Caxias fez uma proclamação, se congratulando e informando que por decreto do Imperador (18-12-1844) o passado Farrapo seria esquecido, finalizando com vivas ao Imperador e à integridade do Império.
No mesmo dia, os Farrapos o escolheram para presidir o Estado. Afora sua conduta impecável, Caxias era necessário para que se cumprissem os acordos verbais pactuados. O principal era a manutenção dos militares (menos os generais), com dignidade, nos seus postos originais do exército Imperial.
            26 militares Farrapos assinaram a ata: Canabarro, Netto (em segundo) e entre outros, Tomás José Pereira, Tte. Cel.. No livro que herdei do meu pai, na margem dessa página e junto ao nome consta a anotação confiável dele, a lápis,  “bisavô de Carlos Pereira Marques” seu genro.
           Aos generais e ministros, Caxias ofereceu e concedeu indenizações em dinheiro para compensar em parte as perdas de cada um com a Revolução. Apresentaram as suas contas e respectivos recibos. Puderam assim, recomeçar sua vida econômica. (História Regional da Infâmia de Juremir M. da Silva)
                                                 
                                        
                                                            ANEXO DE

                                         FARRAPOS – MOACYR FLORES

                        Livro História do Rio Grande do Sul – pg 87
      
           Juan Manoel de Rosas, presidente da Argentina, ofereceu dinheiro à Bento Gonçalves para a continuação da guerra civil, pois pretendia lutar contra o Império. Com essa ameaça estrangeira, Antônio Vicente da Fontoura conseguiu do governo imperial  a indenização aos chefes farrapos.  No início de fevereiro todos os chefes farroupilhas pediram e receberam anistia. Caxias determinou que os farrapos se reunissem na fazenda dos Cunhas,  em Poncho Verde para entregarem as armas e os escravos. Em 28.2.1845 foi elaborada uma ata, chamada popularmente de “tratado de paz” de Poncho Verde, que não passa de uma farsa porque não constam assinaturas de representantes do Império. Caxias limitou-se a uma proclamação em 1º.3.1845, nos campos de Alexandre Simões,

                    Professor de história na UFRGS aposentado


                                        LUTA E PAZ

                                                      A CAUSA

LUTA – Proclamação de Bento Gonçalves no 1ª dia da Revolução ....... Conheça o Brasil que o 20 de setembro de 1835 foi a consequência inevitável de uma má e odiosa administração. E que não tivemos outro objeto, e não nos propusemos outro fim, que restaurar o império da Lei, afastando de nós um administrador inepto e faccioso, sustentando o trono do nosso Jovem Monarca e a integridade do Império.

                                                   O DESFECHO

PAZ - Manhã de 28 de fevereiro de 1845, Davi Canabarro manda formar sua gente e, solenemente, lê sua proclamação:
- Concidadãos – Completamente autorizado pelo magistrado civil à quem obedecemos e na qualidade de comandante em chefe contando com a unânime vontade de todos os oficiais da força do meu mando, vos declaro que a guerra civil que há mais de nove anos devasta este belo país está acabada. A cadeia de sucessos por que passam todas as revoluções tem transviado o fim político a que nos dirigíamos, e hoje a continuação de uma guerra tal seria o ultimato da destruição e do aniquilamento de nossa terra. Um poder estranho ameaça a integridade do Império e tão estólida ousadia jamais deixaria de ecoar em nossos corações brasileiros. O Rio Grande do Sul não será o teatro de suas iniquidades, nos partilhamos a glória de sacrificar os ressentimentos criados no furor dos partidos. Ao bem geral do Brasil.
- Concidadãos – Ao desprender-me do grau que me havia confiado o poder que dirigia a revolução, cumpro assegurar-vos que podeis volver tranquilos ao seio de vossas famílias. Vossa segurança individual e da propriedade está garantida pela palavra sagrada do Monarca, e o apreço de vossas virtudes confiado ao seu magnânimo coração. União, fraternidade, respeito às Leis e eterna gratidão ao ínclito presidente da Província, o Ilmo. e Exmo. Barão de Caxias, pelos afanosos esforços que há feito na pacificação da Província. – Campo do Poncho Verde, 28 de fevereiro de 1845 – DAVI CANABARRO.

                 Logo após Manuel Lucas de Oliveira lança outra proclamação, em nome de José Gomes Vasconcelos Jardim, presidente que fora da República Rio-Grandense, na qual, depois de fazer o elogio dos farroupilhas, conclui:
- Resta lembrar-vos, Rio-Grandenses, que cumpre desviar deste momento em diante, quanto seja capaz de eclipsar tanta glória, quanto possa desvirtuar vossos feitos, baixar-vos de ambição, enfim, quanto possa obstar que vossos nomes ilustres voem à séculos remotos  com aquele esplendor de que por tantos títulos, por tantas provas, sois dignos – Dizei comigo – somos outra vez Brasileiros – seremos sempre idólatras da liberdade constitucional – Campo em Poncho Verde. 28 de fevereiro de 1845 – MANUEL LUCAS DE OLIVEIRA.

                  No dia seguinte, pela manhã, em seu acampamento ordena Caxias a formação de sua força e manda ler a seguinte proclamação:
- Rio-grandenses ! É sem dúvida para mim de inexplicável prazer o ter de anunciar-vos que a guerra civil que por mais de nove anos devastou esta bela Província está terminada.
                    Os irmãos contra quem combatíamos estão hoje congraçados conosco, e já obedecem ao legítimo Império Brasileiro. Sua Majestade o Imperador, ordenou por decreto de 18 de dezembro de 1844 o esquecimento do passado e mui positivamente recomenda no mesmo decreto que tais brasileiros não sejam judicialmente nem por outra qualquer maneira inquietados pelos atos que praticaram durante o tempo da revolução. Esta magnânima deliberação do Monarca Brasileiro há de ser religiosamente cumprida. Eu o prometo sob minha palavra de honra. Uma só vontade nos uma, Rio-Grandenses: maldição eterna a quem recordar-se de nossas dissensões. União e tranquilidade seja de hoje em diante a nossa divisa. Viva a religião, Viva o Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil. Viva e integridade do Império. – Quartel General da Presidência e do Comando em Chefe do Exército na costa do Santa Maria, campo de Alexandre Simões a 1º de março de 1845 – BARÃO DE CAXIAS.



       MIGRANTES PARA SANTA MARIA


     Apenas dois filhos do imigrante Johann Jacob Lampert optaram para se estabelecer na metade sul do RS
                                                            
                                  KARL LAMPERT EM SÃO MARTINHO

     Karl Lampert (1826-1911) deve ter casado com Catarina Kruel em São Leopoldo, pois nenhuma outra família com esse sobrenome residiu em Dois Irmãos. Dali foram para Taquarí. Os filhos do casal: Carlos Frederico, Ernesto Leopoldo, Henriqueta, Lidovina, Frederico Gabriel e Maria Lampert, foram registrados em Taquari a partir de 1851 e batizados evangélicos. Rosa, Emília, Izabel, Júlia, Amândio Fidêncio, Jacob Carlos e Leopoldo, foram registrados e batizados evangélicos em Santa Maria após 1861. Cristiano Sezefredo, João Batista, Adélia, Adelaide e Anatólio, foram registrados em São Martinho depois de 1874, todos católicos. - 18 filhos - nove homens e nove mulheres.
    Cremos que foram direto de Taquari para São Martinho e registraram em S. Maria por não haver, no momento, cartório ali, nem igreja evangélica em S. Martinho.  Nosso avô Leopoldo nos contou que nasceu em São Martinho (o seu registro é de S. Maria)
     Anos mais tarde, Karl, esposa e a maioria de seus filhos, vieram para Montenegro, Lajeado e Porto Alegre. O casal faleceu em 1911 e está sepultado em Montenegro no cemitério evangélico.

                     E SEU IRMÃO MICHAEL LAMPERT EM SANTA MARIA

     Michael (1817) também deve ter casado com Katharina Butze em São Leopoldo, pois o primeiro filho do casal, Carlos, foi  lá registrado em 1843. Os seguintes: Klemens, Michael Adam, Jacob, Carolina, Abraham e Adam nasceram em Dois Irmãos entre 1845 e 1854; O último, Peter, nasceu em Taquari em 1858. Os descendentes da maioria ainda se encontram na região. Um número elevado deles optou pela vida militar, no Exército, Aeronáutica e Brigada Militar.

     Verificamos que os dois irmãos e seus filhos moraram ao mesmo tempo em Taquari e ambas as famílias devem ter partido em fins de 1860 para a região de Santa Maria.

     Santa Maria ainda deveria estar decadente, em decorrência da Revolução Farroupilha: Campos despovoados de gado, imóveis depreciados, proprietários e filhos mortos em combate, dívidas e impostos não pagos, viúvas desamparadas, inimizades, decepção e pobreza geral, mercado atraente para quem dispusesse de energia, dinheiro  ou crédito para adquirir propriedades rurais em ruínas à venda. Foi o que os irmãos fizeram.

     Michael, voluntário, foi engajado nas fileiras do exército Imperial em 7-5-1838 e lutou até o centro do Estado. Após, foi-lhe determinado que voltasse às suas origens, juntamente com seu cunhado Cap. Carlos Clemente Kersting e o irmão deste, major Ferdinand August Maximilian Kersting, afim de, com demais voluntários locais, combater o banditismo praticado por desgarrados, expulsos e desertores do exército Farrapo, que estavam praticando assaltos, roubos e assassinatos na região de Dois Irmãos.    Cumpriram o que lhes foi ordenado.
     Vemos que Michael, no exército, lutou durante três anos e teve o seu primeiro filho em 1843, antes do fim da revolução.                                               


                                                  OMISSÕES


MANOEL LUIZ OSORIO – Futuro Marechal e Patrono da Cavalaria era Tenente Coronel do exército Imperial. Livro Farrapos, de Jorge Telles, pg 101. No livro História Ilustrada do RGS, da RBS, na pg 122, destaca que Osório, Farrapo inicial, repassou-se de volta ao Império. Lutou durante os dez anos da Revolução Farroupilha. No Parque Osório em Tramandaí não encontrei qualquer referência. Foi nomeado Ministro de D. Pedro II.
 Dia 10-05-2011, Zero Hora publicou o mesmo no “Túnel do Tempo”

TAMANDARÉ – Futuro Almirante e Patrono da Marinha, foi oficial à bordo dos navios de guerra do Alm. Greenfell, que evitou a tomada do porto de Rio Grande, sitiou os republicanos na ilha do Fanfa e expulsou os Farrapos quando estavam tomando o porto de São José do Norte.

COMBATE DA ILHA DO FANFA – Encurralado pelo exército imperial e pela esquadra de Greenfell, lutando bravamente por três dias e sem alimentos, Bento Gonçalves e seu Estado Maior aceitaram de rendição oferecida por Bento Manuel. Seriam todos liberados, desde que depusessem as armas e se comprometessem por palavra de honra não mais entrar em luta contra o Império. Os soldados vencidos foram mandados para casa e os oficiais ficaram soltos no acampamento dos vencedores. Não confiando, Bento Manuel mandou vigiar Bento Gonçalves. Quando este mandou para Piratini um emissário com determinações de guerra, Bento Manuel interceptou-o e leu seu conteúdo. Mandou prender todos os oficiais e envia-los como prisioneiros para o Rio de Janeiro, donde mais tarde se evadiram e voltaram ao sul. Bento Gonçalves foi enviado para a prisão na Bahia, onde, por intervenção da maçonaria, também posteriormente, fugiu e voltou à Piratini. 

NETTO – O Tte. Cel do exército imperial Antônio de Souza Netto, proclamou a república, sem consultar seus superiores imediatos, os monarquistas Cel. Bento Gonçalves da Silva e Cel. Bento Manoel Ribeiro, autoridades máximas militares no RS. Bento Gonçalves teve que aceitar o fato consumado, mas Bento Manoel Ribeiro acabou trocando de lado na Revolução e ficou com o Império. Netto assinou a ata do acordo entre os Farrapos, logo após Canabarro e foi à Poncho Verde para fazer entrega do armamento e dos escravos ao Império, livro Enciclopédia Rio-grandense, tema A revolução farroupilha, de Walter Spalding; pg 279 e livro Farrapos – a Guerra que Perdemos, 2004, de Jorge Telles, pg.101. Meio a contragosto, acabou aceitando a anistia geral.
 No dia seguinte apresentou-se à Caxias, que recebeu os comandantes Farrapos em seu acampamento no rio Santa Maria e também fez a sua proclamação de paz, Sem qualquer dúvida, Netto foi o general que gozava de maior prestígio entre as tropas da República.  Desgostoso com o desfecho da revolução emigrou para o Uruguai onde tinha propriedades rurais.

                                                      MANIPULAÇÃO

GARIBALDI - Encontramos duas versões da Carta de Corso entregue no Rio de Janeiro: pg. 52 do livro Garibaldi e a Guerra dos Farrapos, de Lindolfo Collor (1938) e pg. 22 do Garibaldi em São José do Norte, de Elma Sant´Ana (2007):

...... cruzar os mares  e rios onde trafegassem barcos de guerra ou de comércio do Brasil, podendo apropriar-se DELES OU TOMÁ-LOS PELA FORÇA DE SUAS ARMAS .... 
            .......... DE SUAS ARMAS COM O USO DA FORÇA ......., alteração sutil do texto, escondendo desnecessariamente  a autorização de captura de navio cargueiro e de saque das mercadorias a bordo. 

          Os livros Os Farrapos, 2003, de Carlos Urbim, pg. 89 e Anita Garibaldi,1999, de Paulo Markun, pg. 96,  repetem os mesmos dizeres do livro de Lindolfo Collor.

       PONCHO VERDE - O obelisco comemorativo da paz cita: os defensores do Império e Republicanos de Piratini ASSEGURARAM a unidade nacional e não ASSINARAM o acordo de paz, como habitualmente é referido.

          DESFILE FARROUPILHA – Sempre o assisto com prazer, e vi, no ano passado, quando um carro alegórico desfilava em frente ao palanque oficial, a “assinatura” ostensiva, com uma grande caneta, das figuras que representavam David Canabarro  e Barão de Caxias, assim o locutor anunciava, do acordo de paz jamais realizado. 


A GRANDE BATALHA QUE NÃO HOUVE

O COMBATE DE TAQUARI EM 8 DE MARÇO DE 1840

            Em 1949 mudei de residência de Lajeado para Bom Retiro do Sul - distrito do município de Taquari - por motivos profissionais. Morei lá durante 12 anos. Meu filho primogênito é conterrâneo do David Canabarro, Taquariense nato.
            Por ser sede do município, eu iria pelo menos uma vez por mês à cidade, para atender afazeres burocráticos. Tive contato e fiz muitas amizades, entre eles com José Leite Costa, Engº Agrônomo, filho do advogado Adroaldo Mesquita da Costa, mais tarde ministro da Justiça do Brasil - e que também morava em Taquari.
            Povo generoso e cordial. Só guardei boas lembranças,
           Em Bom Retiro do Sul, envolvi-me em atividades ligadas às tradições gaúchas. Fui um dos fundadores do CTG Querência da Amizade, em 1957, e seu terceiro patrão. Misturávamos cultura riograndense e revolução farroupilha. Foi o início do meu interesse pela história gaúcha e que nunca mais teve fim.
            Sabedor do combate de Taquari achei no Google a foto do monumento comemorativo e lembrei que estive há muito tempo no local para conhecer a área dos Caramujos nos arredores da cidade, o Passo de Taquari, a ilha do Passo Velho. Transpondo o rio em direção à General Câmara, indaguei ao barqueiro o sítio exato do final a contenda.

MONUMENTO DO COMBATE EM TAQUARI (GOOGLE)          
                              
                           

            Interessado numa relíquia, pedi ao meu amigo José Leite Costa (o Zé), que tentasse obter uma arma encontrada no rescaldo da refrega - uma garrucha ou uma ponteira de lança de cruzeta - e me informasse o preço. Deu em nada.
            Em 1961 fui morar e trabalhar em Encantado e, algum tempo depois, o Zé se apresentou no meu escritório portando um sabre de cavalaria sem bainha, “doado” por um morador vizinho dos caramujos. Não esquecera a minha encomenda. Logo vi que o Zé comprara o sabre e não quis cobrá-lo de mim. Era bem típico dos açorianos de Taquari.
            Examinando o sabre, constatei que a lâmina dele, “Solingen”, era mais grossa e mais pesada do que as demais que eu tinha também da época farrapa (tinha quase o dobro da largura). Deveria ser portada por um homem vigoroso. Os copos do sabre já com folga, demonstraram o tempo de “serviço” da arma e não havia dúvida sobre a sua antiguidade. Pela fonte e pelo aspecto, admiti a sua legitimidade. Vide foto.



            Desejando escrever crônica a respeito da origem do sabre e do combate de Taquari, procurei nos livros históricos que herdei do meu pai, nos que eu havia adquirido e também no Google, material histórico que orientasse a minha crônica. Com surpresa, constatei que quando mencionado o combate, havia apenas frases esparsas e sem valor real. Tentei contato com outros historiadores e recebi sempre a mesma resposta. Não tinham nenhum conhecimento efetivo.
            No Google, vi o nome do historiador taquariense Riograndino da Costa e Silva (primo do Zé) e passei a procurar seu livro – São José do Taquari. Consegui xerox do tema que me interessava.
            O livro reproduz crônicas de Othelo Rosa, publicadas no jornal O Taquaryense a partir da edição de 1° de julho de 1939, que mostrarão o roteiro a ser seguido em resumo por esta crônica.
            Em Taquari e seus arredores, na zona compreendida entre os arroios Pinheiros e do Moinho, no ano de 1840 o governo imperial e os republicanos rio-grandenses mobilizaram os maiores efetivos da guerra que, durante todo o decênio, estiveram face a face (pág. 193).
            Em números globais: as forças legais, sob o comando do Gal. Manoel Jorge Rodrigues, 7.000 homens; as hostes republicanas comandadas pelo Gal. Bento Gonçalves da Silva, 6.000 homens.
            O Império e a novel República jogariam, no lance, cartada perigosa e decisiva. Bento tinha necessidade de resolver logo a parada com os imperiais, que dia após dia aumentavam em número e armamento suas forças e qualquer demora seria fatal.
Manoel Jorge não tinha pressa. O correr do tempo estava ao seu lado.
            Bento, ao lado de David Canabarro, Netto e suas tropas (incluindo Garibaldi, Anita e seus marinheiros a pé), chegou primeiro e escolheu um local favorável às suas armas, com um leve declive à sua frente, a existência de um arroio e um mato fechado que garantia seu flanco esquerdo. Posicionou seus três canhões à frente da infantaria, a cavalaria na retaguarda (apta a manobrar) e se preparou para ser atacado pelos imperiais. Manoel Jorge, prudente e acautelado, se posicionou à pequena distância e, vendo a posição favorável do inimigo, preparou-se também para ser atacado e ficou aguardando. Sua cavalaria, no momento, não estava em sua melhor forma.
            Bento vacila (surpreendido pela inércia de Manoel Jorge), não desfere o golpe e adia o encontro para o dia seguinte. Se sucedem pequenas escaramuças e combates de cavalaria. A noite cai sem batalha. Ao madrugar do dia, uma cerração densíssima envolvia Taquari, que só se dissipou às 10 horas da manhã. Foi então que os farroupilhas, tomados de espanto, verificaram que o inimigo desaparecera. Indescritível o desespero no acampamento farroupilha. A retaguarda dos imperiais ainda estava terminando de atravessar o rio.
            Bento manda carregar e ataca os remanescentes entrincheirados na barranca do rio, sendo que eles estavam sustentados por uma barca a vapor e navios a vela, com seus canhões direcionados aos atacantes. Novamente surpreendido, Bento, em pequenas escaramuças reage e, pelo número de mortos de cada lado - 201 Imperiais e 270 farroupilhas mortos - verifica-se que apenas pequenos grupos se defrontaram. Número irrisório ante a possibilidade evidente de uma carnificina num corpo a corpo generalizado.
            Manoel Jorge, recuando, preservou seu exército de um possível desastre. O desgosto entre os chefes farroupilhas iria prejudicar-lhes grandemente a unidade de ação. Bento, como comandante indeciso, foi responsabilizado e criticado asperamente.
            Bento Gonçalves da Silva perdeu a última oportunidade de um confronto “tudo ou nada”. Jamais se repetiria.
            Bento recuou com seu exército para o sítio de Porto Alegre.  Canabarro e Netto dirigiram-se para suas regiões na campanha.
            A revolução seguiu seu curso natural e até a paz surgir, ceifaria a vida de muitos combatentes.
            Tentativas de paz foram realizadas, mas havia um ponto inegociável pelos dois lados. Os farrapos queriam um acordo entre dois países e o império considerava os farrapos como revolucionários dentro do estado do Rio Grande do Sul. Não seria um país. Não tinha uma constituição, fronteiras definidas e aceitas pelos vizinhos, não era reconhecido pelos demais países, não enviara embaixadores nem os recebera, não convocara eleições entre a população.
            Somente em 1845 os farrapos (de má vontade) aceitaram que seriam todos anistiados. Convocaram 26 oficiais do exército farrapo que, de comum acordo entre eles, aceitariam a paz com os imperiais condicionando que o Império atendesse uma série de condições entre elas a libertação dos escravos que lutaram ao lado dos farrapos. O Império simplesmente ignorou essa cláusula e nenhum farrapo reclamou. Podiam tê-lo feito, mas não libertaram nem seus próprios escravos companheiros de luta.
            A paz foi selada verbalmente e documentada em 28 de fevereiro de 1845 por  declarações formais dos líderes farrapos David Canabarro e Lucas de Oliveira, em nome de José Gomes Vasconcellos Jardim. Consideraram a luta terminada e em 1º de março, por proclamação do Barão de Caxias aos seus comandados, informando que os revoltosos já haviam deposto as armas, aceitaram a anistia e estavam novamente congraçados como súditos de S. M. I. Dom Pedro II.
            Caxias determinou que os Farrapos que se dirigissem ao Ponche Verde para entrega dos escravos e dos armamentos. Netto inclusive.
            Um obelisco em Ponche Verde comemora que naquele local a paz foi assegurada.
                                                       PÁTRIA E QUERÊNCIA
Guido Ernani Kuhn
A impressão que se tira, a cada setembro, é que aqui no Sul o dia 20 tende a superar o dia 7. Não sei se por causa da fétida lama federal, ou por outras razões interiores de cada peito gaúcho, é visível que o evento regional cresce e até se prolonga em duração (era Semana Farroupilha, agora já é quase Mês), em vibrantes manifestações do civismo e da cultura do Sul. No sentimento do povo gaúcho, o amor à terra é cada vez mais focado no Rio Grande, essa querência regional com sua marcada cultura e o peculiar jeito de ser de sua gente, que tem hino próprio e o canta com ardor. Esse pessoal que faz cavalgadas, será que as faria pelo 7 de Setembro? Nossa cara e nossos costumes são diferentes, e há até peculiaridades inconfundíveis na língua.
A origem disso já tem 172 anos, apenas 13 anos a menos que o Brasil independente. É até espantoso como vem crescendo entre nós o interesse por essa história, iniciada a 20 de setembro de 1835, tendo por estopim, segundo relata o padre Theodor Amstadt, um imposto territorial de 10 mil réis por légua quadrada, decretado contra os latifundiários, para reforçar o caixa da cidade. A légua quadrada media 4.356 hectares, e 10 mil réis era uma bagatela, por si só incapaz de provocar uma guerra. Foi apenas a gota d’água que entornou o caldo.
Havia outras causas bem mais fortes, ainda represadas, que se somaram no caudal da revolta. Hoje, a paixão é tão grande que muitos gaúchos se incomodam com os historiadores que têm versões desabonadoras à memória dos grandes heróis daquela epopéia, como Garibaldi, Canabarro, o General Antonio de Souza Netto, que foi quem proclamou a República de Piratini, a 11 de setembro de 1836, além do próprio Bento Gonçalves, que foi o primeiro presidente. Entre outras coisas, diz-se que a Paz de Ponche Verde teria sido uma farsa, uma rendição assinada apenas pelos farrapos e nenhum representante do Império, salvando a pele das elites farroupilhas, mas não dos escravos que estavam com eles.
O levante dos farrapos eclodiu 11 anos depois da chegada dos primeiros imigrantes alemães a São Leopoldo. O Império não tinha honrado os contratos com eles, e, do outro lado, os fazendeiros faziam pressão política contra o progresso das colônias, muitos desejando ter nos seus latifúndios a força de trabalho dos imigrantes. O impasse chegou até a suspender novas imigrações, a partir de 1830. Sem alternativa e cercados de fúria, como caranguejos entre o mar e o rochedo, os colonos estavam na linha de fogo, nas barbas do grande alvo que era a Capital da Província. Não conheciam a língua nativa, a guerra não era deles e sequer sabiam se a luta era do bem contra o mal, ou apenas uma disputa política de poder. Dos que entraram na revolução, a maioria ficou do lado do Império, liderada por Johann Daniel Hillebrand, um alemão que era coronel da Guarda Nacional e depois também Diretor da Colônia de São Leopoldo. Outros, sob pressões e ameaças, aderiram aos farrapos, entre eles Hermann von Salisch, que por isso foi deposto da Direção da Colônia.
Todos os colonos, inclusive os neutros, que eram maioria, estavam constantemente sob o risco de invasão, confisco de bens, massacres, torturas, degolas e outras formas cruéis de assassinato. Coisas que aconteceram tanto que, após nove anos de guerra, a Colônia, com pouco mais de cinco mil almas, tinha 15 habitantes a menos do que no começo. É um cenário que, mais tarde, se repetiria outras vezes, de forma até mais cruel, como na Revolução Federalista de 1893. Para tomar Porto Alegre, defendida pelos caramurus do Império, talvez tenha faltado aos fazendeiros farrapos maior harmonia com os colonos. Com o campo e a roça divididos, a Capital resistiu, e por isso até foi chamada de “Mui Leal e Valorosa Cidade de Porto Alegre”.
A história verdadeira é aquela que realmente aconteceu, mas talvez não seja exatamente a história que temos para contar, que inclui versões e interpretações, o que provoca as divergências. Afinal, isso não é uma simples soma de dois mais dois. Seja como for, uma guerra é sempre horrorosa, principalmente quando corre sangue do jeito que correu. Uma guerra nunca é limpa e nela não há santos. Sua única regra é a falta de regras. Por isso, não podemos festejar uma guerra, nem mesmo nos incomodar muito com o que descobrem os historiadores sobre ela. Mas podemos lembrar os ideais que a motivaram, as lições que dela saíram, os valores que a ela sobreviveram e os heróis que ficaram. É o que os gaúchos fazem, com ardor, a cada 20 de setembro. Hoje, embora não tenhamos convívio fácil na política e no futebol, é muito bom que estejamos em paz como gaúchos e brasileiros, porque pelo menos nisso estamos todos do mesmo lado. (12/9/2007)
Fonte: Gazeta do Sul – guido@gazetadosul.com.br                                         

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