ATA DOS FARRAPOS
Revirando minha
biblioteca histórica, reencontrei “Enciclopédia Rio-grandense, de 1956” , com preâmbulos do
Meneghetti; seu Secretário da E. e Cultura,
e Pagliolli da Puc, portanto,
com selo oficial.
Ela tem oito redatores,
e no tópico Rev. Farroupilha o historiador é Walter Spalding, do Inst. Hist. e
G. do RGS e do brasileiro.
Entre outras coisas,
encontrei a ata completa do acordo havido entre os Farrapos em 25-2-1845 para
finalizar a guerra, com suas 12 reivindicações, existente em todos os
trabalhos. As cláusulas, em sua maioria, já vieram prontas do Rio de Janeiro.
Contudo, na ata, logo
depois e em sequência às 12 condições
consta mais a seguinte frase ....
E TODAS QUANTAS SE PUDESSEM MAIS CONSEGUIR COM O BARÃO DE CAXIAS, omitida nos
demais trabalhos disponíveis.
Esse adendo, em meu
entender, modifica a simples leitura das 12 exigências, pois reflete claramente
que elas ainda não tinham sido concedidas por Caxias.
Como sabemos, Caxias
nunca deu nada por escrito e não atendeu o pedido de alforria dos escravos que
lutaram ao lado dos Farrapos. Envolvia legislação Federal e fugia da alçada
dele. Um escravo valia 20 vacas e era um bem patrimonial, utilizável ou
vendável garantido por Lei.
Desconheceu-o e nenhum Farrapo reclamou. Os Farrapos, se o quisessem,
poderiam ter alforriado seus próprios escravos, bastava uma carta de alforria,
mas não o fizeram.
Em nosso entender, a
inclusão desse item nas reivindicações dos Farrapos visava apenas evitar a
rebelião dos escravos e dar uma aparência de magnanimidade.
Cada Farrapo tratou de
sua vida e os escravos lanceiros negros
ficaram sem padrinho. Retornaram aos seus primitivos donos ou enviados ao
Rio de Janeiro.
Dia 28, Canabarro e em nome do
Presidente da República, Lucas de Oliveira, fizeram proclamações em separado, e
declararam o fim das hostilidades, sem mencionar quaisquer exigências. Foram
todos anistiados.
Caxias determinou aos Farrapos que
se dirigissem ao Poncho Verde para fazer entrega dos escravos e dos armamentos
No dia seguinte recebeu-os (inclusive Netto) em seu acampamento às margens do
rio Santa Maria. .
Em 1-3-1845 Caxias fez uma
proclamação, se congratulando e informando que por decreto do Imperador
(18-12-1844) o passado Farrapo seria esquecido, finalizando com vivas ao
Imperador e à integridade do Império.
No mesmo dia, os Farrapos o escolheram
para presidir o Estado. Afora sua conduta impecável, Caxias era necessário para
que se cumprissem os acordos verbais pactuados. O principal era a manutenção
dos militares (menos os generais), com dignidade, nos seus postos originais do
exército Imperial.
26 militares Farrapos assinaram a
ata: Canabarro, Netto (em segundo) e entre outros, Tomás José Pereira, Tte.
Cel.. No livro que herdei do meu pai, na margem dessa página e junto ao nome
consta a anotação confiável dele, a lápis,
“bisavô de Carlos Pereira Marques” seu genro.
Aos generais e ministros, Caxias
ofereceu e concedeu indenizações em dinheiro para compensar em parte as perdas
de cada um com a Revolução. Apresentaram as suas contas e respectivos recibos.
Puderam assim, recomeçar sua vida econômica. (História Regional da Infâmia de
Juremir M. da Silva)
ANEXO DE
FARRAPOS –
MOACYR FLORES
Livro História do Rio Grande do Sul – pg 87
Juan Manoel de Rosas, presidente da
Argentina, ofereceu dinheiro à Bento Gonçalves para a continuação da guerra
civil, pois pretendia lutar contra o Império. Com essa ameaça estrangeira,
Antônio Vicente da Fontoura conseguiu do governo imperial a indenização aos chefes farrapos. No início de fevereiro todos os chefes
farroupilhas pediram e receberam anistia. Caxias determinou que os farrapos se
reunissem na fazenda dos Cunhas, em Poncho Verde para
entregarem as armas e os escravos. Em 28.2.1845 foi elaborada uma ata, chamada
popularmente de “tratado de paz” de Poncho Verde, que não passa de uma farsa
porque não constam assinaturas de representantes do Império. Caxias limitou-se
a uma proclamação em 1º.3.1845, nos campos de Alexandre Simões,
Professor de história na
UFRGS aposentado
LUTA E PAZ
A CAUSA
LUTA
– Proclamação de Bento Gonçalves no 1ª dia da Revolução ....... Conheça o
Brasil que o 20 de setembro de 1835 foi a consequência inevitável de uma má e
odiosa administração. E que não tivemos outro objeto, e não nos propusemos
outro fim, que restaurar o império da Lei, afastando de nós um administrador
inepto e faccioso, sustentando o trono do nosso Jovem Monarca e a integridade
do Império.
O DESFECHO
PAZ
- Manhã de 28 de fevereiro de 1845, Davi Canabarro manda formar sua gente e,
solenemente, lê sua proclamação:
-
Concidadãos – Completamente autorizado pelo magistrado civil à quem obedecemos
e na qualidade de comandante em chefe contando com a unânime vontade de todos
os oficiais da força do meu mando, vos declaro que a guerra civil que há mais
de nove anos devasta este belo país está acabada. A cadeia de sucessos por que
passam todas as revoluções tem transviado o fim político a que nos dirigíamos,
e hoje a continuação de uma guerra tal seria o ultimato da destruição e do
aniquilamento de nossa terra. Um poder estranho ameaça a integridade do Império
e tão estólida ousadia jamais deixaria de ecoar em nossos corações brasileiros.
O Rio Grande do Sul não será o teatro de suas iniquidades, nos partilhamos a
glória de sacrificar os ressentimentos criados no furor dos partidos. Ao bem
geral do Brasil.
-
Concidadãos – Ao desprender-me do grau que me havia confiado o poder que
dirigia a revolução, cumpro assegurar-vos que podeis volver tranquilos ao seio
de vossas famílias. Vossa segurança individual e da propriedade está garantida
pela palavra sagrada do Monarca, e o apreço de vossas virtudes confiado ao seu
magnânimo coração. União, fraternidade, respeito às Leis e eterna gratidão ao
ínclito presidente da Província, o Ilmo. e Exmo. Barão de Caxias, pelos
afanosos esforços que há feito na pacificação da Província. – Campo do Poncho
Verde, 28 de fevereiro de 1845 – DAVI CANABARRO.
Logo após Manuel Lucas de
Oliveira lança outra proclamação, em nome de José Gomes Vasconcelos Jardim,
presidente que fora da República Rio-Grandense, na qual, depois de fazer o
elogio dos farroupilhas, conclui:
-
Resta lembrar-vos, Rio-Grandenses, que cumpre desviar deste momento em diante,
quanto seja capaz de eclipsar tanta glória, quanto possa desvirtuar vossos
feitos, baixar-vos de ambição, enfim, quanto possa obstar que vossos nomes
ilustres voem à séculos remotos com
aquele esplendor de que por tantos títulos, por tantas provas, sois dignos –
Dizei comigo – somos outra vez Brasileiros – seremos sempre idólatras da
liberdade constitucional – Campo em Poncho Verde. 28 de fevereiro de 1845 –
MANUEL LUCAS DE OLIVEIRA.
No dia seguinte, pela manhã,
em seu acampamento ordena Caxias a formação de sua força e manda ler a seguinte
proclamação:
-
Rio-grandenses ! É sem dúvida para mim de inexplicável prazer o ter de
anunciar-vos que a guerra civil que por mais de nove anos devastou esta bela
Província está terminada.
Os irmãos contra quem
combatíamos estão hoje congraçados conosco, e já obedecem ao legítimo Império
Brasileiro. Sua Majestade o Imperador, ordenou por decreto de 18 de dezembro de
1844 o esquecimento do passado e mui positivamente recomenda no mesmo decreto
que tais brasileiros não sejam judicialmente nem por outra qualquer maneira
inquietados pelos atos que praticaram durante o tempo da revolução. Esta
magnânima deliberação do Monarca Brasileiro há de ser religiosamente cumprida.
Eu o prometo sob minha palavra de honra. Uma só vontade nos uma,
Rio-Grandenses: maldição eterna a quem recordar-se de nossas dissensões. União
e tranquilidade seja de hoje em diante a nossa divisa. Viva a religião, Viva o
Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil. Viva e integridade do
Império. – Quartel General da Presidência e do Comando em Chefe do Exército na
costa do Santa Maria, campo de Alexandre Simões a 1º de março de 1845 – BARÃO
DE CAXIAS.
MIGRANTES PARA SANTA MARIA
Apenas dois filhos do imigrante Johann Jacob Lampert optaram para se
estabelecer na metade sul do RS
KARL LAMPERT EM SÃO MARTINHO
Karl Lampert (1826-1911) deve ter casado
com Catarina Kruel em São
Leopoldo , pois nenhuma outra família com esse sobrenome
residiu em Dois Irmãos. Dali foram para Taquarí. Os filhos do casal: Carlos
Frederico, Ernesto Leopoldo, Henriqueta, Lidovina, Frederico Gabriel e Maria
Lampert, foram registrados em Taquari a partir de 1851 e batizados evangélicos.
Rosa, Emília, Izabel, Júlia, Amândio Fidêncio, Jacob Carlos e Leopoldo, foram
registrados e batizados evangélicos em Santa Maria após 1861. Cristiano Sezefredo, João
Batista, Adélia, Adelaide e Anatólio, foram registrados em São Martinho depois de
1874, todos católicos. - 18 filhos - nove homens e nove mulheres.
Cremos que foram direto de Taquari para São
Martinho e registraram em S. Maria por não haver, no momento, cartório ali, nem
igreja evangélica em
S. Martinho. Nosso avô
Leopoldo nos contou que nasceu em São
Martinho (o seu registro é de S. Maria)
Anos mais tarde, Karl, esposa e a maioria
de seus filhos, vieram para Montenegro, Lajeado e Porto Alegre. O casal faleceu
em 1911 e está sepultado em Montenegro no cemitério evangélico.
E SEU IRMÃO MICHAEL LAMPERT EM SANTA MARIA
Michael (1817) também deve ter casado com
Katharina Butze em São Leopoldo, pois o primeiro filho do casal, Carlos, foi lá registrado em 1843. Os seguintes: Klemens,
Michael Adam, Jacob, Carolina, Abraham e Adam nasceram em Dois Irmãos entre 1845
e 1854; O último, Peter, nasceu em Taquari em 1858. Os descendentes da maioria
ainda se encontram na região. Um número elevado deles optou pela vida militar,
no Exército, Aeronáutica e Brigada Militar.
Verificamos que os dois irmãos e seus
filhos moraram ao mesmo tempo em Taquari e ambas as famílias devem ter partido
em fins de 1860 para a região de Santa Maria.
Santa Maria ainda deveria estar decadente,
em decorrência da Revolução Farroupilha: Campos despovoados de gado, imóveis
depreciados, proprietários e filhos mortos em combate, dívidas e impostos não
pagos, viúvas desamparadas, inimizades, decepção e pobreza geral, mercado
atraente para quem dispusesse de energia, dinheiro ou crédito para adquirir propriedades rurais
em ruínas à venda. Foi o que os irmãos fizeram.
Michael, voluntário, foi engajado nas
fileiras do exército Imperial em 7-5-1838 e lutou até o centro do Estado. Após,
foi-lhe determinado que voltasse às suas origens, juntamente com seu cunhado Cap.
Carlos Clemente Kersting e o irmão deste, major Ferdinand August Maximilian
Kersting, afim de, com demais voluntários locais, combater o banditismo
praticado por desgarrados, expulsos e desertores do exército Farrapo, que estavam
praticando assaltos, roubos e assassinatos na região de Dois Irmãos. Cumpriram o que lhes foi ordenado.
Vemos que Michael, no exército, lutou
durante três anos e teve o seu primeiro filho em 1843, antes do fim da
revolução.
OMISSÕES
MANOEL
LUIZ OSORIO – Futuro Marechal e Patrono da Cavalaria era Tenente Coronel do
exército Imperial. Livro Farrapos, de Jorge Telles, pg 101. No livro História
Ilustrada do RGS, da RBS, na pg 122, destaca que Osório, Farrapo inicial,
repassou-se de volta ao Império. Lutou durante os dez anos da Revolução
Farroupilha. No Parque Osório em Tramandaí não encontrei qualquer referência.
Foi nomeado Ministro de D. Pedro II.
Dia 10-05-2011, Zero Hora publicou o mesmo no
“Túnel do Tempo”
TAMANDARÉ
– Futuro Almirante e Patrono da Marinha, foi oficial à bordo dos navios de
guerra do Alm. Greenfell, que evitou a tomada do porto de Rio Grande, sitiou os
republicanos na ilha do Fanfa e expulsou os Farrapos quando estavam tomando o
porto de São José do Norte.
COMBATE
DA ILHA DO FANFA – Encurralado pelo exército imperial e pela esquadra de
Greenfell, lutando bravamente por três dias e sem alimentos, Bento Gonçalves e
seu Estado Maior aceitaram de rendição oferecida por Bento Manuel. Seriam todos
liberados, desde que depusessem as armas e se comprometessem por palavra de
honra não mais entrar em luta contra o Império. Os soldados vencidos foram
mandados para casa e os oficiais ficaram soltos no acampamento dos vencedores.
Não confiando, Bento Manuel mandou vigiar Bento Gonçalves. Quando este mandou
para Piratini um emissário com determinações de guerra, Bento Manuel
interceptou-o e leu seu conteúdo. Mandou prender todos os oficiais e envia-los
como prisioneiros para o Rio de Janeiro, donde mais tarde se evadiram e voltaram
ao sul. Bento Gonçalves foi enviado para a prisão na Bahia, onde, por
intervenção da maçonaria, também posteriormente, fugiu e voltou à
Piratini.
NETTO
– O Tte. Cel do exército imperial Antônio de Souza Netto, proclamou a
república, sem consultar seus superiores imediatos, os monarquistas Cel. Bento
Gonçalves da Silva e Cel. Bento Manoel Ribeiro, autoridades máximas militares
no RS. Bento Gonçalves teve que aceitar o fato consumado, mas Bento Manoel
Ribeiro acabou trocando de lado na Revolução e ficou com o Império. Netto
assinou a ata do acordo entre os Farrapos, logo após Canabarro e foi à Poncho
Verde para fazer entrega do armamento e dos escravos ao Império, livro
Enciclopédia Rio-grandense, tema A revolução farroupilha, de Walter Spalding;
pg 279 e livro Farrapos – a Guerra que Perdemos, 2004, de Jorge Telles, pg.101.
Meio a contragosto, acabou aceitando a anistia geral.
No dia seguinte apresentou-se à Caxias, que
recebeu os comandantes Farrapos em seu acampamento no rio Santa Maria e também
fez a sua proclamação de paz, Sem qualquer dúvida, Netto foi o general que
gozava de maior prestígio entre as tropas da República. Desgostoso com o desfecho da revolução
emigrou para o Uruguai onde tinha propriedades rurais.
MANIPULAÇÃO
GARIBALDI
- Encontramos duas versões da Carta de Corso entregue no Rio de Janeiro: pg. 52
do livro Garibaldi e a Guerra dos
Farrapos, de Lindolfo Collor (1938) e pg. 22 do Garibaldi em São José do
Norte, de Elma Sant´Ana (2007):
......
cruzar os mares e rios onde trafegassem
barcos de guerra ou de comércio do Brasil, podendo apropriar-se DELES OU
TOMÁ-LOS PELA FORÇA DE SUAS ARMAS ....
.......... DE SUAS ARMAS COM O USO
DA FORÇA ......., alteração sutil do texto, escondendo desnecessariamente a autorização de captura de navio cargueiro e
de saque das mercadorias a bordo.
Os
livros Os Farrapos, 2003, de Carlos Urbim, pg. 89 e Anita Garibaldi,1999, de
Paulo Markun, pg. 96, repetem os mesmos
dizeres do livro de Lindolfo Collor.
PONCHO
VERDE - O obelisco comemorativo da paz cita: os defensores do Império e
Republicanos de Piratini ASSEGURARAM a unidade nacional e não ASSINARAM o
acordo de paz, como habitualmente é referido.
DESFILE
FARROUPILHA – Sempre o assisto com prazer, e vi, no ano passado, quando um
carro alegórico desfilava em frente ao palanque oficial, a “assinatura”
ostensiva, com uma grande caneta, das figuras que representavam David Canabarro e Barão de Caxias, assim o locutor anunciava,
do acordo de paz jamais realizado.
A GRANDE BATALHA QUE NÃO
HOUVE
O COMBATE DE TAQUARI EM 8 DE MARÇO DE
1840
Em 1949 mudei de residência de
Lajeado para Bom Retiro do Sul - distrito do município de Taquari - por motivos
profissionais. Morei lá durante 12 anos. Meu filho primogênito é conterrâneo do
David Canabarro, Taquariense nato.
Por ser sede do município, eu iria
pelo menos uma vez por mês à cidade, para atender afazeres burocráticos. Tive
contato e fiz muitas amizades, entre eles com José Leite Costa, Engº Agrônomo,
filho do advogado Adroaldo Mesquita da Costa, mais tarde ministro da Justiça do
Brasil - e que também morava em Taquari.
Povo generoso e cordial. Só guardei
boas lembranças,
Em Bom Retiro do Sul, envolvi-me em
atividades ligadas às tradições gaúchas. Fui um dos fundadores do CTG Querência
da Amizade, em 1957, e seu terceiro patrão. Misturávamos cultura riograndense e
revolução farroupilha. Foi o início do meu interesse pela história gaúcha e que
nunca mais teve fim.
Sabedor do combate de Taquari achei
no Google a foto do monumento comemorativo e lembrei que estive há muito tempo
no local para conhecer a área dos Caramujos nos arredores da cidade, o Passo de
Taquari, a ilha do Passo Velho. Transpondo o rio em direção à General Câmara,
indaguei ao barqueiro o sítio exato do final a contenda.
MONUMENTO DO COMBATE EM TAQUARI
(GOOGLE)
Interessado numa relíquia, pedi ao
meu amigo José Leite Costa (o Zé), que tentasse obter uma arma encontrada no
rescaldo da refrega - uma garrucha ou uma ponteira de lança de cruzeta - e me
informasse o preço. Deu em nada.
Em 1961 fui morar e trabalhar em
Encantado e, algum tempo depois, o Zé se apresentou no meu escritório portando
um sabre de cavalaria sem bainha, “doado” por um morador vizinho dos caramujos.
Não esquecera a minha encomenda. Logo vi que o Zé comprara o sabre e não quis
cobrá-lo de mim. Era bem típico dos açorianos de Taquari.
Examinando o sabre, constatei que a
lâmina dele, “Solingen”, era mais grossa e mais pesada do que as demais que eu
tinha também da época farrapa (tinha quase o dobro da largura). Deveria ser
portada por um homem vigoroso. Os copos do sabre já com folga, demonstraram o
tempo de “serviço” da arma e não havia dúvida sobre a sua antiguidade. Pela
fonte e pelo aspecto, admiti a sua legitimidade. Vide foto.
Desejando escrever crônica a
respeito da origem do sabre e do combate de Taquari, procurei nos livros históricos
que herdei do meu pai, nos que eu havia adquirido e também no Google, material
histórico que orientasse a minha crônica. Com surpresa, constatei que quando
mencionado o combate, havia apenas frases esparsas e sem valor real. Tentei
contato com outros historiadores e recebi sempre a mesma resposta. Não tinham
nenhum conhecimento efetivo.
No Google, vi o nome do historiador
taquariense Riograndino da Costa e Silva (primo do Zé) e passei a procurar seu
livro – São José do Taquari. Consegui xerox do tema que me interessava.
O livro reproduz crônicas de Othelo
Rosa, publicadas no jornal O Taquaryense a partir da edição de 1° de julho de
1939, que mostrarão o roteiro a ser seguido em resumo por esta crônica.
Em Taquari e seus arredores, na zona
compreendida entre os arroios Pinheiros e do Moinho, no ano de 1840 o governo
imperial e os republicanos rio-grandenses mobilizaram os maiores efetivos da
guerra que, durante todo o decênio, estiveram face a face (pág. 193).
Em números globais: as forças legais,
sob o comando do Gal. Manoel Jorge Rodrigues, 7.000 homens; as hostes
republicanas comandadas pelo Gal. Bento Gonçalves da Silva, 6.000 homens.
O Império e a novel República
jogariam, no lance, cartada perigosa e decisiva. Bento tinha necessidade de resolver
logo a parada com os imperiais, que dia após dia aumentavam em número e
armamento suas forças e qualquer demora seria fatal.
Manoel Jorge não tinha pressa. O
correr do tempo estava ao seu lado.
Bento, ao lado de David Canabarro,
Netto e suas tropas (incluindo Garibaldi, Anita e seus marinheiros a pé),
chegou primeiro e escolheu um local favorável às suas armas, com um leve
declive à sua frente, a existência de um arroio e um mato fechado que garantia
seu flanco esquerdo. Posicionou seus três canhões à frente da infantaria, a
cavalaria na retaguarda (apta a manobrar) e se preparou para ser atacado pelos
imperiais. Manoel Jorge, prudente e acautelado, se posicionou à pequena
distância e, vendo a posição favorável do inimigo, preparou-se também para ser
atacado e ficou aguardando. Sua cavalaria, no momento, não estava em sua melhor
forma.
Bento vacila (surpreendido pela
inércia de Manoel Jorge), não desfere o golpe e adia o encontro para o dia
seguinte. Se sucedem pequenas escaramuças e combates de cavalaria. A noite cai
sem batalha. Ao madrugar do dia, uma cerração densíssima envolvia Taquari, que
só se dissipou às 10 horas da manhã. Foi então que os farroupilhas, tomados de
espanto, verificaram que o inimigo desaparecera. Indescritível o desespero no
acampamento farroupilha. A retaguarda dos imperiais ainda estava terminando de
atravessar o rio.
Bento manda carregar e ataca os
remanescentes entrincheirados na barranca do rio, sendo que eles estavam
sustentados por uma barca a vapor e navios a vela, com seus canhões
direcionados aos atacantes. Novamente surpreendido, Bento, em pequenas
escaramuças reage e, pelo número de mortos de cada lado - 201 Imperiais e 270
farroupilhas mortos - verifica-se que apenas pequenos grupos se defrontaram.
Número irrisório ante a possibilidade evidente de uma carnificina num corpo a
corpo generalizado.
Manoel Jorge, recuando, preservou
seu exército de um possível desastre. O desgosto entre os chefes farroupilhas
iria prejudicar-lhes grandemente a unidade de ação. Bento, como comandante
indeciso, foi responsabilizado e criticado asperamente.
Bento Gonçalves da Silva perdeu a
última oportunidade de um confronto “tudo ou nada”. Jamais se repetiria.
Bento recuou com seu exército para o
sítio de Porto Alegre. Canabarro e Netto
dirigiram-se para suas regiões na campanha.
A revolução seguiu seu curso natural
e até a paz surgir, ceifaria a vida de muitos combatentes.
Tentativas de paz foram realizadas,
mas havia um ponto inegociável pelos dois lados. Os farrapos queriam um acordo
entre dois países e o império considerava os farrapos como revolucionários
dentro do estado do Rio Grande do Sul. Não seria um país. Não tinha uma
constituição, fronteiras definidas e aceitas pelos vizinhos, não era
reconhecido pelos demais países, não enviara embaixadores nem os recebera, não
convocara eleições entre a população.
Somente em 1845 os farrapos (de má
vontade) aceitaram que seriam todos anistiados. Convocaram 26 oficiais do
exército farrapo que, de comum acordo entre eles, aceitariam a paz com os
imperiais condicionando que o Império atendesse uma série de condições entre
elas a libertação dos escravos que lutaram ao lado dos farrapos. O Império
simplesmente ignorou essa cláusula e nenhum farrapo reclamou. Podiam tê-lo
feito, mas não libertaram nem seus próprios escravos companheiros de luta.
A paz foi selada verbalmente e
documentada em 28 de fevereiro de 1845 por
declarações formais dos líderes farrapos David Canabarro e Lucas de
Oliveira, em nome de José Gomes Vasconcellos Jardim. Consideraram a luta
terminada e em 1º
de março, por proclamação do Barão de Caxias aos seus comandados, informando
que os revoltosos já haviam deposto as armas, aceitaram a anistia e estavam
novamente congraçados como súditos de S. M. I. Dom Pedro II.
Caxias determinou que os Farrapos
que se dirigissem ao Ponche Verde para entrega dos escravos e dos armamentos.
Netto inclusive.
Um obelisco em Ponche Verde comemora
que naquele local a paz foi assegurada.
PÁTRIA E QUERÊNCIA
Guido Ernani Kuhn
A impressão que se tira, a cada
setembro, é que aqui no Sul o dia 20 tende a superar o dia 7. Não sei se por
causa da fétida lama federal, ou por outras razões interiores de cada peito
gaúcho, é visível que o evento regional cresce e até se prolonga em duração
(era Semana Farroupilha, agora já é quase Mês), em vibrantes manifestações do
civismo e da cultura do Sul. No sentimento do povo gaúcho, o amor à terra é
cada vez mais focado no Rio Grande, essa querência regional com sua marcada
cultura e o peculiar jeito de ser de sua gente, que tem hino próprio e o canta
com ardor. Esse pessoal que faz cavalgadas, será que as faria pelo 7 de
Setembro? Nossa cara e nossos costumes são diferentes, e há até peculiaridades
inconfundíveis na língua.
A
origem disso já tem 172 anos, apenas 13 anos a menos que o Brasil independente.
É até espantoso como vem crescendo entre nós o interesse por essa história,
iniciada a 20 de setembro de 1835, tendo por estopim, segundo relata o padre
Theodor Amstadt, um imposto territorial de 10 mil réis por légua quadrada,
decretado contra os latifundiários, para reforçar o caixa da cidade. A légua
quadrada media 4.356
hectares , e 10 mil réis era uma bagatela, por si só
incapaz de provocar uma guerra. Foi apenas a gota d’água que entornou o caldo.
Havia
outras causas bem mais fortes, ainda represadas, que se somaram no caudal da
revolta. Hoje, a paixão é tão grande que muitos gaúchos se incomodam com os
historiadores que têm versões desabonadoras à memória dos grandes heróis
daquela epopéia, como Garibaldi, Canabarro, o General Antonio de Souza Netto,
que foi quem proclamou a República de Piratini, a 11 de setembro de 1836, além
do próprio Bento Gonçalves, que foi o primeiro presidente. Entre outras coisas,
diz-se que a Paz de Ponche Verde teria sido uma farsa, uma rendição assinada
apenas pelos farrapos e nenhum representante do Império, salvando a pele das
elites farroupilhas, mas não dos escravos que estavam com eles.
O
levante dos farrapos eclodiu 11 anos depois da chegada dos primeiros imigrantes
alemães a São Leopoldo. O Império não tinha honrado os contratos com eles, e,
do outro lado, os fazendeiros faziam pressão política contra o progresso das
colônias, muitos desejando ter nos seus latifúndios a força de trabalho dos
imigrantes. O impasse chegou até a suspender novas imigrações, a partir de
1830. Sem alternativa e cercados de fúria, como caranguejos entre o mar e o
rochedo, os colonos estavam na linha de fogo, nas barbas do grande alvo que era
a Capital da Província. Não conheciam a língua nativa, a guerra não era deles e
sequer sabiam se a luta era do bem contra o mal, ou apenas uma disputa política
de poder. Dos que entraram na revolução, a maioria ficou do lado do Império,
liderada por Johann Daniel Hillebrand, um alemão que era coronel da Guarda
Nacional e depois também Diretor da Colônia de São Leopoldo. Outros, sob
pressões e ameaças, aderiram aos farrapos, entre eles Hermann von Salisch, que
por isso foi deposto da Direção da Colônia.
Todos
os colonos, inclusive os neutros, que eram maioria, estavam constantemente sob
o risco de invasão, confisco de bens, massacres, torturas, degolas e outras
formas cruéis de assassinato. Coisas que aconteceram tanto que, após nove anos
de guerra, a Colônia, com pouco mais de cinco mil almas, tinha 15 habitantes a
menos do que no começo. É um cenário que, mais tarde, se repetiria outras
vezes, de forma até mais cruel, como na Revolução Federalista de 1893. Para
tomar Porto Alegre, defendida pelos caramurus do Império, talvez tenha
faltado aos fazendeiros farrapos maior harmonia com os colonos. Com o campo e a
roça divididos, a Capital resistiu, e por isso até foi chamada de “Mui Leal e
Valorosa Cidade de Porto Alegre”.
A
história verdadeira é aquela que realmente aconteceu, mas talvez não seja
exatamente a história que temos para contar, que inclui versões e
interpretações, o que provoca as divergências. Afinal, isso não é uma simples
soma de dois mais dois. Seja como for, uma guerra é sempre horrorosa, principalmente
quando corre sangue do jeito que correu. Uma guerra nunca é limpa e nela não há
santos. Sua única regra é a falta de regras. Por isso, não podemos festejar uma
guerra, nem mesmo nos incomodar muito com o que descobrem os historiadores
sobre ela. Mas podemos lembrar os ideais que a motivaram, as lições que dela
saíram, os valores que a ela sobreviveram e os heróis que ficaram. É o que os
gaúchos fazem, com ardor, a cada 20 de setembro. Hoje, embora não tenhamos
convívio fácil na política e no futebol, é muito bom que estejamos em paz como
gaúchos e brasileiros, porque pelo menos nisso estamos todos do mesmo lado.
(12/9/2007)
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