domingo, 6 de junho de 2021

 

 

 

 

OS FARRAPOS

 

 

 

 

 

 

 

                    

 

 

 

LEANDRO LAMPERT

                                       HISTORIADOR

 

 

 

Abril 2019

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

S U M Á R I O

 

 

OS FARRAPOS

 

                      Preâmbulo ………………………………  4

                      O cenário ………………………………..   4

                      A Revolução Farroupilha ……………....  8

                      Garibaldi ………………………………… 12

                      Vitor Emanuel II ………………………… 16

                      A expedição dos mil …………………… 17

                      A retomada de Porto Alegre ………….. 20

                      Imigrantes em trânsito …………...……. 22

                      Ata dos Farrapos …………………...….. 24

                      Luta e Paz …………………………...….. 26

                      Migrantes para Santa Maria …………..  27

                      Omissões ……………………………..… 28

                      Manipulação ………………………….… 29

                      A grande batalha que não houve ……. 30

                      Pátria e Querência …………………..…. 33

 

                     

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

PREÂMBULO

 

                      Desde menino, as histórias das revoluções do RS foram objeto de minha atenção e curiosidade, ouvindo meu avô Leopoldo, proprietário de um haras de criação de cavalos puro sangue inglês em Itaipava dos Ramos, no interior do município de Lajeado e seus dois irmãos. Os três com um casal de filhos (os homens sempre presentes) e mais um vizinho, Tte. do exército Heitor Alves de Oliveira, no chimarrão em nossa casa todas as tardes. O tema, sempre os cavalos, as revoluções do RS e mais tarde a II grande guerra na Europa.

            Meu avô e dois dos seus irmãos (um era maragato) participaram ativamente da revolução de 1893 e meu pai e seu vizinho Tte. Heitor, da fracassada revolução de 1932, quando parte mínima dos gaúchos se incorporou aos paulistas e foi derrotada por Flores da Cunha.

            Nunca comentada, por desconhecida, a participação de dois Lampert, Klemens (1845) e seu primo-irmão Karl (1846) na guerra do Paraguai. O primeiro foi ferido (ou desertou) e voltou a Dois irmãos, pois teve um filho antes do término da guerra. O segundo foi morto nas batalhas de Curuzu em 1º de agosto de 1866.

            Havia, ainda, um vago rumor que um Lampert participara da Revolução Farroupilha – um farrapo, seria óbvio.

 Somente meio século após, com amarga decepção (logo superada), encontrei elementos que permitiram conhecer a participação de Michael Lampert (26-12-1817), emigrado com sua família, engajado como soldado voluntário na cavalaria do exército imperial em 7 de maio de 1838. Lutou por três anos durante a Revolução Farroupilha. No livro, conto a sua história.

Nossos antepassados foram o que foram. Sabiam o que estavam fazendo. Não nos cabe julgá-los.

            Farei o relato de “Os Farrapos” sob o ponto de vista provável do Michael

             

 

O CENÁRIO

 

 O RIO GRANDE DO SUL

                                                          

            O RS foi colonizado muito depois dos demais estados brasileiros. Um século antes da chegada dos alemães (1725) os lagunenses começaram a desbravar o deserto verde que ia de Torres até a Colônia do Sacramento e se mantiveram somente nas áreas próximas ao litoral do Atlântico.  Anos mais tarde, casais açoritas foram trazidos pelo governo português para povoar as terras da margem direita do rio Guaíba e da Lagoa dos Patos, para se ocupar dos afazeres da lavoura a que estavam habituados na vida insular. Começou então a saga que nunca mais teria fim: os problemas na distribuição das famílias nos lotes prometidos. A região da campanha não os queria e depois de muitas protelações, foram assentados em Viamão e parte dali transferidos para Triunfo, Taquarí, Santo Amaro, Santo Antônio da Patrulha, Rio Pardo e outras regiões. Estes açorianos imprimiram e mantiveram  até hoje as características que distinguem estas cidades das demais do estado.

            Incompetência, má administração e corrupção nos órgãos públicos responsáveis, marcaram o início da destinação oficial das propriedades rurais, males  que  para sempre se mantiveram presentes e hoje mais do que nunca.

            Quase todas as terras devolutas do estado já estavam invadidas pelos militares que participaram das lutas platinas e seus familiares, executando por conta própria o povoamento das terras, incluindo as até então chamadas “campos neutrales”.  O governo acabou por sancionar como doações de sesmaria as terras que já estavam ocupadas, apenas legalizando fato consumado, já que o objetivo inicial havia sido alcançado: o povoamento da região meridional pelos lusitanos, efetivando a posse definitiva da região para a coroa portuguesa.

            Cada estancieiro era um guerreiro sempre pronto, juntamente com sua família, empregados e escravos, para ser recrutado gratuitamente pelo governo. Se apresentavam munidos de armas, os cavalos encilhados para transporte e se alimentavam de carne do gado abundante na região. Era um exército sem custos, aguerrido e conhecedor da região. Nas guerrilhas, era imbatível.

              A geografia do pampa com suas pastagens nativas abundantes, quase infinitas e gado alçado vagando, milhões de cabeças, sem dono pelos campos, depressa inclinou os povoadores para a pecuária extensiva, permanecendo apenas a agricultura de subsistência, não atingindo um dos objetivos iniciais do governo, o de fornecimento de gêneros alimentícios agrícolas para o exército regular e para os povoadores das cidades que já começavam a despontar,

              Graças aos lagunenses e a estes militares-estancieiros que ocuparam as terras de campo aberto (até então sem lei nem rei) juntamente com o exército  português existente no sul, nossas fronteiras meridionais foram alargadas e fixadas à ferro e fogo, durante um século, em lutas quase contínuas com os castelhanos.

            Estava pronto o cenário para o início da grande epopeia da imigração em massa de povos centro-europeus, de línguas e costumes completamente diferentes dos até então existentes no RS, sob a supervisão governamental. Sua influência e alcance jamais poderão ser medidos, nem as aventuras, padecimentos e sucessos dos imigrantes narrados em livros e mostrados em filmes editados com o vigor realístico que os demonstre, revelando ao gaúcho atual sua enorme dimensão e influência nos destinos do nosso estado. Hoje, cerca de quarenta por cento da nossa atual população é consequência dessa resolução de Dom Pedro I e seu filho D. Pedro II.                             

Depois da Independência, D. Pedro I, vendo que as terras de mato não eram ocupadas pelos estancieiros gaúchos, procurou e achou nova fonte de povoadores nos habitantes de língua germânica que viviam em condições difíceis em suas terras europeias e recém saídos de anos de conflitos armados. Não vieram como pedintes ou foragidos, mas atendendo insistente convite do governo brasileiro, que credenciou e contratou o major Schaeffer, para recrutar os agricultores a emigrar para o Brasil, encontrar o sonho de felicidade e terra própria.  Promessas mirabolantes não faltaram.

            A escolha da região para a colonização não encontrou impedimento por parte dos estancieiros, pois não provocava concorrência na posse da terra nem no ramo de atividade. Até pelo contrário, a existência de glebas de floresta sem dono, para colonização, permitiria que os intrusos e posseiros (ilícito já então existente no meio rural) encontrassem locais para assentamento, reduzindo a pressão sobre os ruralistas.

            A chegada de imigrantes de origem alemã não provocou discriminação racial contra os novos povoadores. Não havia sequer contato recíproco. Mais tarde, a discriminação passou a ser social e econômica. Esta, com o progresso material e cultural dos imigrantes, o tempo se encarregaria de minorar e extinguir.

            O trabalho braçal na lavoura ou artesanato, dali em diante, perderia o conceito de vergonhoso, até então existente na mentalidade do povo. Trabalho duro era para negro escravo.

            Durante 50 anos, a partir de 1824, com a interrupção de 10 anos no período da  Revolução Farroupilha, milhares de colonizadores atenderam ao chamamento e vieram participar com seu concurso  obstinado no desbravamento da nova terra. Depois da guerra dos farrapos, também iniciou-se a colonização patrocinada pela província do RS e igualmente, por agentes particulares, que compravam, loteavam, vendiam e financiavam as terras para os novos colonos, introduzindo a prática curiosa de separação dos assentamentos de acordo com a religião dos compradores. Havia óbvias razões econômicas. Bastava uma única igreja, escola, cemitério, etc. Era a reforma agrária privatizada.  Teve total sucesso e deixava o agricultor liberto da orientação burocrática do governo. Passado o período desbravador no vale do rio dos Sinos, toda a colonização das áreas excluídas dos povoamentos iniciais, foi feita somente pela iniciativa privada durante o século seguinte. O tempo mostrou que agricultores subsidiados reduziam-se à economia de sobrevivência quando cessava a ajuda do governo. Ainda hoje é assim.

            Cinquenta anos após a chegada dos alemães iniciou-se a colonização italiana, que também durou quase 50 anos. Estes bravos italianos que emigraram pelos mesmos motivos dos alemães, foram jogados na agreste região serrana sem a menor assistência ou estradas de acesso. Mesmo assim, sobreviveram e progrediram. Encontramos cópia de propaganda de convencimento dos italianos para emigrar para o Brasil. Dizia “Brasile, il paese della cuccagna” (Brasil, o país da fartura). A fartura só foi encontrada depois de muitos anos de   trabalho e sacrifícios.  Partiram do acidentado nordeste da Itália, região do Vêneto e encontraram aqui o mesmo perfil montanhoso de suas terras de origem. A principal diferença era que no RS ainda havia terra, mato e passarinho à vontade. Também trouxeram seus usos e costumes, durante muito tempo exclusivos seus e somente muito mais tarde, lentamente incorporados aos já existentes em nosso Estado. Na alimentação, nos trouxeram o galeto, a polenta, o salame, as massas e o consumo de radicci. Tentaram nos trazer o vinho italiano, mas não tiveram sucesso por terem suas videiras destruídas por pragas e falta de adaptação ao solo e ao clima. No caso do vinho, foram socorridos pelos descendentes dos alemães que cultivavam viníferas  ha muitos anos e já tinham suas cantinas industriais no vale do Caí. A Revista do Vinho, em seu número 4, ano I, de janeiro e fevereiro de 1988, publicação da UVIBRA, em artigo “História da uva e do vinho no Rio Grande do Sul”, em artigo de Rinaldo Dal Pizzol, nos conta à pg. 30, que um dos casais pioneiros imigrantes  italianos Tommaso e Maria Radaelli, conseguiram os primeiros bacelos de videira adaptada  ao solo e clima, junto ao  imigrante e agricultor  Jacob Ruschel, de Linha Feliz, nosso antepassado pela linha materna. Fato conhecido da nossa família por tradição oral.

            Os alemães, pelo menos tinham os rios, a estrada que anda, permitindo o transporte fluvial que os imigrantes já estavam habituados a utilizar nos rios  existentes em sua antiga pátria, para o transporte de pessoas e  produção agrícola. Os italianos nem isto.

             Os imigrantes depressa aprenderam a não pedir nem esperar nada do governo. Quanto mais longe das autoridades, melhor. Era a opinião generalizada. Se o governo não estorvasse, já estava muito bom. Não mudou muito até hoje. As pendências eram solucionadas com a lógica e a sabedoria populares da mesma forma como haviam sido resolvidas em suas localidades de origem na Europa.

            Formaram-se então núcleos isolados de colonização com pessoas de origem, mentalidade e língua diferentes, que raramente necessitavam comunicar-se entre si.    Descendentes de lusitanos, alemães e italianos mantiveram vivos por muito tempo seus costumes originais e preconceitos recíprocos, alguns existentes ainda hoje.

            A colonização com imigrantes alemães e italianos, foi a principal responsável pela acentuada diferença econômica entre a homogênea e operosa metade norte do RS, de pequenas propriedades rurais e industrial, e a estagnada metade sul, de  latifúndios e sem indústrias, que se acentua cada vez mais. Os descendentes destes imigrantes não se limitaram ao Rio Grande do Sul. Iniciaram a diáspora dos gaúchos e estenderam, mais tarde, também o mesmo progresso, colonizando de forma similar e sem o estorvo do governo, o oeste de Santa Catarina e sudoeste do Paraná, que são gaúchos em sua mentalidade e condições sócio econômicas.  Apenas a geografia física os separa. Individualistas, tinham a coragem e o ânimo dos que sempre serão vencedores. Não havia lugar para fracassados.   Hoje, os encontramos no Mato Grosso, Goiás, Bahia, Rondônia, Roraima, Amazonas, Brasília e em toda a parte. Conhecemos quase todos os estados do Brasil e muitas vezes, ao nos identificarem como gaúchos pedem que mandemos mais dessa gente para lá, para serem fatores de desenvolvimento. Localizamos ainda, famílias Lampert, emigradas do RS para a Argentina, Paraguai, Estados Unidos, Áustria e Suécia.  

            A colonização pela pequena propriedade rural gerou riquezas que levaram as famílias numerosas ter a necessidade de migração para os demais estados da federação, levando seus descendentes mais ativos e o capital acumulado pelo rendimento agrícola a adquirir novas glebas de terras, por sua conta e risco, empobrecendo o RS de pessoas capacitadas e descapitalizando implacavelmente nosso estado, que perdeu para sempre homens e capitais que nunca mais retornarão. Este processo, que já dura meio século, ainda hoje e cada vez mais, continua atual. Seria de esperar que os agricultores excedentes adquirissem e colonizassem as áreas existentes e disponíveis na região sul do RS, mas preferiram ir para outros estados, onde se agruparam por interesses econômicos e não mais por etnias. A democracia racial se efetivou com naturalidade, ainda que lentamente, mas a discriminação religiosa continua viva até hoje. Não era tão fácil esquecer e eliminar preconceitos arraigados na cultura e nas famílias tanto tempo. Possivelmente o fato da região sul ter sido palco de extrema e  impiedosa violência duas gerações atrás, na época da revolução Federalista, inibisse qualquer colono pacato a transferir-se para aquela região.

            Outra consequência da geração de riquezas na zona rural de policultura e pequenas propriedades é a criação de indústrias artesanais, inicialmente caseiras, logo mais de estabelecimentos médios nas cidades e por fim transformados em parques industriais que trouxeram riqueza e progresso a partir dos núcleos iniciais de assentamento dos imigrantes, alemães nos vales dos rios dos Sinos, Taquari, Caí, Pardo e Jacui e italianos em cima da serra, na região de Caxias do Sul. A indústria e seu complemento, o comércio, logo acompanharam a dispersão das colonizações. Surgiram de humildes iniciativas industriais os atuais grandes empresários que, graças à sua dinâmica e capacidade administrativa se distinguiram e continuam impulsionando a formação de novas riquezas.  

            Com a colonização alemã, D. Pedro I tinha como objetivo a ocupação das terras de floresta ainda incultas e próximas da capital e a região missioneira, esta em face da proximidade com os platinos, sempre inconformados pela permuta efetivada entre Portugal e Espanha daquela vasta região pela pequena e sempre contestada vila da Colônia do Sacramento, no extremo sul do Uruguai, de acordo com o tratado de Madri em 1750. A colonização das terras do Alto Uruguai se fez esperar por mais sessenta anos para que se efetivasse naturalmente em ondas sucessivas. O isolamento e as distâncias da capital Porto Alegre, talvez tivessem sido as principais razões da falta de interesse dos emigrantes em povoá-las. Eram indispensáveis os meios de comunicação e transporte da produção agrícola e pecuária para as cidades consumidoras ou destinadas à exportação. Muitos anos se fizeram necessários até que o governo da república providenciasse  em resolver os problemas de transporte, abrindo o caminho para a colonização espontânea.

            Era evidente, também, o desejo de “branqueamento” da população.

            Igualmente, tendo em vista que a alforria dos escravos não os fazia tornar parte nos mecanismos da produção e da economia, pois para o ex escravo, na época, o supremo objetivo era o ócio. Ele passava a trabalhar somente tantos dias quantos eram necessários para sua sobrevivência, sem capacidade de exercitar seu direito na participação da economia do regime capitalista, onde poderia e deveria ser inserido.   Era mais uma razão para trazer imigrantes que se constituíssem, com o tempo, em uma pequena burguesia rural e artesanal que se incorporasse ao processo econômico.                   

 Nem em sonhos o português D. Pedro I e sua esposa austríaca D. Leopoldina poderiam imaginar que o empreendimento de iniciar a emigração de agricultores centro-europeus para RS atingisse o sucesso que alcançou. D. Pedro foi feliz na escolha da época, do lugar e das pessoas.

 

 

A REVOLUÇÃO FARROUPILHA - 1835

                                                                                                                                              Os emigrantes também não conseguiram livrar-se das guerras no novo mundo e todas as suas tragédias decorrentes. O imigrante Michael Lampert, 26.12.1817, 6º filho do imigrante Johann Jakob Lampert (e avô no nosso futuro Marechal do Ar Miguel Lampert), no decorrer da revolução Farroupilha, foi engajado em 07.05.1838 e serviu no exército legalista, por três anos, como soldado sob o comando do Major Ferdinand August Maximilian Kersting, Comandante da Cia. de Caçadores de Voluntários Alemães e defensor vitorioso na luta contra os Farrapos que tentaram tomar Dois Irmãos, reduto legalista e quando Porto Alegre e São Leopoldo já se achavam em poder deles. Esse militar era irmão de Carlos Clemente Kersting, nascido em 28.12.1815 em Celle, Hanôver e falecido em 06.02.1899, casado com Maria Catharina Lampert, 4º filho do mesmo Johann Jakob (Os Emigrantes Alemães e a Revolução Farroupilha, pg. 196 de Germano Oscar Moehlecke).

            Na revolução não faltaram os desmandos dos Farroupilhas, quando em pequenos grupos, dizendo-se mandatários dos revolucionários, atacavam as casas dos colonos para "requisitar" à força, alimentos, cavalos e gado. Não foram poucos os que, revoltando-se no ato, foram barbaramente trucidados na frente de seus familiares. Livros históricos os relacionam.

            Por sua índole pacata, de adventícios no novo continente e por atavismo histórico, os emigrantes, com raras exceções, ficaram sempre do lado da legalidade. O Imperador D. Pedro II representava a Lei e a Ordem. Era o único capaz de sensibilizar os imigrantes para a guerra, depois de tantas más recordações da pátria de origem. Os imigrantes apenas participaram das lutas fratricidas no sul, quando seus lares e bens foram atacados e violados pelos revolucionários. Venceram todas as revoluções pelo lado do Império e da República. É interessante ver que no RS quem festeja as revoluções são os perdedores. De uma delas, festeja-se a data do início, 20.9.1835, mas não a data do fim melancólico, com um arremedo de acordo honroso, em 28.2.1845. Esse acordo foi assinado apenas por 26 oficiais Farrapos, que enumeravam suas aspirações para a conclusão da guerra. Era consequência implícita das exigências do Império: Os Farrapos deviam dar por encerrada a aventura da república: Os Farrapos aceitavam a monarquia constitucional vigente e reconheciam D. Pedro II como chefe supremo do Brasil, e o Imperador anistiava os insurgentes. A República Riograndense, nos seus nove anos vida, jamais foi reconhecida no conserto das nações. Nem o vizinho Uruguai a reconheceu como país. Em verdade, a República, durante seus nove anos existência, foi diminuindo de território, a cada ano, até restar apenas um pequeno reduto em torno de Alegrete, junto à fronteira com o Uruguai e a Argentina.

            Os Farrapos perderam a revolução no mesmo dia da eclosão da revolta, ao  tomar e não conseguir manter mais do que  poucos dias suas tropas nos portos de Rio Grande e São José do Norte, única saída para o mar e decisiva para manter as tropas do império afastadas do território gaúcho. O porto igualmente era necessário para a exportação do charque gaúcho, que teve asfixiada sua atividade pastoril-industrial, reduzindo o preço do gado para um pouco mais de nada. Perdido o porto, perdida a revolução. Outro erro imperdoável foi permitir a fuga, por barco fluvial, do Presidente da Província. O governo não foi deposto, apenas trocou de endereço. A capital passou a ser Rio Grande.

            Segundo o manifesto de Bento Gonçalves, a revolução tinha como objetivo afastar o Presidente do Estado, por má e odiosa administração e restaurar o império da Lei, mas mesmo depois de ter sido trocado o Presidente da Província, a revolução prosseguiu em seu destino.

            Em todo o Brasil, incluindo o Rio Grande do Sul, na época da monarquia, a população gozava de todas as liberdades e direitos possíveis. Havia uma Constituição em vigor, respeitada por todos e a população, pelo voto partidário e livre, escolhia os seus representantes no legislativo. Os gaúchos eram dirigidos pela aristocracia latifundiária e escravocrata.

            Quando foi deflagrada a revolução Farroupilha, o Rio Grande do Sul desfrutava de grande prosperidade. Sua principal atividade pecuária, a criação de gado era altamente valorizada pela produção de charque, destinado à alimentação dos milhares de escravos mantidos nos estados leste-setentrionais do Brasil. Assim, nunca poderia ser objetivo dos Farrapos a abolição da escravatura, que somente levaria sua única produção pecuária a prejuízos, pois perderia os compradores de charque. Escravo liberto jamais iria comprar charque para sua alimentação.   A escravatura no RS atingiu o máximo de sua abjeta existência, justamente nos estabelecimentos degradantes de abate de gado bovino e sua transformação em charque. Já o escravo do estancieiro, cavalgava e trabalhava em lides campeiras ao lado de seu dono, comia a mesma comida, corria os mesmos riscos no trabalho e cumpria, no mínimo, o mesmo horário. Nas revoluções, voluntário ou não, era convocado ao serviço militar sob as ordens de seu amo e lutava com igual valentia. No calor da refrega, era matar ou morrer.

             Os Farrapos não obtiveram nada do que serviu como pretexto para a revolução. Ficou no mesmo o valor do imposto na exportação do charque, perderam a independência e a república, e não obtiveram a alforria dos escravos que lutaram ao seu lado.  Bastava um ato de vontade, mas não alforriaram nem seus próprios escravos. Bento Gonçalves, falecido pouco depois do término da revolução, deixou em seu espólio, como herança, 33 escravos, entre eles, companheiros de luta. Conseguiram apenas que o imposto sobre o charque importado do Uruguai fosse elevado para 25%, o que melhorava as condições de competição, e o direito de indicar o presidente da província, já existente antes da revolução, que acabou recaindo sobre Caxias, que havia sido o mentor dos últimos movimentos militares que tiraram por completo as condições dos Farrapos continuarem resistindo por mais tempo e construtor das condições amenizadas que deram fim ao movimento guerreiro. Caxias cedeu aos Farrapos muito mais do que estava autorizado a fazer, assim como David Canabarro concedeu ao Império muito mais do que o limite imposto por seus companheiros Farrapos. Sem a menor dúvida, o Império necessitava ter novamente em suas fileiras os militares revoltosos que com destemor, o haviam enfrentado, de igual para igual, durante quase dez anos. Eram insubstituíveis. Mas a paz foi feita graças a esses dois patriotas e transigentes brasileiros. Ninguém reclamou.

            Uma das causas Implícitas que originaram a revolução foi a notícia que seria cobrado pelo Império um imposto sobre as terras dos pecuaristas. O imposto territorial, segundo o padre Amstad, seria no valor anual de dez mil reis por légua quadrada (4.356 ha), valor irrisório, além da informação que maiores medidas seriam tomadas para coibir o contrabando de gado e mercadorias com o Uruguai. Não havia causas econômicas locais. A proximidade com o Uruguai, a existência de fronteiras secas e tendo brasileiros como grandes proprietários de terras no norte de Uruguai, necessitava de liberdade de passagem de gado e mercadorias contrabandeadas entre os dois países. A quebra dessa liberdade (não chamamos esta atividade de crime) contrariava um costume arraigado. A prática não aviltava o bom nome dos envolvidos e era aceita com naturalidade por toda a sociedade da época.

            A abolição da escravatura em 1889 foi a causa econômica que deflagrou a revolução de 1893, quando então sim, pela falta de compradores do nosso charque, as terras de pecuária e o gado bovino perderam substancial valor, além de novo arrocho à prática do contrabando.

            Já tarde demais, Bento Gonçalves lamentou a falta de um porto e a inexistência de navios de guerra suficientes para contrabalançar a armada dos imperiais. Bento Gonçalves, após o desastre militar na ilha do Fanfa, onde todo o seu exército, foi aprisionado, inclusive ele próprio.  Quando se encontrava preso em fortaleza do Rio de Janeiro, recebeu a visita de Giuseppe Garibaldi e com ele contratou o estabelecimento de corso para atacar os navios mercantes do império, mediante o recebimento de um terço da carga pilhada do navio atacado, como forma de pagamento (Garibaldi e a guerra dos Farrapos, de Lindolfo Collor), não ajudou o suficiente. Foi o único corsário em atividade nos mares e nas águas interiores do Brasil. A busca de um porto marítimo levou os Farrapos à aventura que terminou no fracasso de tomar e manter Laguna (SC) e criar a República Juliana. Durante algum tempo, Garibaldi utilizou o porto para abastecimento do Seival para as atividades de corso. A resposta do Império não demorou. Ou afundava o Seival ou tomava o seu porto de abastecimento. Fez os dois. Uma frota de navios de guerra do Império irrompeu pelo canal de acesso ao porto e derrotou mais uma vez os Farrapos, afundando o Seival que lutou corajosamente até o fim. Foi a pique na única batalha que participou. Gloriosamente, afundou crivado de balas e com seus canhões vomitando fogo sobre os imperiais até o último cartucho. Seu parceiro de travessia terrestre, o Farroupilha, já havia naufragado em temporal na viagem de Tramandaí à Laguna. Este navio de guerra afundou sem jamais ter disparado um único tiro de canhão. Estes heroicos riograndenses não sabiam lutar em batalhas convencionais e estáticas, nem manobrar navios de guerra ou atirar com eficiência com os canhões postados na periferia do porto e no canal de acesso. Seu lugar de combate era a coxilha do pampa. Retornaram ao Rio Grande do Sul, desfalcados de seus soldados e desiludidos com o esforço despendido em vão. Acabaram odiados pelos Lagunenses que tinham ido auxiliar. Em poucos meses, acabaram sendo execrados pelos seus habitantes que inicialmente os receberam como salvadores. A tomada do porto de Laguna asfixiou o comércio e empobreceu a população local. A própria ideia do uso do porto de Laguna para as exportações gaúchas não tinha qualquer viabilidade prática de êxito. Único saldo positivo da aventura, foi o surgimento de Anita Garibaldi, nossa heroína de dois mundos que teve um filho nascido em Mostardas no RS.  Numa época que a mulher sempre era sempre submissa, ela, com muita coragem, rompeu com seu casamento infeliz, enfrentou o preconceito local e foi viver seu amor e sua aventura  com Garibaldi.

            Mais tarde, os Farrapos tentaram tomar o porto de São José do Norte. Cavalgaram quase trezentos quilômetros pela orla do Atlântico, sem ponto de apoio, pela via que até hoje é chamada de Estrada do Inferno, onde só tem mar, areia, solidão e tristeza. Garibaldi levou junto consigo Anita, grávida de sete meses, que ficou abrigada na choupana de um morador dos arredores de Mostardas até o nascimento de seu primeiro filho. Um desafio aos mais valentes.   Passaram, num inverno gelado e chuvoso, todas as agruras possíveis, que culminaram em mais uma derrota. A armada imperial de Rio Grande prestou socorro aos defensores de São José de Norte e foi fator decisivo na batalha.

            Sempre a história é contada pelos vencedores, mas no Rio Grande do Sul, a história é contada com orgulho pelos vencidos, que cultuam seus heróis, alguns controversos, omitindo os nomes dos vencedores.

Ficou para sempre a memória da epopeia da revolução, a bravura e o cavalheirismo de todos os seus participantes. Foi uma revolução sem degola de prisioneiros.

            Os colonos tinham uma visão diametralmente oposta à dos estancieiros, protagonistas da revolução, inicialmente de reivindicações, seguida de desafio à autoridade por mudanças na administração pública, e posteriormente, separatista e republicana. Os colonos do RS não foram contagiados pela histórica vocação oposicionista e rebelde do nosso estado, que se perpetua até hoje. A cidade de Porto Alegre recebeu com apatia inicial a vitória local dos Farrapos. Apenas aceitou a dominação Farroupilha. Tomada à força, em menos de nove meses livrou-se do invasor, que apesar de sitiá-la por largo período de quatro anos, nunca mais voltou a ocupa-la. Nestes quatro anos, a população teve as suas necessidades e sua fome saciadas unicamente com o fornecimento de gêneros alimentícios trazido pelos colonos alemães de São Leopoldo que, por via fluvial tinham acesso à cidade. Os Farrapos conquistaram a cidade mas não tomaram nenhuma medida de acionar o comércio e evitar a estagnação das atividades econômicas. Não emitiram moeda e as que giravam na praça foram logo entesouradas, deixando a população sem possibilidades de sobrevivência econômica. O episódio da retomada de Porto Alegre, iniciada por um Major do Império, imigrante alemão, Henrique Guilherme Mosye com apenas mais três militares legalistas que se evadiram no mesmo dia, mostra que estes tinham a adesão da população. Por este motivo é que Porto Alegre recebeu do Império o título de mui leal e valorosa, ostentado até hoje com orgulho. A cidade homenageia com uma estátua equestre o general Bento Gonçalves, mentor da revolução, e que foi, durante quatro anos, o algoz que comandou o sítio infrutífero de Porto Alegre, que suportou estoicamente o cerco férreo, até que os sitiantes desistiram e se retiraram derrotados. Bento Gonçalves da Silva, pelos seus valores e desempenho pessoal, projetou-se historicamente à condição de maior herói do RS.

            Não encontramos qualquer referência do que era feito com os prisioneiros da guerra. Não foram assassinados e não havia instalações para mantê-los fora de novo engajamento com os inimigos. Em nosso entender, eram soltos ou apenas trocavam de lado. Se fosse necessário, em uma batalha próxima trocariam outra vez de partido. Ser monarquista ou republicano não fazia qualquer diferença para o convocado analfabeto.  Se um General trocou de lado quatro vezes, por quê um soldado não poderia fazer o mesmo?

            A história da revolução farroupilha não necessita de omissões, mitos, inverdades e distorções para que continue sendo a maior e duradoura epopeia do Brasil, que marcou a identidade dos gaúchos para sempre e delineou o nosso imaginário.  Basta a verdade nua e crua para que permaneçamos apaixonados e orgulhosos pelos episódios épicos do decênio 35 a 45.

 

 

                                                       GARIBALDI

 

            Garibaldi, navegador e teórico da república, foi condenado a morte pela corte Genovesa, então parte do reino da Sardenha e Piemonte, cujo rei era Carlos Alberto de Savóia. Dessa forma, teve que evadir-se de sua Itália por participar da fracassada insurreição contra o sistema de governo monárquico existente. Na época, o rei era a última instância do condenado a ser executado. Poderia solicitar o perdão ou a transformação da pena capital em prisão.

Foi para a França e foi novamente perseguido. Fugiu para a Tunísia e depois para o Rio de Janeiro.

             Com assistência da maçonaria teve uma entrevista com Bento Gonçalves, autoridade militar da República Rio-Grandense e prisioneiro em fortaleza Imperial no Rio de Janeiro.  Afinados, acertaram que lhe seria outorgada pela república uma Carta de Corso, que o habilitaria a atacar e apreender navios de guerra ou de comércio com bandeira do Império juntamente com suas cargas, em troca da metade do butim.  Em seu pequeno barco, tremularia pela primeira vez nos mares o pavilhão tricolor farrapo. A Carta de Corso mencionava que o barco deslocava 120 toneladas.

            A novel república lhe facilitaria o acesso aos portos marítimos que dispusesse, assim como os dos “países amigos” para reabastecimento.

            Em poucos dias, Garibaldi conseguiu tripulação (a maioria de italianos expatriados como ele) e um pequeno barco de cabotagem, que deslocava 20 toneladas denominado de Mazzini. Armou um pequeno canhão no convés, escondido entre mercadorias, e aproou ao oceano em busca de presas. Junto com elas, também alcançou a imortalidade.

Em mar aberto, sob ameaça, abordou o navio de carga Luiza e tomou-o.  Renomeou o barco apreendido como Farroupilha. Trasladou-se para o novo barco e desfraldou a bandeira farrapa. Após, afundou o Mazzini.  Como corsário honrado, não tocou nos tripulantes, passageiros e seus bens pessoais. Mais ao sul deixou-os em terra firme sãos e salvos.

         Após tentar vender o produto do primeiro saque em Maldonado – 54 toneladas de café em grão –, foi perseguido pela marinha uruguaia.  Entrando em águas argentinas, foi atacado, sendo ferido no pescoço. Foi preso e teve o seu barco  confiscado, bem como o produto do saque apreendido.  Esteve em relativa liberdade pessoal em uma pequena vila, onde restabeleceu-se.  Na segunda tentativa de fuga a cavalo, via Uruguai, chegou a Piratini, onde se apresentou para lutar pela república.

           Na Argentina, aprendeu a cavalgar. Guerrear aprendeu com os farrapos.  Construiu em Camaquã dois barcos (o Seival e o Rio Pardo) e praticou atividades de corso nas águas interiores do RS. Ajustou com a república que o resultado do saque aos navios de comércio do Império brasileiro seria divididos em três partes iguais, cabendo uma delas a ele próprio. Mais tarde, cercado no rio Capivarí, conduziu os navios por terra até o mar em Tramandaí. Porém, apenas o Seival chegou a Laguna, onde participou da tomada da cidade. O Rio Pardo naufragara em águas de Santa Catarina. Como corsário, reiniciou com sucesso a prática de saques de navios cargueiros do Império, contando com uma esquadrilha de três barcos que atuavam em conjunto: O Rio Pardo, navio Capitânea (ex Itaparica), comandado por Garibaldi, o Seival e o Caçapava.  Lá conheceu e enamorou-se por Anita que seria sua valorosa companheira.

          Meses depois, derrotado junto com os farrapos em Laguna e após o colapso da República Juliana, perdeu todos os barcos e o butim obtido com as atividades de corso que praticou nas imediações do porto de Laguna, retirando-se por terra para o sul.

         Acossado em Curitibanos, teve que aceitar o combate e deixou Anita, juntamente com alguns soldados, em guarda da munição. Derrotado, fugiu para o RS, deixando Anita prisioneira do Império. Anita evadiu-se sozinha e foi ao encontro de Garibaldi. Já grávida, encontrou-o dias após em Vacaria.

          Ao se dirigirem para o sul, os Farrapos encontraram oposição armada na vila do Imaruí. Canabarro, irritado, determinou a Garibaldi que tomasse a vila pelas armas e autorizasse o saque das moradias. Não encontraram riqueza e sim muita bebida alcoólica. Desvairados, praticaram estupros, roubo de objetos, violências.  Garibaldi menciona o fato em suas memórias. Este ato foi o seu único arrependimento no Brasil.

            Acompanharam o exército farrapo em retirada até Viamão, onde ficaram “abrigados”, certamente em casa alheia.

            Mais tarde, com a gravidez de sete meses e sem lar, Anita acompanhou os mil farrapos na aventura fracassada de tomar o porto de São José do Norte.

             Nos arredores de Mostardas, foi abrigada em rancho de pescadores família Costa –, aguardando o parto.  Garibaldi seguiu para a batalha.  Derrotado outra vez em 15 de julho, fugiu novamente. Poucos dias antes de nascer seu filho, foi ao encontro de Anita. Nascido o filho Menotti em 16 de setembro de 1840, constatou que não havia roupas adequadas para a criança nascida em inverno rigoroso. Dirigiu-se a cavalo à Viamão, onde conseguiu auxílio de outro italiano para comprar as roupas. Retornando a Mostardas, não encontrou mais a mulher e a criança, que por temor dos Imperiais, fugira com seu filho para os matos, onde Garibaldi os encontrou.

           Os Farrapos determinaram que o casal fosse mais uma vez abrigado em casa abandonada, à beira da Lagoa dos Patos, junto a foz do rio Capivari.

           Garibaldi, Anita e o filho, no começo de 1841, acompanharam a retirada dos exércitos farrapos de Setembrina (Viamão), subindo a serra até Vacaria, com atrozes sofrimentos, frio e fome. Dali para Passo Fundo, Cruz Alta e finalmente São Gabriel. Participaram de batalhas como vencidos e vencedores, sem que houvesse qualquer resultado definitivo. Em suas memórias, a nomeia de “ritirata disastrosa”.

           Garibaldi compreendeu que a revolução não tinha mais futuro de vitória e sucesso pela inexistência de um porto marítimo.  A paz tinha só um impasse. Os farrapos queriam um acordo entre países e o Império oferecia anistia geral aos insurretos. A República Rio-Grandense jamais foi reconhecida como país por qualquer outra nação. Nem pelo Uruguai. Quatro anos após, a anistia finalmente foi aceita a contragosto, com o custo de centenas de vidas perdidas inutilmente em batalhas que não levaram a nada. Um arremedo de acordo de paz em Ponho Verde, foi e ainda hoje é veiculado como sendo verdadeiro. O Império jamais assinou qualquer acordo com os Farrapos.

            Em março de 1841, com aprovação de Bento Gonçalves e na maior miséria, decidiram ir de São Gabriel para o Uruguai, donde mais tarde iriam para a Itália. Garibaldi recebeu pelos serviços que prestara à república 900 bovinos como pagamento. Mau tropeiro, chegou a Montevidéu só em junho, com cerca de 300 esquálidas cabeças de gado que foram vendidas para pagar o custo dos tropeiros contratados e os primeiros gastos em Montevidéu. Havia pedido anistia, prometendo não mais combater contra o Império.  Foi-lhe concedida.

           Poucos anos antes de partirem do Uruguai para a Itália, Anita, com mais filhos, já casada anteriormente em SC, ao acreditar no falecimento do seu primeiro marido contraiu um segundo casamento com Garibaldi.

          Pesquisadores nunca encontraram a sepultura do seu ex-marido.

           Anita apresentou-se na igreja como solteira e analfabeta (mesmo que trocasse cartas com Garibaldi), e por isso não assinou a documentação. O casamento foi em dia impróprio – Sábado de Aleluia – e não foi realizado pelo pároco e sim por um padre alheio àquela igreja. Foram dispensados os proclamas e Garibaldi deu um relógio de ouro ao padre oficiante. A mãe de Garibaldi jamais aceitou esse casamento como válido, sendo por isso motivo de contínuas desavenças entre elas.

           Durante certo período 17 de junho de 1841 até 15 de abril de 1848   combateu no empobrecido Uruguai ao lado do presidente José Fructuoso Rivera, que lhe atribuiu o comando da pequena esquadra de três navios de guerra em lutas internas e contra o ditador argentino Rosas. Derrotado em combate, mais uma vez, mandou incendiar a frotilha. No Uruguai, como mercenário mal pago, foi sempre um enteado da sorte. Viveu em extremas dificuldades financeiras, suportadas com coragem por Anita. Em 27 de dezembro de 1847, mandou a esposa e filhos para a Itália e logo seguiu-os. Lá, em outra fuga continuada após mais derrotas e fugas na Itália, Anita (grávida novamente) encontrou a morte sem qualquer assistência. Garibaldi, acuado, reiniciou a fuga e solicitou a terceiros que sepultassem Anita. Com medo dos austríacos que proibiam qualquer auxilio aos rebeldes, o fizeram em surdina em cova rasa, clandestina, num monturo e com medo de peste, arrastaram-na com uma corda pelo pescoço. Cinco dias após, apareceu o braço da Anita. Avisada a polícia austríaca, o legista, em razão de marcas de corda no pescoço e traqueia rompida, atestou, erradamente, morte de Anita por enforcamento e denunciou Garibaldi como assassino. O falecimento natural de Anita foi, na verdade, assistido por várias pessoas. Com o atestado de óbito, foi levada em uma carroça e sepultada num pequeno cemitério. Somente dez anos depois, seus despojos foram trasladados para uma sepultura condigna.

             A História dignificou-a como figura exemplar, estoica, esposa, mãe e guerreira. Hoje existe em Laguna museu e estátua em sua homenagem. Seus valores servirão de modelo, pois, mesmo não tendo nascida gaúcha, é orgulho nosso.

             Em suas memórias, Garibaldi faz mínimas referências à Anita e aos farrapos. Lamentou não dispor na Itália de cavalaria igual à dos exércitos farrapos.

             mais em outras fontes: O padre em exercício da vice-presidência da República Juliana, em Laguna, entrou sem avisar na sala do general e deparou-se com Canabarro, de calças arriadas, mantendo relação sexual com uma lagunense encostada em sua escrivaninha. Saiu aos gritos de “vi o demônio”. Lá se finalizou a ruptura entre os Farrapos e a República Juliana.

            Após a retirada dos Farrapos, o padre foi encontrado nas ruas de Laguna, morto, nu e castrado.

            Tempos depois, em nova situação política na Itália, Garibaldi foi o herói que congregou todas as forças e levou à unificação do seu país.  Apesar de ser um antimonarquista declarado e ativo, Garibaldi acabou encontrando a glória ao contribuir para a unificação da Itália sob a monarquia de Vitor Emanuel II, filho de Carlos Alberto, soberano da Sardenha que abrangia Gênova e cuja corte condenara Garibaldi a morte em 1834, mais de vinte anos antes, por atividades violentas contra a monarquia. Quem diria.

             Carlos Alberto de Savóia era rei da Sardenha e Piemonte em 1832 e pai de Vitor Emanuel II, rei da Sardenha e Itália unificada, de 23-3-1849 a 17-3-1861. Lutou para que o filho do rei que o condenara a morte fosse o rei que unificaria a Itália.

            Terminada a luta, Garibaldi recebeu do rei, como compensação de sua participação nos combates, a propriedade de toda a ilha de Caprera, onde bem mais tarde faleceu.

             Esta foi a vida de um controverso aventureiro, mercenário, soldado da fortuna, que nunca lutou sem vantagem econômica.

      Os povos necessitam ter heróis para reverenciar.

                 

Bibliografia: Entre outros, livros: História de Santa Catarina, do lagunense Oswaldo R. Cabral – Editora Laudes (vide Google),  Anita Garibaldi, de Paulo Markun – Editora SENAC – São Paulo.- ZH de 7-9-2011 pg 29, Dicionário Farroupilha – Garibaldi e a Guerra dos Farrapos, de Lindolfo Collor. – Vitor Emanuel II da Itália de Marcos Júnior (Wikipédia - Google) – Expedição dos Mil (Wikipédia)

 

A seguir, biografia de Vitor Emanuel II e relato da “Expedição dos Mil”, encontrado Wikipédia no Google.

 

A EXPEDIÇÃO DOS MIL

 

            A expedição dos mil (em italiano Spedizione dei Mille) foi um evento do Risorgimento italiano, que ocorreu em 1860. Um corpo de voluntários liderados por Giuseppe Garibaldi desembarcou na Sicília, a fim de conquistar o Reino das Duas Sicílias, governada pelos Bourbons.

            O projeto era um empreendimento ambicioso e arriscado com o objetivo de conquistar, com mil homens, um reino com um exército regular maior e uma marinha mais poderosa. A expedição foi um sucesso e foi concluída com um plebiscito que trouxe Nápoles e Sicília para o Reino da Sardenha, a última conquista territorial antes da criação do Reino da Itália, em 17 de março de 1861.

            A perigosa empreitada ao mar foi a única ação desejada que fora decidida conjuntamente pelos "quatro pais da nação" Giuseppe Mazzini, Giuseppe Garibaldi, Victor Emmanuel II, e Camillo Cavour, que perseguiam objetivos divergentes. No entanto, a expedição foi instigada por Francesco Crispi, que utilizou sua influência política para reforçar o projeto de unificação italiana.

            Os vários grupos participaram da expedição por uma variedade de razões: para Garibaldi, objetivo era conseguir uma Itália unida; à burguesia Siciliana, uma Sicília independente como parte do reino da Itália, e para os agricultores de massa, distribuição de terras e o fim da opressão.

            Os eventos da expedição foram realizados dentro do processo global de unificação da Itália, que foi em grande parte orquestrada por Camillo Cavour, o primeiro-ministro da Sardenha-Piemonte, como o trabalho de sua vida. Após a anexação do Grão-Ducado da Toscana, os Ducados de Modena e Parma e da Romagna para Piemonte em março 1860, os nacionalistas italianos voltaram seus olhos para o Reino das Duas Sicílias (que compreendia toda a Itália continental sul e Sicília), como o próximo passo em direção ao seu sonho de unificação de todas as terras italianas.

            Em 1860, Garibaldi, já o mais famoso líder revolucionário italiano, foi à Gênova planejando uma expedição contra a Sicília e Nápoles, com o apoio secreto do Reino Unido. Líderes da Sicília, entre eles Francesco Crispi, estavam descontentes com a regra napolitana sobre a ilha. Além disso, a Grã-Bretanha estava preocupada com as abordagens dos napolitanos em direção ao Império Russo, em tentativa deste último a abrir o seu caminho para o Mar Mediterrâneo; a importância estratégica dos portos da Sicília foi também por terem aumentado drasticamente pela abertura do Canal de Suez. Foi também sugerido (por Lorenzo del Boca, entre outros) que o apoio britânico para a expedição de Garibaldi teria sido estimulado pela necessidade de obter condições econômicas mais favoráveis para o enxofre da Sicília, que foi necessário em grandes quantidades para os novos navios a vapor.

            O Reino da Sardenha-Piemonte precisava de um casus belli (fato considerado suficientemente grave pelo Estado ofendido) apresentável, a fim de atacar o Reino das Duas Sicílias. Isto foi necessário para a Casa de Sabóia que, no entanto, nunca deu qualquer declaração de guerra contra o reino Bourbon, uma condição necessária, uma vez que este foi um dos requisitos apresentados para Cavour. A única ocorrência que teria satisfeito este requisito foi uma revolta vinda de dentro. Tal evento teria sentido a alienação das pessoas para a dinastia que governou em Nápoles e, em particular, a incapacidade de Francisco de Bourbon para garantir políticas públicas aceitáveis em seus domínios. A Sicília, como mostra a história das últimas décadas, foi um terreno fértil e o sul, liberal, especialmente aqueles retornando após uma anistia concedida pelo jovem rei, que trabalhou nesse sentido por algum tempo.

            Em março de 1860, Rosolino Pilo exortou Giuseppe Garibaldi para tomar conta de uma expedição para libertar o Sul da Itália da regra dos Bourbon. De início, Garibaldi foi contra, mas acabou concordando. Em maio de 1860, Garibaldi tinha recolhido 1089 voluntários para sua expedição à Sicília

            O maior número de voluntários veio da Lombardia (434). Outros números significativos de voluntários vieram da Veneza ocupada (194), Genova (156) e Toscana (78). Havia cerca de 45 voluntários da Sicília e 46 voluntários napolitanos - mas apenas 11 a partir de Roma e dos Estados Papais. Trinta e três estrangeiros se juntaram à expedição, entre eles István Turr e outros três húngaros e quatorze italianos do Trentino do Império austríaco. A maioria dos voluntários eram estudantes e artesãos das classes mais baixas.

            Os 1.089 voluntários foram mal armados com mosquetes, e estavam vestidos com um uniforme minimalista, constituído por uma camisa vermelha e calça cinza.

            Durante a noite de 05 de Maio, um pequeno grupo liderado por Nino Bixio capturou dois navios a vapor em Genova, que eram da empresa de transporte Rubattino, a fim de transportar os voluntários para a Sicília. Eles levaram os dois navios, cujos nomes eram Il Piemonte e Il Lombardo, para as rochas próximas, em Quarto, onde os voluntários (incluindo a esposa de Franceso Crispi, Rosalie) embarcaram para a Sicília.

            Os navios desembarcaram em Marsala, na ponta mais ocidental da Sicília, em 11 de Maio, com a ajuda de navios britânicos presentes no porto para dissuadir os navios de Bourbon. Il Lombardo foi atacado e afundou, mas somente após o desembarque ter sido concluído, enquanto Il Piemonte foi capturado. Tal desembarque foi precedido pela chegada de Francesco Crispi e outros, que tinham a tarefa de conquistar o apoio dos moradores para os voluntários.

            Em 14 de maio, em Salemi, Garibaldi anunciou que estava assumindo ditadura sobre Sicília em nome do rei Vitor Emmanuel II da Sardenha.

            Os Mille ganharam a primeira batalha em Calatafimi, contra cerca de 2.000 tropas napolitanas em 15 de maio. A batalha impulsionou o moral dos Mille e, ao mesmo tempo, deprimiu os napolitanos, que foram mal conduzidos por seus oficiais superiores, muitas vezes corruptos, e começaram a sentir-se abandonados. Tendo prometido terras a todos os homens que se voluntariaram para lutar nas fileiras dos Mille contra os Bourbons, aos Mille somaram-se mais duzentos homens locais. Em 27 de maio, com a ajuda de uma insurreição popular, os Mille cercaram Palermo, capital da ilha. A cidade foi defendida por cerca de 16.000 homens, mas estes estavam sob a direção confusa e tímida do general Ferdinando Lanza, aos 75 anos (provavelmente um dos oficiais napolitanos subornados com dinheiro Inglês).

            Enquanto duas colunas de Garibaldinos atacaram o perímetro, parte da população, reforçada por 2.000 prisioneiros libertados das cadeias locais, se levantaram contra a guarnição. Quando suas tropas foram conduzidas de volta à maioria das suas posições, Lanza ordenou-lhes que bombardeassem a cidade por três dias, causando a morte de 600 civis. Até 28 de maio, Garibaldi havia controlado grande parte da cidade e declarou que a autoridade Bourbon havia sido deposta. No dia seguinte, uma contra ofensiva napolitana desesperada foi levada de volta, e Lanza pediu uma trégua. No entanto, quando um grupo de reforço de tropas treinadas e bem equipadas chegou à cidade, a situação tornou-se muito grave para Garibaldi, que foi salvo apenas pela decisão de Lanza em se render. Através da mediação de um almirante britânico, um armistício foi assinado e a frota napolitana abandonou o porto.

As tropas dos Bourbon foram ordenadas a ir para o leste e evacuar a ilha. Uma insurreição que eclodiu em Catânia em 31 de maio, liderada por Nicola Fabrizi, foi esmagada pela guarnição local, mas a ordem de partir para Messina significava que esse sucesso tático napolitano não teria resultados práticos.

            Na época, apenas Syracuse, Augusta, Milazzo e Messina permaneceream nas mãos reais na Sicília. Nesse meio tempo Garibaldi emitiu sua primeira lei. A imposição não conseguiu reunir mais de 20.000 soldados, enquanto os camponeses, que esperavam um alívio imediato das condições dolorosas a que foram forçados pelos latifundiários, revoltaram-se em várias localidades. No Bronte, em 4 de agosto de 1860, o amigo de Garibaldi Nino Bixio reprimiu de forma sangrenta uma dessas revoltas, com dois batalhões de camisas vermelhas.

            O ritmo das vitórias de Garibaldi tinha preocupado Cavour, que no início de julho o enviou uma proposta de anexação imediata da Sicília para Piemonte. Garibaldi, no entanto, se recusou veementemente a permitir tal movimento até o final da guerra. O enviado de Cavour, La Farina, foi preso e expulso da ilha. Ele foi substituído pelo maleável Agostino Depretis, que ganhou a confiança de Garibaldi e foi apontado como pró-ditador.

            Em 25 de Junho de 1860, o rei Francisco II, das Duas Sicílias, tinha emitido uma constituição. No entanto, esta tentativa final de conciliar seus súditos moderados não conseguiu despertá-los para defender o regime, enquanto os liberais e revolucionários estavam ansiosos para receber Garibaldi.

            Na época, Garibaldi havia criado o Esercito Meridionale ("Exército do Sul"), reforçado por outros voluntários da Itália e alguns soldados do Piemonte disfarçados de "desertores". Os napolitanos tinham reunido cerca de 24.000 homens para a defesa de Messina e as outras fortalezas.

            Em 20 de julho Garibaldi atacou Milazzo com 5.000 homens. A defesa napolitana era galante, mas novamente a ausência de coordenação e a recusa do Marechal Clary, comandante-em-chefe do exército na ilha, para enviar reforços de Messina concedeu aos Mille mais uma vitória. Seis dias depois Clary rendeu a cidade de Messina a Garibaldi, deixando apenas 4.000 na cidadela e outros fortes. Os outros redutos se renderam até o final de setembro.

            Em 19 de agosto, os homens de Garibaldi desembarcaram em Calábria, em um movimento de oposição a Cavour, que tinha escrito ao Ditador uma carta pedindo-lhe para não cruzar o estreito. Garibaldi, no entanto, desobedeceu, um ato que teve a aprovação silenciosa do rei Victor Emmanuel.

            Os Bourbons tinham cerca de 20.000 homens na Calábria mas, para além de alguns episódios como o de Reggio Calábria, que foi conquistada a um alto custo por Bixio em 21 de agosto, eles ofereceram resistência insignificante, como numerosas unidades do exército Bourbon dissolvida espontaneamente ou mesmo se juntando às fileiras de Garibaldi. Em 30 de agosto, um exército siciliano conspícuo, liderado pelo Gen. Ghio, foi oficialmente dissolvido em Soveria Mannelli, enquanto apenas as pequenas unidades e unidades dispersas continuaram a luta. A frota napolitana se comportou de forma semelhante.

            O Rei Francisco II foi, assim, forçado a abandonar Nápoles e entrincheirar-se na fortaleza formidável de Gaeta, enquanto um último posto foi criado no rio Volturno, ao norte de Nápoles. Em 07 de setembro, Garibaldi tomou posse de Nápoles, com poucos danos (ele entrou na cidade pelo trem), saudado como um libertador pela população.

            Entretanto, o Reino da Sardenha invadiu os Estados Papais, conquistando a Itália Central (Lazio excluída) através de algumas batalhas como a Batalha de Castelfidardo, e entrou no Reino das Duas Sicílias, juntando-se a Giuseppe Garibaldi.

            Na batalha decisiva da Volturnus (1 e 2 de Outubro), Garibaldi, com uma força de 24.000 homens, não foi capaz de derrotar de forma conclusiva o Exército napolitano (cerca de 25.000 homens). Somente a chegada do exército da Sardenha ultrapassou a última força Bourbon organizada, para consolidar Gaeta.

            Poucos dias depois (21 de outubro) um plebiscito confirmou a anexação do Reino das Duas Sicílias ao Reino da Sardenha por uma maioria esmagadora.

            O final da expedição é tradicionalmente definido com a famosa reunião em Teano (norte da Campânia) entre Victor Emmanuel II e Garibaldi (26 de outubro 1860). Outros atribuem o final da campanha a entrada do Rei em Nápoles no dia 7 de Novembro.

            No entanto, a campanha militar ainda não havia sido totalmente concluída, afinal Francisco II se rendeu somente em fevereiro do próximo ano, quando finalmente se rendeu ao exército da Sardenha liderado por Enrico Cialdini, e partiu para o exílio nos Estados Papais. Pouco tempo depois, em Março de 1861, o novo Reino da Itália (Regno d'Italia) foi formalmente estabelecido.

            Garibaldi pediu ao rei que permanecesse com as Duas Sicílias por um ano, enquanto ditador. Ele também pediu que seus oficiais fossem integrados no novo exército italiano. Quando Victor Emmanuel II se recusou a aceitar seus pedidos, ele voltou para Caprara.

            A Expedição dos Mil tem sido tradicionalmente um dos eventos mais famosos do Risorgimento italiano, o processo de unificação da Itália.

            Nos anos seguintes, o aumento da resistência local (o chamado brigantaggio ou banditismo), requereu em certo ponto a presença de cerca de 140.000 tropas piemontesas para manter o controle do antigo Reino das Duas Sicílias. Tradicionalmente, a manipulação do brigantaggio recebeu um julgamento negativo por historiadores italianos, em estrito contraste com o heroísmo atribuído a Garibaldi e seus seguidores; o historiador Inglês Denis Mack Smith, por exemplo, aponta as deficiências e reticência das fontes disponíveis para o período.

            A expedição, além disso, obteve o apoio dos poderosos latifundiários do sul da Itália em troca da promessa de que suas propriedades fossem deixadas intactas no próximo acordo político. Numerosos camponeses sicilianos, no entanto, tinham aderido aos Mille esperando a redistribuição da terra para as pessoas que trabalhavam nelas. As consequências deste mal-entendido se tornaram evidentes em Bronte.

 

           Traduzido do Google por João Paulo Milanez de Souza

 

 

 A RETOMADA DE PORTO  ALEGRE                                                                                                                                                                                                   

 

 

                     História é a verdade. Toda a verdade. Nada mudará nosso orgulho pelo passado do Rio Grande do Sul.  Dois séculos de lutas quase contínuas que formaram nossa identidade.  

            No dia 20 de setembro de 2007 ZH publicou suplemento com primoroso e conciso trabalho histórico, intitulado “No Tempo dos Farrapos”. Entre os 19 principais confrontos está o de 15 de junho de 1836, a retomada de Porto Alegre pelos Imperiais.

Na maioria dos livros históricos gaúchos este episódio é tratado superficialmente e não revela atos oportunos e heroicos, sem precedentes, realizados por um imigrante de nome Henrique Guilherme Mosye, tenente do Império e mais três militares companheiros, todos  prisioneiros de guerra, sargento Sinzenando Antônio de Oliveira, sargento furriel Francisco das Chagas Júnior e mais um  cadete anônimo, que desencadearam a reação dos legalistas.

Sem dúvida, Porto Alegre era uma cidade portuária e sua economia gravitava em torno do porto e dos navios que ali ficavam fundeados.

 À partir da conquista da cidade pelos Farrapos, durante cerca de nove meses, nenhum navio  ali atracou, restringindo a vida  econômica da cidade.que vivia em função de ferrarias, carpintarias, cordoarias, oficinas, estabelecimentos comerciais que não conseguiam renovar seus estoques, estivadores, carroceiros tabernas, hotéis  e bordéis Também, funcionários do governo e militares adesistas,  deixaram de receber seus proventos em dia, pois os Farrapos não tinham no erário valor que suportasse essa sangria mensal.  Acabou a circulação da moeda e as poucas existentes ficaram entesouradas como é normal em economia política. Gerou dificuldades financeiras para todos e a responsabilidade foi atribuída aos Farrapos. Desespero generalizado e arrependimento. .

Uma reação já vinha sendo articulada por Manoel Marques de Souza, líder militar, preso no navio Presiganga, que já recebera informações da inconformidade da população com a situação política e econômica reinante. Civis e militares da cidade já estavam se arregimentando para expulsar os Farrapos. Faltava o momento propício de precipitar a revolta.

Estes quatro personagens, aprisionados em Pelotas no dia 20 de setembro, pressentiram que o momento tinha chegado, deram início, após terem se evadido da cadeia, da sublevação que culminou no mesmo dia com a retomada da cidade de Porto Alegre, sem qualquer auxilio externo, sem terem disparado um único tiro e sem qualquer ferimento de arma branca. A reação Imperial progrediu de forma geométrica e mais de 700 soldados, oficiais, comandante das tropas e todas as demais autoridades civis farrapas foram aprisionadas. Foi a maior façanha da Revolução Farroupilha.

Os Farrapos perderam Porto Alegre para sempre, que recebeu do Imperador o título de cidade mui leal e valorosa.

 Anos depois e pelos mesmos motivos, os Farrapos perderiam o porto de Laguna.

Só mais tarde, no mesmo dia, libertaram os oficiais do Império que se achavam detidos no navio-prisão Presiganga, que assumiram a administração da cidade. Reclamaram por não terem sido avisados com antecedência.

Na verdade, nem confronto houve.

Não existe na História Universal, qualquer fato similar que se possa comparar. Nunca tão poucos realizaram tanto num único dia. A retomada, de uma cidade ocupada pelo invasor, iniciada por quatro soldados desarmados que se evadiram naquele momento, sem luta, ainda hoje, é impensável.

Estes verdadeiros heróis nunca receberam as homenagens merecidas, seus nomes raramente foram mencionados e nem o fato singular é divulgado.

As altas patentes militares foram promovidas e agraciadas com títulos honoríficos. O tenente foi transferido para Pelotas por reclamar uma promoção que jamais chegou. Os quatro não são nem nome de rua ou beco. São uns renegados. Ainda é tempo de resgatarmos a sua história e nos orgulharmos deles.

 

 

                                         IMIGRANTES EM TRÂNSITO                    

                                                            

Até o início da Revolução Farroupilha, em 1835, o RS recebia cerca de 1000 imigrantes germânicos por ano, movimento devidamente supervisionado pelo governo imperial. Levas de imigrantes em trânsito eram uma constante e a eclosão da revolta Farroupilha     impossibilitou o     controle dos  assentamentos.         O Império simplesmente suspendeu as imigrações que vinha patrocinando para o RS e os colonos que já haviam tomado a resolução de emigrar tiveram só duas escolhas: permanecer na Europa ou aceitar o convite para emigrar para a cidade de Petrópolis, na Província do Rio de Janeiro.  Aceitaram-no. Talvez fosse bom, talvez não. Na verdade, queriam mesmo era se estabelecer junto aos seus parentes que já se encontravam na Província do RS e que os estavam esperando.

As revoluções são temporárias, mas a Farrapa se estenderia por dez anos.     

A família de Peter Jacob Wasem partiu de Bremem, via Dunquerque, na  Europa, pela nau Leopold, e chegou após 45 dias de viagem, em 21 de julho de 1845 e foi  conduzida ao seu destino contratado. Depois seria depois. A contragosto,  lá permaneceram como assalariados  durante nove meses.

 A Província do RJ conduziu os imigrantes para trabalhar na construção do palácio de verão da família Imperial em Petrópolis e estradas de acesso. Não era o que os imigrantes desejavam. Queriam era trabalhar na terra.

Como dissemos, em 1835 cessou completamente o fluxo de imigrantes para o RS. Somente em 1844 iniciou-se modesto recomeço de chegada de colonos alemães, apenas 66. A partir de 1846 atingiu-se a plenitude e recordes de imigração.

        Encerrado o decênio revolucionário em 1845, os colonos que tinham  anteriormente optado para se assentar em Petrópolis,  tomaram as medidas que seriam necessárias para, finalmente, chegar ao RS e encontrar seus parentes. Sabiam onde estavam.

 Encaminharam petição ao Imperador, nos termos seguintes:

 


 "Senhor! 
          "Com infinitésima veneração que é devida a Vossa Majestade Imperial, dizem os colonos abaixo assinados, para esta Côrte chegados, expedidos pela casa Delrue & Cia., na cidade de Dunquerque, com a nau prussiana "Leopold", o francês "Marie" e o inglês "Agripina", por custas da Província do Rio de Janeiro. 

       "Eles os ditos Colonos são obrigados à Província, pôr este ato de benignidade e amarrados a ela com suas qualidades. Porém os suplicantes são gente bem destra na cultura do arroz e em nenhum ramo da indústria eles podem ficar tão útil neste Império e explicar seus sentimentos de agradecimentos, como naquele. Por consequência disto, eles dirigem-se humildemente para a clemência de Vossa Majestade Imperial rogando que lhes  queira conceder aos suplicantes ir para a Província do Rio Grande de São Pedro do Sul, aonde a Agricultura está na maior flor e aonde eles já tem seus parentes e conhecidos, dos quais eles receberão assistência para o seu estabelecimento econômico. 

  "Os suplicantes confessam com muita vontade, como eles ante a evidência disto, tem de restituir ao Governo da Província do Rio de Janeiro, as despesas de viagem da Alemanha para o Rio de Janeiro; e com muita vontade eles declaram-se prontos a prestar a sua obrigação; porém uma parte deles está inteiramente tão pobre, que não tem nada; uma outra parte tem só pouco, assim que para os tais é impossível; desta razão eles rogam a Vossa Majestade Imperial que lhes queira determinar a restituição das despesas por sua viagem da Alemanha para lá, que foi a Província do Rio de Janeiro; e eles declararam-se prontos assinar um documento por cuja virtude eles serão obrigados   a pagar as suas dívidas na Tesouraria do Império em tempo de três anos, e por certeza do Governo, eles prestarão fiança com todos os seus  bens, especialmente com o terreno que eles esperam da benignidade de Vossa Majestade Imperial, com todas as suas benfeitorias; sobre isto prestarão todos juntos fiança por cada um em espécie, assim  se  um  escapar  os  outros  todos  pagarão  pôr  ele  ao  Governo  a  sua dívida, a respeito das despesas de viagem.   "Finalmente os Suplicantes dirigem ainda mais esta petição para clemência de Sua Majestade Imperial de conceder-lhes o benefício, mandá-los para o Rio Grande de São Pedro do Sul com uma Nau do Império e livre das despesas de viagem. Nunca eles acabarão de oferecer os sacrifícios de seus agradecimentos pela sua diligência e fidelidade na sua esfera da atividade e veneração com que serão de Vossa Majestade Imperial submissos vassalos. Por isto.

                               Rio de Janeiro, 13 de agosto de 1845. 

 

1.    Nicolau Schuck com 1 mulher e 8 filhos 

2.     Pedro Wolf com 1 mulher 

3.    Nicolau Schaefer com 1 mulher e 5 filhos 

4.    Miguel Bender com 1 mulher e 5 filhos 

5.    Matias Ohlweiler com 1 mulher e 10 filhos

6.     Pedro Scherer com 1 mulher e 5 filhos 

7.    Jacob Wilbert com 1 mulher e 4 filhos 

8.     Henrique Filper com 1 mulher e 6 filhos

9.     Pedro Borniger com 1 mulher 

10. Ludovico Grassmann com 1 mulher e 3 filhos 

11. Francisco Filipo Filper com 1 mulher e 3 filhos 

12.  George Palen com 1 mulher e 5 filhos 

13. Henrique Plenz, solteiro 

14. Andreas Zanius, com 1 mulher e 4 filhos 

15. João Link com1  mulher e 2 filhos 

16. Cristovão Bender com 1  mulher e 7 filhos 

17. Matias Muller com 1 mulher e 4 filhos 

18. João Kopp com 1 mulher e 4 filhos 

19. Henrique David Heidrich c/ mulher e 4   filhos 

20. I.D. Heidrich, solteiro

21. Francisco Sauvrassig com mulher e 2 filhos 

22. Jacob Wagner, solteiro 

23. Nicolau Engelmann com 1 mulher 

24. Henrique Strassburger 

25. PETER JACOB WASEM com mulher e 4 filhos (entre eles PETER JACOB LAMPERT, 4ª emigração, enteado, filho de um primeiro casamento de sua mãe Elisabeth Gülsdorf e  pela repetição dos prenomes, seu afilhado).  

26. Jacob Kaspar 

27. Filipo Strassburger 

 

             Obtiveram aprovação do seu pleito e em 26 de março de 1846 finalmente, chegaram A Porto Alegre pelo brigue Bella Manoella e foram distribuídos segundo os interesses de cada um. Peter Jacob Wasem (20-12-1801) casou com a viúva e sua segunda esposa Elisabeth Gülsdorf (11-1902 e 1-3-1852) e mãe do Peter Jacob Lampert, vieram para Dois Irmãos, depois Brochier e finalmente para Conventos, sempre com seus parentes Lampert ali residentes. Constatamos que nosso Peter Jacob Lampert – não descobrimos o nome do pai dele - recebeu confirmação na igreja de Hamburgo Velho (com sobrenome Wasem) em 1849, junto com seu irmão de criação Jacob Wasem e batizou uma criança, filha de seu padrasto, em terceiras núpcias, com Margaretha Renner em Brochier, em 1854. Depois disso, desapareceu dos registros. Não encontramos descendentes nem óbito. Talvez algum dia encontremos seu túmulo em Brochier, Maratá, Poço das Antas ou Salvador do Sul.

 Localizamos que o filho de Peter Jacob Wasem, de nome Jacob Wasem, casado com Catharina Renner, em 1873, batizou seu segundo filho Felipe e mais três na igreja evangélica de Conventos em Lajeado. Constatamos que pai viúvo e filho, desposaram tia viúva e sobrinha.

              Essa, a saga de 27 famílias, 120 pessoas. Atendendo ao convite do Império, se dispuseram a vir para o Brasil buscando felicidade e farturas prometidas. Momento inoportuno e circunstâncias alheias as desviaram de seus objetivos iniciais. Sem esmorecimento lutaram e lutaram.

  

 

ATA DOS  FARRAPOS

 

 

                        Revirando minha biblioteca histórica, reencontrei “Enciclopédia Rio-grandense, de 1956”, com preâmbulos do Meneghetti; seu Secretário da E. e Cultura,  e  Pagliolli da Puc,  portanto,  com selo oficial.

                        Ela tem oito redatores, e no tópico Rev. Farroupilha o historiador é Walter Spalding, do Inst. Hist. e G. do RGS e do brasileiro.

                        Entre outras coisas, encontrei a ata completa do acordo havido entre os Farrapos em 25-2-1845 para finalizar a guerra, com suas 12 reivindicações, existente em todos os trabalhos. As cláusulas, em sua maioria, já vieram prontas do Rio de Janeiro.

                        Contudo, na ata, logo depois e em sequência às 12 condições  consta  mais a seguinte frase .... E TODAS QUANTAS SE PUDESSEM MAIS CONSEGUIR COM O BARÃO DE CAXIAS, omitida nos demais trabalhos  disponíveis.

                        Esse adendo, em meu entender, modifica a simples leitura das 12 exigências, pois reflete claramente que elas ainda não tinham sido concedidas por Caxias.

                        Como sabemos, Caxias nunca deu nada por escrito e não atendeu o pedido de alforria dos escravos que lutaram ao lado dos Farrapos. Envolvia legislação Federal e fugia da alçada dele. Um escravo valia 20 vacas e era um bem patrimonial, utilizável ou vendável garantido por Lei.  Desconheceu-o e nenhum Farrapo reclamou. Os Farrapos, se o quisessem, poderiam ter alforriado seus próprios escravos, bastava uma carta de alforria, mas não o fizeram.

                       Em nosso entender, a inclusão desse item nas reivindicações dos Farrapos visava apenas evitar a rebelião dos escravos e dar uma aparência de magnanimidade.

                       Cada Farrapo tratou de sua vida e os escravos lanceiros negros  ficaram sem padrinho. Retornaram aos seus primitivos donos ou enviados ao Rio de Janeiro.

Dia 28, Canabarro e em nome do Presidente da República, Lucas de Oliveira, fizeram proclamações em separado, e declararam o fim das hostilidades, sem mencionar quaisquer exigências. Foram todos anistiados.  

            Caxias determinou aos Farrapos que se dirigissem ao Poncho Verde para fazer entrega dos escravos e dos armamentos No dia seguinte recebeu-os (inclusive Netto) em seu acampamento às margens do rio Santa Maria. .

             Em 1-3-1845 Caxias fez uma proclamação, se congratulando e informando que por decreto do Imperador (18-12-1844) o passado Farrapo seria esquecido, finalizando com vivas ao Imperador e à integridade do Império.

No mesmo dia, os Farrapos o escolheram para presidir o Estado. Afora sua conduta impecável, Caxias era necessário para que se cumprissem os acordos verbais pactuados. O principal era a manutenção dos militares (menos os generais), com dignidade, nos seus postos originais do exército Imperial.

            26 militares Farrapos assinaram a ata: Canabarro, Netto (em segundo) e entre outros, Tomás José Pereira, Tte. Cel.. No livro que herdei do meu pai, na margem dessa página e junto ao nome consta a anotação confiável dele, a lápis,  “bisavô de Carlos Pereira Marques” seu genro.

           Aos generais e ministros, Caxias ofereceu e concedeu indenizações em dinheiro para compensar em parte as perdas de cada um com a Revolução. Apresentaram as suas contas e respectivos recibos. Puderam assim, recomeçar sua vida econômica. (História Regional da Infâmia de Juremir M. da Silva)

                                                 

                                        

                                                            ANEXO DE

 

                                         FARRAPOS – MOACYR FLORES

 

                        Livro História do Rio Grande do Sul – pg 87

      

           Juan Manoel de Rosas, presidente da Argentina, ofereceu dinheiro à Bento Gonçalves para a continuação da guerra civil, pois pretendia lutar contra o Império. Com essa ameaça estrangeira, Antônio Vicente da Fontoura conseguiu do governo imperial  a indenização aos chefes farrapos.  No início de fevereiro todos os chefes farroupilhas pediram e receberam anistia. Caxias determinou que os farrapos se reunissem na fazenda dos Cunhas,  em Poncho Verde para entregarem as armas e os escravos. Em 28.2.1845 foi elaborada uma ata, chamada popularmente de “tratado de paz” de Poncho Verde, que não passa de uma farsa porque não constam assinaturas de representantes do Império. Caxias limitou-se a uma proclamação em 1º.3.1845, nos campos de Alexandre Simões,

 

                    Professor de história na UFRGS aposentado

 

 

                                        LUTA E PAZ

 

                                                      A CAUSA

 

LUTA – Proclamação de Bento Gonçalves no 1ª dia da Revolução ....... Conheça o Brasil que o 20 de setembro de 1835 foi a consequência inevitável de uma má e odiosa administração. E que não tivemos outro objeto, e não nos propusemos outro fim, que restaurar o império da Lei, afastando de nós um administrador inepto e faccioso, sustentando o trono do nosso Jovem Monarca e a integridade do Império.

 

                                                   O DESFECHO

 

PAZ - Manhã de 28 de fevereiro de 1845, Davi Canabarro manda formar sua gente e, solenemente, lê sua proclamação:

- Concidadãos – Completamente autorizado pelo magistrado civil à quem obedecemos e na qualidade de comandante em chefe contando com a unânime vontade de todos os oficiais da força do meu mando, vos declaro que a guerra civil que há mais de nove anos devasta este belo país está acabada. A cadeia de sucessos por que passam todas as revoluções tem transviado o fim político a que nos dirigíamos, e hoje a continuação de uma guerra tal seria o ultimato da destruição e do aniquilamento de nossa terra. Um poder estranho ameaça a integridade do Império e tão estólida ousadia jamais deixaria de ecoar em nossos corações brasileiros. O Rio Grande do Sul não será o teatro de suas iniquidades, nos partilhamos a glória de sacrificar os ressentimentos criados no furor dos partidos. Ao bem geral do Brasil.

- Concidadãos – Ao desprender-me do grau que me havia confiado o poder que dirigia a revolução, cumpro assegurar-vos que podeis volver tranquilos ao seio de vossas famílias. Vossa segurança individual e da propriedade está garantida pela palavra sagrada do Monarca, e o apreço de vossas virtudes confiado ao seu magnânimo coração. União, fraternidade, respeito às Leis e eterna gratidão ao ínclito presidente da Província, o Ilmo. e Exmo. Barão de Caxias, pelos afanosos esforços que há feito na pacificação da Província. – Campo do Poncho Verde, 28 de fevereiro de 1845 – DAVI CANABARRO.

 

                 Logo após Manuel Lucas de Oliveira lança outra proclamação, em nome de José Gomes Vasconcelos Jardim, presidente que fora da República Rio-Grandense, na qual, depois de fazer o elogio dos farroupilhas, conclui:

- Resta lembrar-vos, Rio-Grandenses, que cumpre desviar deste momento em diante, quanto seja capaz de eclipsar tanta glória, quanto possa desvirtuar vossos feitos, baixar-vos de ambição, enfim, quanto possa obstar que vossos nomes ilustres voem à séculos remotos  com aquele esplendor de que por tantos títulos, por tantas provas, sois dignos – Dizei comigo – somos outra vez Brasileiros – seremos sempre idólatras da liberdade constitucional – Campo em Poncho Verde. 28 de fevereiro de 1845 – MANUEL LUCAS DE OLIVEIRA.

 

                  No dia seguinte, pela manhã, em seu acampamento ordena Caxias a formação de sua força e manda ler a seguinte proclamação:

- Rio-grandenses ! É sem dúvida para mim de inexplicável prazer o ter de anunciar-vos que a guerra civil que por mais de nove anos devastou esta bela Província está terminada.

                    Os irmãos contra quem combatíamos estão hoje congraçados conosco, e já obedecem ao legítimo Império Brasileiro. Sua Majestade o Imperador, ordenou por decreto de 18 de dezembro de 1844 o esquecimento do passado e mui positivamente recomenda no mesmo decreto que tais brasileiros não sejam judicialmente nem por outra qualquer maneira inquietados pelos atos que praticaram durante o tempo da revolução. Esta magnânima deliberação do Monarca Brasileiro há de ser religiosamente cumprida. Eu o prometo sob minha palavra de honra. Uma só vontade nos uma, Rio-Grandenses: maldição eterna a quem recordar-se de nossas dissensões. União e tranquilidade seja de hoje em diante a nossa divisa. Viva a religião, Viva o Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil. Viva e integridade do Império. – Quartel General da Presidência e do Comando em Chefe do Exército na costa do Santa Maria, campo de Alexandre Simões a 1º de março de 1845 – BARÃO DE CAXIAS.

 

 

       MIGRANTES PARA SANTA MARIA

 

 

     Apenas dois filhos do imigrante Johann Jacob Lampert optaram para se estabelecer na metade sul do RS

                                                            

KARL LAMPERT EM SÃO MARTINHO

 

     Karl Lampert (1826-1911) deve ter casado com Catarina Kruel em São Leopoldo, pois nenhuma outra família com esse sobrenome residiu em Dois Irmãos. Dali foram para Taquarí. Os filhos do casal: Carlos Frederico, Ernesto Leopoldo, Henriqueta, Lidovina, Frederico Gabriel e Maria Lampert, foram registrados em Taquari a partir de 1851 e batizados evangélicos. Rosa, Emília, Izabel, Júlia, Amândio Fidêncio, Jacob Carlos e Leopoldo, foram registrados e batizados evangélicos em Santa Maria após 1861. Cristiano Sezefredo, João Batista, Adélia, Adelaide e Anatólio, foram registrados em São Martinho depois de 1874, todos católicos. - 18 filhos - nove homens e nove mulheres.

    Cremos que foram direto de Taquari para São Martinho e registraram em S. Maria por não haver, no momento, cartório ali, nem igreja evangélica em S. Martinho.  Nosso avô Leopoldo nos contou que nasceu em São Martinho (o seu registro é de S. Maria)

     Anos mais tarde, Karl, esposa e a maioria de seus filhos, vieram para Montenegro, Lajeado e Porto Alegre. O casal faleceu em 1911 e está sepultado em Montenegro no cemitério evangélico.

 

                     E SEU IRMÃO MICHAEL LAMPERT EM SANTA MARIA

 

     Michael (1817) também deve ter casado com Katharina Butze em São Leopoldo, pois o primeiro filho do casal, Carlos, foi lá registrado em 1843. Os seguintes: Klemens, Michael Adam, Jacob, Carolina, Abraham e Adam nasceram em Dois Irmãos entre 1845 e 1854; O último, Peter, nasceu em Taquari em 1858. Os descendentes da maioria ainda se encontram na região. Um número elevado deles optou pela vida militar, no Exército, Aeronáutica e Brigada Militar.

 Verificamos que os dois irmãos e seus filhos moraram ao mesmo tempo em Taquari e ambas as famílias devem ter partido em fins de 1860 para a região de Santa Maria.

 Santa Maria ainda deveria estar decadente, em decorrência da Revolução Farroupilha: Campos despovoados de gado, imóveis depreciados, proprietários e filhos mortos em combate, dívidas e impostos não pagos, viúvas desamparadas, inimizades, decepção e pobreza geral, mercado atraente para quem dispusesse de energia, dinheiro  ou crédito para adquirir propriedades rurais em ruínas à venda. Foi o que os irmãos fizeram.

Michael, voluntário, foi engajado nas fileiras do exército Imperial em 7-5-1838 e lutou até o centro do Estado. Após, foi-lhe determinado que voltasse às suas origens, juntamente com seu cunhado Cap. Carlos Clemente Kersting e o irmão deste, major Ferdinand August Maximilian Kersting, afim de, com demais voluntários locais, combater o banditismo praticado por desgarrados, expulsos e desertores do exército Farrapo, que estavam praticando assaltos, roubos e assassinatos na região de Dois Irmãos.    Cumpriram o que lhes foi ordenado.

     Vemos que Michael, no exército, lutou durante três anos e teve o seu primeiro filho em 1843, antes do fim da revolução.                                               

 

 

OMISSÕES

 

 

MANOEL LUIZ OSORIO – Futuro Marechal e Patrono da Cavalaria era Tenente Coronel do exército Imperial. Livro Farrapos, de Jorge Telles, pg 101. No livro História Ilustrada do RGS, da RBS, na pg 122, destaca que Osório, Farrapo inicial, repassou-se de volta ao Império. Lutou durante os dez anos da Revolução Farroupilha. No Parque Osório em Tramandaí não encontrei qualquer referência. Foi nomeado Ministro de D. Pedro II.

 Dia 10-05-2011, Zero Hora publicou o mesmo no “Túnel do Tempo”

 

TAMANDARÉ – Futuro Almirante e Patrono da Marinha, foi oficial à bordo dos navios de guerra do Alm. Greenfell, que evitou a tomada do porto de Rio Grande, sitiou os republicanos na ilha do Fanfa e expulsou os Farrapos quando estavam tomando o porto de São José do Norte.

 

COMBATE DA ILHA DO FANFA – Encurralado pelo exército imperial e pela esquadra de Greenfell, lutando bravamente por três dias e sem alimentos, Bento Gonçalves e seu Estado Maior aceitaram de rendição oferecida por Bento Manuel. Seriam todos liberados, desde que depusessem as armas e se comprometessem por palavra de honra não mais entrar em luta contra o Império. Os soldados vencidos foram mandados para casa e os oficiais ficaram soltos no acampamento dos vencedores. Não confiando, Bento Manuel mandou vigiar Bento Gonçalves. Quando este mandou para Piratini um emissário com determinações de guerra, Bento Manuel interceptou-o e leu seu conteúdo. Mandou prender todos os oficiais e envia-los como prisioneiros para o Rio de Janeiro, donde mais tarde se evadiram e voltaram ao sul. Bento Gonçalves foi enviado para a prisão na Bahia, onde, por intervenção da maçonaria, também posteriormente, fugiu e voltou a Piratini. 

 

NETTO – O Tte. Cel do exército imperial Antônio de Souza Netto, proclamou a república, sem consultar seus superiores imediatos, os monarquistas Cel. Bento Gonçalves da Silva e Cel. Bento Manoel Ribeiro, autoridades máximas militares no RS. Bento Gonçalves teve que aceitar o fato consumado, mas Bento Manoel Ribeiro acabou trocando de lado na Revolução e ficou com o Império. Netto assinou a ata do acordo entre os Farrapos, logo após Canabarro e foi à Poncho Verde para fazer entrega do armamento e dos escravos ao Império, livro Enciclopédia Rio-grandense, tema A revolução farroupilha, de Walter Spalding; pg 279 e livro Farrapos – a Guerra que Perdemos, 2004, de Jorge Telles, pg.101. Meio a contragosto, acabou aceitando a anistia geral.

 No dia seguinte apresentou-se à Caxias, que recebeu os comandantes Farrapos em seu acampamento no rio Santa Maria e também fez a sua proclamação de paz, Sem qualquer dúvida, Netto foi o general que gozava de maior prestígio entre as tropas da República.  Desgostoso com o desfecho da revolução emigrou para o Uruguai onde tinha propriedades rurais.

 

 

                                                      MANIPULAÇÃO

 

GARIBALDI - Encontramos duas versões da Carta de Corso entregue no Rio de Janeiro: pg. 52 do livro Garibaldi e a Guerra dos Farrapos, de Lindolfo Collor (1938) e pg. 22 do Garibaldi em São José do Norte, de Elma Sant´Ana (2007):

 

...... cruzar os mares  e rios onde trafegassem barcos de guerra ou de comércio do Brasil, podendo apropriar-se DELES OU TOMÁ-LOS PELA FORÇA DE SUAS ARMAS .... 

            .......... DE SUAS ARMAS COM O USO DA FORÇA ......., alteração sutil do texto, escondendo desnecessariamente  a autorização de captura de navio cargueiro e de saque das mercadorias a bordo. 

 

          Os livros Os Farrapos, 2003, de Carlos Urbim, pg. 89 e Anita Garibaldi,1999, de Paulo Markun, pg. 96,  repetem os mesmos dizeres do livro de Lindolfo Coll

 

          DESFILE FARROUPILHA – Sempre o assisto com prazer, e vi, no ano passado, quando um carro alegórico desfilava em frente ao palanque oficial, a “assinatura” ostensiva, com uma grande caneta, das figuras que representavam David Canabarro  e Barão de Caxias, assim o locutor anunciava, do acordo de paz jamais realizado. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A GRANDE BATALHA QUE NÃO HOUVE

 

O COMBATE DE TAQUARI EM 8 DE MARÇO DE 1840

 

            Em 1949 mudei de residência de Lajeado para Bom Retiro do Sul - distrito do município de Taquari - por motivos profissionais. Morei lá durante 12 anos. Meu filho primogênito é conterrâneo do David Canabarro, Taquariense nato.

            Por ser sede do município, eu iria pelo menos uma vez por mês à cidade, para atender afazeres burocráticos. Tive contato e fiz muitas amizades, entre eles com José Leite Costa, Engº Agrônomo, filho do advogado Adroaldo Mesquita da Costa, mais tarde ministro da Justiça do Brasil - e que também morava em Taquari.

            Povo generoso e cordial. Só guardei boas lembranças,

           Em Bom Retiro do Sul, envolvi-me em atividades ligadas às tradições gaúchas. Fui um dos fundadores do CTG Querência da Amizade, em 1957, e seu terceiro patrão. Misturávamos cultura riograndense e revolução farroupilha. Foi o início do meu interesse pela história gaúcha e que nunca mais teve fim.

            Sabedor do combate de Taquari achei no Google a foto do monumento comemorativo e lembrei que estive há muito tempo no local para conhecer a área dos Caramujos nos arredores da cidade, o Passo de Taquari, a ilha do Passo Velho. Transpondo o rio em direção à General Câmara, indaguei ao barqueiro o sítio exato do final a contenda.

 

MONUMENTO DO COMBATE EM TAQUARI (GOOGLE)          

                               

                           

 

            Interessado numa relíquia, pedi ao meu amigo José Leite Costa (o Zé), que tentasse obter uma arma encontrada no rescaldo da refrega - uma garrucha ou uma ponteira de lança de cruzeta - e me informasse o preço. Deu em nada.

            Em 1961 fui morar e trabalhar em Encantado e, algum tempo depois, o Zé se apresentou no meu escritório portando um sabre de cavalaria sem bainha, “doado” por um morador vizinho dos caramujos. Não esquecera a minha encomenda. Logo vi que o Zé comprara o sabre e não quis cobrá-lo de mim. Era bem típico dos açorianos de Taquari.

            Examinando o sabre, constatei que a lâmina dele, “Solingen”, era mais grossa e mais pesada do que as demais que eu tinha também da época farrapa (tinha quase o dobro da largura). Deveria ser portada por um homem vigoroso. Os copos do sabre já com folga, demonstraram o tempo de “serviço” da arma e não havia dúvida sobre a sua antiguidade. Pela fonte e pelo aspecto, admiti a sua legitimidade. Vide foto.

 

 

 

            Desejando escrever crônica a respeito da origem do sabre e do combate de Taquari, procurei nos livros históricos que herdei do meu pai, nos que eu havia adquirido e também no Google, material histórico que orientasse a minha crônica. Com surpresa, constatei que quando mencionado o combate, havia apenas frases esparsas e sem valor real. Tentei contato com outros historiadores e recebi sempre a mesma resposta. Não tinham nenhum conhecimento efetivo.

            No Google, vi o nome do historiador taquariense Riograndino da Costa e Silva (primo do Zé) e passei a procurar seu livro – São José do Taquari. Consegui xerox do tema que me interessava.

            O livro reproduz crônicas de Othelo Rosa, publicadas no jornal O Taquaryense a partir da edição de 1° de julho de 1939, que mostrarão o roteiro a ser seguido em resumo por esta crônica.

            Em Taquari e seus arredores, na zona compreendida entre os arroios Pinheiros e do Moinho, no ano de 1840 o governo imperial e os republicanos rio-grandenses mobilizaram os maiores efetivos da guerra que, durante todo o decênio, estiveram face a face (pág. 193).

            Em números globais: as forças legais, sob o comando do Gal. Manoel Jorge Rodrigues, 7.000 homens; as hostes republicanas comandadas pelo Gal. Bento Gonçalves da Silva, 6.000 homens.

            O Império e a novel República jogariam, no lance, cartada perigosa e decisiva. Bento tinha necessidade de resolver logo a parada com os imperiais, que dia após dia aumentavam em número e armamento suas forças e qualquer demora seria fatal.

Manoel Jorge não tinha pressa. O correr do tempo estava ao seu lado.

            Bento, ao lado de David Canabarro, Netto e suas tropas (incluindo Garibaldi, Anita e seus marinheiros a pé), chegou primeiro e escolheu um local favorável às suas armas, com um leve declive à sua frente, a existência de um arroio e um mato fechado que garantia seu flanco esquerdo. Posicionou seus três canhões à frente da infantaria, a cavalaria na retaguarda (apta a manobrar) e se preparou para ser atacado pelos imperiais. Manoel Jorge, prudente e acautelado, se posicionou à pequena distância e, vendo a posição favorável do inimigo, preparou-se também para ser atacado e ficou aguardando. Sua cavalaria, no momento, não estava em sua melhor forma.

            Bento vacila (surpreendido pela inércia de Manoel Jorge), não desfere o golpe e adia o encontro para o dia seguinte. Se sucedem pequenas escaramuças e combates de cavalaria. A noite cai sem batalha. Ao madrugar do dia, uma cerração densíssima envolvia Taquari, que só se dissipou às 10 horas da manhã. Foi então que os farroupilhas, tomados de espanto, verificaram que o inimigo desaparecera. Indescritível o desespero no acampamento farroupilha. A retaguarda dos imperiais ainda estava terminando de atravessar o rio.

            Bento manda carregar e ataca os remanescentes entrincheirados na barranca do rio, sendo que eles estavam sustentados por uma barca a vapor e navios a vela, com seus canhões direcionados aos atacantes. Novamente surpreendido, Bento, em pequenas escaramuças reage e, pelo número de mortos de cada lado - 201 Imperiais e 270 farroupilhas mortos - verifica-se que apenas pequenos grupos se defrontaram. Número irrisório ante a possibilidade evidente de uma carnificina num corpo a corpo generalizado.

            Manoel Jorge, recuando, preservou seu exército de um possível desastre. O desgosto entre os chefes farroupilhas iria prejudicar-lhes grandemente a unidade de ação. Bento, como comandante indeciso, foi responsabilizado e criticado asperamente.

            Bento Gonçalves da Silva perdeu a última oportunidade de um confronto “tudo ou nada”. Jamais se repetiria.

            Bento recuou com seu exército para o sítio de Porto Alegre.  Canabarro e Netto dirigiram-se para suas regiões na campanha.

            A revolução seguiu seu curso natural e até a paz surgir, ceifaria a vida de muitos combatentes.

            Tentativas de paz foram realizadas, mas havia um ponto inegociável pelos dois lados. Os farrapos queriam um acordo entre dois países e o império considerava os farrapos como revolucionários dentro do estado do Rio Grande do Sul. Não seria um país. Não tinha uma constituição, fronteiras definidas e aceitas pelos vizinhos, não era reconhecido pelos demais países, não enviara embaixadores nem os recebera, não convocara eleições entre a população.

            Somente em 1845 os farrapos (de má vontade) aceitaram que seriam todos anistiados. Convocaram 26 oficiais do exército farrapo que, de comum acordo entre eles, aceitariam a paz com os imperiais condicionando que o Império atendesse uma série de condições entre elas a libertação dos escravos que lutaram ao lado dos farrapos. O Império simplesmente ignorou essa cláusula e nenhum farrapo reclamou. Podiam tê-lo feito, mas não libertaram nem seus próprios escravos companheiros de luta.

            A paz foi selada verbalmente e documentada em 28 de fevereiro de 1845 por  declarações formais dos líderes farrapos David Canabarro e Lucas de Oliveira, em nome de José Gomes Vasconcellos Jardim. Consideraram a luta terminada e em 1º de março, por proclamação do Barão de Caxias aos seus comandados, informando que os revoltosos já haviam deposto as armas, aceitaram a anistia e estavam novamente congraçados como súditos de S. M. I. Dom Pedro II.

            Caxias determinou que os Farrapos que se dirigissem ao Poncho Verde para entrega dos escravos e dos armamentos. Netto inclusive.

           

                                                       PÁTRIA E QUERÊNCIA

Guido Ernani Kuhn

A impressão que se tira, a cada setembro, é que aqui no Sul o dia 20 tende a superar o dia 7. Não sei se por causa da fétida lama federal, ou por outras razões interiores de cada peito gaúcho, é visível que o evento regional cresce e até se prolonga em duração (era Semana Farroupilha, agora já é quase Mês), em vibrantes manifestações do civismo e da cultura do Sul. No sentimento do povo gaúcho, o amor à terra é cada vez mais focado no Rio Grande, essa querência regional com sua marcada cultura e o peculiar jeito de ser de sua gente, que tem hino próprio e o canta com ardor. Esse pessoal que faz cavalgadas, será que as faria pelo 7 de Setembro? Nossa cara e nossos costumes são diferentes, e há até peculiaridades inconfundíveis na língua.

A origem disso já tem 172 anos, apenas 13 anos a menos que o Brasil independente. É até espantoso como vem crescendo entre nós o interesse por essa história, iniciada a 20 de setembro de 1835, tendo por estopim, segundo relata o padre Theodor Amstadt, um imposto territorial de 10 mil réis por légua quadrada, decretado contra os latifundiários, para reforçar o caixa da cidade. A légua quadrada media 4.356 hectares, e 10 mil réis era uma bagatela, por si só incapaz de provocar uma guerra. Foi apenas a gota d’água que entornou o caldo.

Havia outras causas bem mais fortes, ainda represadas, que se somaram no caudal da revolta. Hoje, a paixão é tão grande que muitos gaúchos se incomodam com os historiadores que têm versões desabonadoras à memória dos grandes heróis daquela epopéia, como Garibaldi, Canabarro, o General Antonio de Souza Netto, que foi quem proclamou a República de Piratini, a 11 de setembro de 1836, além do próprio Bento Gonçalves, que foi o primeiro presidente. Entre outras coisas, diz-se que a Paz de Poncho Verde teria sido uma farsa, uma rendição assinada apenas pelos farrapos e nenhum representante do Império, salvando a pele das elites farroupilhas, mas não dos escravos que estavam com eles.

O levante dos farrapos eclodiu 11 anos depois da chegada dos primeiros imigrantes alemães a São Leopoldo. O Império não tinha honrado os contratos com eles, e, do outro lado, os fazendeiros faziam pressão política contra o progresso das colônias, muitos desejando ter nos seus latifúndios a força de trabalho dos imigrantes. O impasse chegou até a suspender novas imigrações, a partir de 1830. Sem alternativa e cercados de fúria, como caranguejos entre o mar e o rochedo, os colonos estavam na linha de fogo, nas barbas do grande alvo que era a Capital da Província. Não conheciam a língua nativa, a guerra não era deles e sequer sabiam se a luta era do bem contra o mal, ou apenas uma disputa política de poder. Dos que entraram na revolução, a maioria ficou do lado do Império, liderada por Johann Daniel Hillebrand, um alemão que era coronel da Guarda Nacional e depois também Diretor da Colônia de São Leopoldo. Outros, sob pressões e ameaças, aderiram aos farrapos, entre eles Hermann von Salisch, que por isso foi deposto da Direção da Colônia.

Todos os colonos, inclusive os neutros, que eram maioria, estavam constantemente sob o risco de invasão, confisco de bens, massacres, torturas, degolas e outras formas cruéis de assassinato. Coisas que aconteceram tanto que, após nove anos de guerra, a Colônia, com pouco mais de cinco mil almas, tinha 15 habitantes a menos do que no começo. É um cenário que, mais tarde, se repetiria outras vezes, de forma até mais cruel, como na Revolução Federalista de 1893. Para tomar Porto Alegre, defendida pelos caramurus do Império, talvez tenha faltado aos fazendeiros farrapos maior harmonia com os colonos. Com o campo e a roça divididos, a Capital resistiu, e por isso até foi chamada de “Mui Leal e Valorosa Cidade de Porto Alegre”.

A história verdadeira é aquela que realmente aconteceu, mas talvez não seja exatamente a história que temos para contar, que inclui versões e interpretações, o que provoca as divergências. Afinal, isso não é uma simples soma de dois mais dois. Seja como for, uma guerra é sempre horrorosa, principalmente quando corre sangue do jeito que correu. Uma guerra nunca é limpa e nela não há santos. Sua única regra é a falta de regras. Por isso, não podemos festejar uma guerra, nem mesmo nos incomodar muito com o que descobrem os historiadores sobre ela. Mas podemos lembrar os ideais que a motivaram, as lições que dela saíram, os valores que a ela sobreviveram e os heróis que ficaram. É o que os gaúchos fazem, com ardor, a cada 20 de setembro. Hoje, embora não tenhamos convívio fácil na política e no futebol, é muito bom que estejamos em paz como gaúchos e brasileiros, porque pelo menos nisso estamos todos do mesmo lado. (12/9/2007)

Fonte: Gazeta do Sul – guido@gazetadosul.com.br                                        

 

 

                                                    LEANDRO LAMPERT

                                                             Historiador

 

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