quarta-feira, 25 de outubro de 2017

                                             CONTATOS DE CARAZINHO

              Procuro contato por e-mail com qualquer Lampert residente em Carazinho.
              Favor enviar e-mail para lampertele@bol.com.br.

             Grato,

             Leandro.
NOTICIOSO LAMPERT

            No meu blog se encontrarão os textos dos meus escritos: Livro OS LAMPERT – ORIGENS, HISTÓRIA E GENEALOGIA, MUITAS COISAS PARA CONTAR. CRÔNICAS DA MINHA INFÂNCIA – polígrafos OS RUSCHEL, OS DIEHL – FATOS E CRÔNICAS, 8 crônicas, 8 Reminiscências Profissionais e OS FARRAPOS.

Endereços de email - Tenho notado que muitos Lampert modificaram seus endereços de email e vários que tenho enviado retornaram. Por favor, peço para atualizarem os respectivos endereços, permitindo o diálogo comigo. Não tenho mais nenhum endereços dos Lampert de: Carazinho, Santa Rosa, Criciumal, Tenente Portela, Foz do Iguaçu, Santa Maria, Novo Hamburgo e arredores, Augusto Pestana, Coqueiros do Sul, Ati-Açu e outros mais.

            Iago C. Freitas solicitou dados de sua tia avó Hedi Lampert: foi casada com Olimpio Schuch e tiveram dois filhos Clécio Schuch 1946 e  Celício 1951.

Novos Lampert – Encontramos em Dionísio Cerqueira (SC) duas parentes com sobrenomes Portela Sperotto Lampert e mais Leandro Portela Sperotto Lampert em SP. Não conseguimos situá-los na nossa família. Precisamos dos seus endereços de email para contato direto. Alguém os conhece?

Lampertfest – Com o falecimento precoce de Julio Cesar Lampert, de Carazinho, que comandaria nossa festa no ano passado, ficamos sem candidato para promover a Lampertfest deste ano. Candidatos poderão entrar contato comigo pelo email ……

Endereços de email a serem retificados:

            Alberton, Gildo
            Barreto, Neli
            Dias, Cláudio L.
            Fetter, Vera L.
            Freitas, Davi
            Freitas, Fausto L. de
            Lampert, Aline
            Amauri Luiz Lampert (A. Pestana)
            Lampert, Carlos Eduardo Costa (do Cel. Carlinhos)
            Lampert, Carlos Henrique (Rio) (do Mal.)
            Lampert, Carlos (clampert@jus.br)
            Lampert, Cleber (PR)
            Lampert Mattiello (cristianemattiello@hot mail.com)
            Lampert, Darney Bruno
            Lampert, Ernani Reni
            Lampert, Fabiano (Jaraguá)
            Lampert, Fernanda Roberta (fe.lampert@hotmail.com
            Lampert, Gilberto (NH)
            Lampert, Hélio (compras@engepepes.com)
            Lampert, Inaiá
            Lampert, Izabel Cristina
            Lampert, Jadete B. (S. Maria)
            Lampert, Jorge André
            Lampert, Leandro (Manaus)
            Lampert, Leonardo (do Dolfo)
            Lampert, Louise (Lajeado)
            Lamperr, Maira
            Lampert, Marco Antonio
            Lampert, Mauris (Chapecó)
            Lampert, Mauro Toigo
            Lampert, Mateus e Maira
            Lampert, Osmar Paulo (Igrejinha)
            Lampert, Paula Marceli
            Lampert, Pedro Ivo
            Lampert, Renato Barboza
            Lampert, Ricardo (Carazinho)
            Lampert, Rita de Cássia (S.Maria)
            Lampert, Rosane (Natal)
            Lampert, Tiago (do Mauris)
            Lampert, Vinicius (do P. Ivo)
            Lampert, Silvana
            Schroeder, Auderli Sidnei
            Tiggeman, Walburga
            Zanuzzo, Paulo (Maiara)
           


COMPRANDO FEIJÃO NO OESTE DE SC

            Creio que corria o mês de janeiro do ano de 1957, e na época eu morava em Bom Retiro do Sul. Já era casado com a Lucy, e meu primogênito tinha um ano de idade. Eu era gerente administrativo da Sociedade Bom Retirense de Produtos Suínos Ltda., que tinha como diretor e principal cotista Octávio Trierweiler (também sócio titular da firma Trierweiler & Cia. Ltda., de Lajeado, cujo ramo era o comércio de cereais, navegação fluvial, engenho de arroz, moinho de trigo, transporte rodoviário de cargas etc.).
Líder empresarial em Lajeado, Octávio foi meu patrão durante mais de onze anos - penso que aprendi com ele as artes e ofícios do comércio.
         Os matadouros de suínos estavam sujeitos à safra e entressafra. Excesso de oferta (preço baixo) e depois carência de animais para abate (preço elevado) ocorriam de janeiro a abril. Pouco trabalho no frigorífico.
         A região do Vale do Taquari produzia a cada ano menos feijão, e seria de bom alvitre também compra-lo no oeste de Santa Catarina, com farta colheita em dezembro e janeiro, para exporta-lo diretamente para o Rio de Janeiro via representante de vendas.
         Seu Octávio escolheu-me para ser o encarregado de ir para SC, escolher uma cidade, alugar um prédio, registrar o posto de compras na Prefeitura e Coletoria Estadual, contratar um empregado, morar num hotel, comprar feijão, pagá-lo, trocar a sacaria e, por fim, embarcar via rodoviária para o Rio de Janeiro. Segundo ele, tudo muito fácil. Administrar uma empresa é uma técnica, mas o comércio é uma arte que eu desconhecia. Eu nem sabia os nomes das espécies dos feijões que eu iria comprar, que dirá afirmar a sua qualidade e mercado. Me deram vários envelopes com amostras  e respectivos nomes: preto, branco, mouro, enxofre e cavalo claro.
Seu Octávio me deu uma procuração, lotou um jipe 1954 capota de lona com sacaria vazia nova, duas agulhas, linha de costurar sacos e um calador. Restava apenas um lugarzinho apertado para o motorista, sua maleta de roupas e uma grande pasta de couro lotada com dinheiro vivo para pagar as compras de feijão. Deu-me um mapa do RS e SC e disse: “Vai”. Fui com o coração apertado. Seu Octávio disse que seria tudo fácil. Fácil? Só para quem sabe, e eu não sabia.
Comecei a viagem de madrugada em Lajeado com destino à Mariante, depois Venâncio Aires, Soledade, Carazinho até Iraí onde cruzaria o rio Uruguai. Depois, Santa Catarina até encontrar uma cidade para sede do posto de compras de sua firma. Percorreria cerca de 500 quilômetros em estrada de chão batido e muita poeira.     
            Na travessia o barqueiro perguntou-me para onde eu ia. Eu não sabia ainda, mas ia à procura de feijão. Sugeriu-me Palmitos, que ficaria no meio da produção, tinha correio e telégrafo - eu já sabia que não existiam bancos na região para operar com dinheiro, e também não havia telefone.
            Já de noite, cheguei ao hotel em Palmitos, moído, cansado e todo vermelho da poeira da estrada. Que aventura. Daquelas de contar mais tarde para os netos.
            De manhã falei com o hoteleiro para alugar uma casa. Sugeriu-me alugar um salão de baile que estava disponível, logo na esquina à esquerda do hotel e duas quadras abaixo. Aluguei-o por dois meses e aluguei também uma balança com rodas, para 300 Kg. Contratei um empregado local, que entendia de feijão e conhecia colonos produtores da região. Sondei o mercado e comecei as compras, pagando à vista no momento da entrega da mercadoria. A firma Trierweiler já era conhecida na região, e assim que acabou o dinheiro comecei a comprar fiado para pagar em dez dias, quando receberia novo lote de dinheiro.
          Na região, logo falaram que eu seria um “cobra” no comércio de feijão. Nem imaginavam que eu era apenas um reles principiante que tinha sido orientado a “sentir” o clima comercial e agir com independência.
             Eu sabia que o comércio de feijão era de alto risco. Permitia ou tirava resultados.
             Eu estava sempre com a pasta de dinheiro na mão e discretamente armado.           
            Telegrafei para Lajeado, pedindo mais dinheiro, e soube que as vendas do “meu” feijão estavam ocorrendo normalmente. Foi fácil.
            A Lucy foi trabalhar comigo aos 14 anos. Aos 18 nos casamos e com 20 anos tivemos o primeiro filho. Nas minhas ausências eventuais, ela assumia o comando do escritório. Em 1958 tornei-me o único gerente da Bom Retirense, assumindo também a gerência industrial, auxiliado cada vez mais pela Lucy. Ela trabalhou comigo por 10 anos. Em abril de 1959, a Bom Retirense trocou sua razão social para Trierweiler & Cia. Ltda.
 Seu Octávio mandou uma maleta de dinheiro para a Lucy em Bom Retiro do Sul para que fosse a Porto Alegre de ônibus, contatasse por telefone com a filial no cais do porto para completar o dinheiro necessário, recebesse a passagem da Varig para destino em Iraí e tomasse o avião DC3. Eu a estaria esperando no aeroporto rudimentar de Iraí. A Lucy jamais tinha viajado de avião e levaria sua bagagem e uma maleta com dinheiro para me entregar no desembarque. Projeto de uma imprudência irracional, mas deu tudo certo. Eu confiava no desembaraço da Lucy.
           No desembarque dela nosso olhos se cruzaram, com um sentimento de recíproco carinho e confiança. Ficaria alguns dias comigo em Palmitos.
            O que eu não sabia era que a região ainda estava sendo desbravada e a violência campeava. Hotéis e restaurantes precários, com banheiros “lá fora”. Quase não havia roubo, mas as brigas e assassinatos eram comuns. Muitos aventureiros. Logo na primeira tarde, a Lucy e eu ouvimos um alarido perto do hotel e fomos ver o que havia. Uma briga de dois compadres, que depois de umas e outras, estavam engalfinhados. Um deles mordeu e decepou com os dentes parte da orelha do outro. Gente fina e sangue à vontade.
            Paguei o feijão que devia e comprei mais um pouco para pagar quando voltasse de Lajeado, depois de levar de jipe a Lucy para Bom Retiro do Sul. Traria mais outra mala com dinheiro.
            Assim, entre idas e vindas de jipe, comprei feijão em janeiro e fevereiro, adquirindo experiência para voltar no ano seguinte. Voltei. Já havia, então, um banco em Palmitos. Exportei dezenas de cargas de feijão para o Rio de Janeiro. Correspondi às expectativas esperadas.
Em janeiro do ano seguinte, reiniciei as compras de feijão em Palmitos, no mesmo local e com o mesmo empregado, instruindo outro gerente da firma Trierweiler a substituir-me na segunda quinzena até meados de fevereiro, quando se encerrariam as compras.
            Nos dois verões seguintes, no mesmo jipe, fui incumbido de comprar arroz em casca dos rizicultores de Taquari, Rio Pardo, Venâncio Aires, General Câmara e Candelária, indo nos sábados e voltando no dia seguinte.  Um atoleiro atrás do outro. Comprei arroz com casca tipo japonês e blue rose - então, os únicos existentes nas lavouras e hoje já desaparecidos.
            O gerente da filial de Mariante, meu colega e primo-irmão Loreno Lopes foi o meu substituto em Palmitos e o parceiro na compra de arroz.
       Em 1961 mudei de residência para Encantado e fui nomeado diretor superintendente da Cosuel, matadouro frigorífico de suínos. Entrei também no ramo de óleos vegetais, rações balanceadas, supermercado, leite em Arroio do Meio, vinho em Nova Bréscia e erva mate em Burro Feio, no município de Anta Gorda.
            Palmitos e similares nunca mais. Não se abusa da sorte.

Leandro Lampert
Historiador

Outubro de 2017


lampertele@bol.com.br           leandrolampertblogspot.com.br

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

MEUS AMIGOS JUDEUS

MEUS AMIGOS JUDEUS

            Em fevereiro de 1944, na juventude dos meus quinze anos, comecei a trabalhar na ACIL, em Lajeado, na função de “mandalete” (hoje office boy). Alem dos trabalhos de rua (bancos, correio, repartições públicas, pequenas compras e impressão de cópias em mimeógrafo à tinta), fui treinado para, nos finais de quinzena, emitir guias de aquisição de estampilhas na coletoria estadual, relativas ao Imposto de Vendas e Consignações para os contribuintes do fisco estadual - comerciantes e industriais, associados da ACIL. Na guia, constariam o nome e a inscrição de cada um e a descrição da quantidade e valor dos selos, até atingir o valor quinzenal do imposto. Como todos deixavam para pagar no último dia da quinzena, havia acúmulo de trabalho e eu colaboraria com os demais funcionários atrás do balcão.
            Logo de início, Jary Jaeger - o colega que me ensinara - me disse: “Leandro, atenda esta pessoa”; e afastou-se. Perguntei o nome do interlocutor, o qual me respondeu: “Nathan Wechsler”. Escrevi o Natan sem o agá, pedi para ele soletrar seu sobrenome, sua inscrição e ele me ditou os selos que ele precisava, num linguajar com sotaque estrangeiro, terrível de entender. Depois de alguma demora, dei a guia para ele assinar. Conferindo, me disse: “falta o agá no meu prenome”, e tive de começar outra guia. O cidadão estava com pressa e nervoso - e eu meio sem jeito. Conferida a guia, assinou-a e eu lhe disse: “Na próxima vez, traga um papel com seu nome e inscrição e o valor total do imposto, e deixa que eu discrimino os valores dos selos”. Fez um aceno com a mão esquerda e retirou-se. Notei que os meus colegas de balcão estavam se divertindo às minhas custas e davam sorrisos marotos da minha dificuldade como aprendiz. Nathan entendeu perfeitamente que o utilizaram para me passar um trote e deve ter resolvido amparar-me.
            No fim da quinzena seguinte, fiz-lhe um aceno e ele passou-me um papel, com os dados que eu lhe pedira. Fiz a guia, ele conferiu, assinou e afastou-se com um gesto com a mão que interpretei como um até logo. Dali em diante, por opção dele, fui o único a atendê-lo nos próximos três anos e meio que trabalhei na ACIL Meus colegas o chamavam o “amigo do Leandro”. Nunca tive um diálogo com o Nathan. Apenas uma simpatia recíproca.
          Eu queria trabalhar na indústria, pois estava recém formado com o título de “contador” (estudei à noite) e era a área da minha preferência. Pedi demissão e fui trabalhar no escritório do frigorífico de suínos e bovinos de Ritter & Cia., em Lajeado, e nunca mais vi meu amigo Nathan.
            Em 1949 fui emancipado e convidado à ser gerente administrativo do frigorífico Sociedade Bom Retirense de Produtos Suínos Ltda. em Bom Retiro do Sul (dois km além da vila), onde exerci a função durante mais de onze anos. Enquanto solteiro, morei cinco anos dentro da fábrica.
            Em 1956, uma grande enchente ocorreu no rio Taquari. O frigorífico ficava na barranca do rio e acima das águas. Normalizado o nível do rio, os funcionários me informaram que uma pedra de mármore estava, a meio barranco, encravada no meio da vegetação e entulho.  Retirado o mármore, surpreendeu seu tamanho. Media 80 x 180 e com uma polegada de grossura, retificado em três lados. Impecável.
   Tornado público, ninguém se apresentou para reclamá-lo e ficou encostado a uma parede externa dum prédio.          
   Tempos depois, estava sentado em minha mesa de trabalho e ouvi alguém falar. “Com licença, boa tarde”. Aquela voz, sotaque e nariz eram inconfundíveis. Logo perguntei: “Oi Nathan, o que você está fazendo aqui?” Surpreso: “Leandro...”. Deu-me um sorriso, lembrando-se de mim.
   Disse-me que soubera por aí que tínhamos encontrado uma pedra de mármore na barranca do rio e ela talvez fosse dele, perdida quando sua loja de móveis novos e usados no Passo de Estrela foi atingida pela enchente do rio Taquari em 1956. Argumentei que sua loja fica vinte quilômetros rio acima e pedi-lhe que descrevesse a pedra. Sua informação coincidiu com a pedra que tínhamos encontrado na barranca do rio e concluí que era mesmo a dele.
  Eu disse-lhe: “Encoste teu caminhãozinho, porque vou chamar dois operários para colocá-la na carroceria”. Colocada a pedra no veículo, desceu e tirou do bolso uma gorda carteira de dinheiro e perguntou-me: “Quanto paga?” “Não paga nada Nathan, a pedra é sua e pode levá-la”. Notei que seu olhar era de descrença e em seguida de alegria.
 Estava sempre com pressa. Despediu-se e vi a sua mão abanando pela janela do veículo até sumir-se da vista. Nunca mais o vi.
 Em 1961 fui morar em Encantado e assumi o cargo de Diretor do frigorifico da Coop. dos Suinocultores de Encantado Ltda.
Lá também havia uma única família de judeus: Jacob Markus Katz. Eu frequentava o Lyons Clube e o Markus e sua esposa - D. Berta - também.
Um dia, depois de terminada uma reunião, vi que o sobrenome paterno de D. Berta era Wechsel.
- Conheci um Nathan Wechsel em Lajeado. Era seu conhecido?
- Era o meu pai.
Contei as histórias da guia de imposto e a cena da pedra de mármore. Eles desconheciam e rimos bastante dessa descoberta, tantos anos depois.
Markus tinha uma pequena loja de conserto de máquinas de costura e tinha um sítio onde criava suínos. Era sócio da Cooperativa e logo travamos laços de amizade. A suinocultura atravessava, mais uma vez, uma época de dificuldades e os criadores estavam descapitalizados. De vez em quando, de tardezinha ele aparecia para uma conversa.
Certa manhã ele apareceu com a fisionomia alterada e perguntou-me:
- Você viu na TV a guerra entre Israel e os árabes?
- Ví.
- Eu resolvi. Vou emigrar para Israel com minha família.
- Desejo uma boa viagem. Me diga quantos filhos você tem?
- Você sabe que eu tenho seis filhos homens.
- Seis soldados. Muito bom para Israel. Todo o mundo sabe que essas guerras religiosas são cruéis e o número de mortos sempre é muito grande, mas você com seis filhos e com um pouco de sorte, lhe restarão três ou quatro vivos, número suficiente para deixar herdeiros.
Bati pesado.
Nisto tocou o telefone e atendendo fiquei olhando para ele. Seu olhar ficou distante. Chocado, levantou-se e foi embora enquanto eu terminava meu telefonema. Sumiu.
Dias depois, terminada a guerra, apareceu de manhã, sorridente,
Você viu, mais umas vez o David matou o Golias.
Nunca mais falou-se em emigração para a Israel.
Um dia, ele procurou-me, pois decidira criar frangos de corte e contou-me seu problema: Tinha dinheiro só para comprar os 2.000 pintos e necessitava de financiamentos  de rações balanceadas da Cosuel para o prazo de até 90 dias e sem juros. (O frigorífico de aves demorava mais trinta dias para pagar e novo lote já estaria em andamento). Markus foi o pioneiro na criação industrial de frangos na região de Encantado.
O nutricionista da Cosuel era eu mesmo. Fui um dos 14 brasileiros selecionados para usufruir de curso gratuito sobre nutrição animal patrocinado pelo Ministério da Agricultura dos EEUU em 1957. Frequentei o North Carolina Land Grand College em Raleigh durante dois meses. Entendia do assunto, mas nunca testara em escala uma criação de aves para aquilatar a conversão física e econômica de empreendimento. A pequena venda de ração para aves não comportava o custo de um teste adequado.
Fiz uma sugestão: “Vou lhe atender, mas você se compromete a registrar todos os custos decorrentes, assim com o a conversão do alimento em peso vivo, o percentual de mortalidade, conversão econômica e me relatar”. Negócio fechado.
Meticuloso, Markus era o homem adequado a conduzir o teste.
Depois perguntou-me: “e se o lote der prejuízo?” “Conversaremos”.
          Tudo na mais absoluta confiança recíproca.
         Como os resultados foram satisfatórios e a Cosuel continuou financiando o Markus até que em breve sua conta corrente se equilibrou com naturalidade. Tive a confirmação do valor nutritivo da ração da Cosuel, dentro do esperado.
          Em 1972 fui morar em Serafina Corrêa e nunca mais vi o Markus. Soube que D. Berta havia falecido.
           Um dia, em Xangri-Lá, um dos filhos do Markus procurou-me e deu-me um livro com uma série de 51 crônicas saborosas semanais dele na rádio de Encantado: Filósofo de aldeia.
       Mandei para ele um exemplar do meu livro: Os Lampert – Origens, História e Genealogia.
            Markus, aos 95 anos, foi chamado por Jeová e deixou na paisagem de Encantado a sua participação ativa na história da comunidade.

Leandro Lampert
Historiador

Outubro de 2017


lampertele@bol.com.br     -     leandrolampert.blogspot.com.br

terça-feira, 22 de agosto de 2017

NOTICIOSO LAMPERT

Endereços de email - Tenho notado que muitos Lampert modificaram seus endereços de email e vários que tenho enviado retornaram. Por favor, peço para atualizarem os respectivos endereços, permitindo o diálogo comigo. Não tenho mais nenhum endereço dos Lampert de: Carazinho, Santa Rosa, Criciumal, Tenente Portela, Foz do Iguaçu, Santa Maria, Novo Hamburgo e arredores, Augusto Pestana, Coqueiros do Sul, Ati-Açu e outros mais.

Novos Lampert – Encontramos em Dionísio Cerqueira (SC) duas parentes com sobrenomes Portela Sperotto Lampert e mais Leandro Portela Sperotto Lampert em SP. Não conseguimos situá-los na nossa família. Precisamos dos seus endereços de email para contato direto.

Lampertfest – Com o falecimento precoce de Julio Cesar Lampert, de Carazinho, que comandaria nossa festa no ano passado, ficamos sem candidato para promover a Lampertfest deste ano. Candidatos poderão entrar contato comigo pelo email lampertele@bol.com.br -
QUEM  PROCURA  QUEM – Vamos manter uma página no blog destinada à auxiliar parentes em busca  de seus familiares (só pelo email - lampertele@bol.com.br)


RUDI  ARNO LAMPERT – Seu neto Iago C. Freitas procura contato com parentes – iagocfreitas@gmail.com

sábado, 22 de julho de 2017

A COOPERATIVA AURORA (SC) E EU

Uma história quase inverossímil

            Em outubro de 1961 assumi o cargo de Superintendente na Cooperativa dos Suinocultores de Encantado Ltda., no ramo principal de industrialização de suínos - ramo no qual eu já tinha 13 anos de experiência em duas empresas industriais de caráter particular. O cooperativismo era novidade para mim. Me limitei a comandar a aquisição, industrialização e a venda dos produtos originados, assim como o comando das finanças da cooperativa, com as habituais deficiências de caixa.
            Em pouco tempo, consegui modificar completamente a situação. A obtenção de resultados econômicos que fortaleceram o nome e o caixa da empresa me trouxe conceito no meio cooperativo, apesar das críticas à minha administração modelo “capitalista”. Eu a considerava Cooperativismo de Resultados.
            A Cosuel operava também como uma Central Cooperativa, e tinha número razoável de cooperativas Agrícolas Mistas ou Cooperativas Tritícolas associadas. Elas encaminhavam à Cosuel parte da produção de suínos e soja dos seus associados, não havendo obrigação de fidelidade.
            Até cerca de 1964, as cooperativas eram subsidiadas pelo governo do Estado, que as isentava do Imposto de Vendas e Consignações (6 %) na aquisição da produção pecuária e igual montante descontável no imposto a ser pago sobre as vendas da produção a terceiros. A soma das duas isenções resultava em uma vantagem de cerca de 6% sobre as vendas num ramo de negócios que, bem administrado, gerava cerca de 3% de resultado positivo sobre o montante de vendas. Isto durou até que o Estado modificou o imposto sobre as vendas (ICMS, 15%), igualando o imposto das cooperativas ao mesmo valor das empresas privadas.
            Com o passar do tempo, fui sendo procurado em Encantado por diretores das cooperativas associadas – e também por outras desconhecidas –, que vinham trazer ao meu conhecimento seus problemas administrativos, procurando conselhos para resolvê-los. Na maioria dos casos, já era tarde demais para quaisquer providências. Vi homens com os olhos rasos d água ao saírem do meu escritório. Uma vida em torno de um ideal, perecendo inexoravelmente. Num ano, mais de 600 cooperativas fecharam suas portas. Já estavam insolventes com uma administração incompetente e distante da realidade. Sempre os mesmos erros: compras e vendas mal feitas, dívidas incobráveis de terceiros e de associados decadentes, além de artifícios contábeis para esconder prejuízos. Diretores não sabiam nem ler e identificar um balanço geral, que dirá um exame de velocidade de rotação dos estoques, e muito menos verificar o índice de liquidez financeira, em plano decrescente a cada balanço.

            Entre outros, lembro alguns casos em que, chamado, fiz intervenção:

PADRE FELIX BUSATTA – Vigário de Paraí, 100 km ao norte de Encantado.
            Me visitou em Encantado. Estava desesperado e me contou a sua história: Fundaram uma cooperativa industrial de soja, e compraram uma pequena prensa expeller japonesa. Trabalharam durante seis meses e não conseguiram vender nenhum quilo da torta e nem de óleo bruto. Ingênuos. Não conheciam a área. Pediu socorro e apelou que eu fosse a Paraí para ver de perto o problema. Fui no dia seguinte e logo vi o tamanho do rolo. O padre já tinha visto que a prensa tirava apenas a metade do óleo de soja, sendo que o óleo produzido era estocado em tanques horizontais sem torneira para retirar o precipitado por decantação. Óleo com acidez e torta estocada já rançosa. Os salários estavam atrasados e havia dificuldade para pagar a energia elétrica. Que rolo. Pediu socorro para evitar o desastre de entrar em liquidação. A Cosuel se propôs a adquirir o óleo, a torta (ambos precisavam de rebeneficiamento) e também sugeri que vendessem a soja. Era perigoso arriscar a aquisição de matéria prima semi elaborada e que ninguém queria comprar. A Cosuel pagaria a primeira carga de torta e de óleo à vista para sanear as contas mais urgentes. Sugeri que dentro de uma semana me informasse acerca do andamento das coisas. Informei que haveria um grande prejuízo, mas era o melhor que eu poderia propor. O Padre não esperou, tal a ansiedade – fechou o negócio na hora. Mandou o óleo, a torta e todo o estoque de soja. A Cosuel pagou e nunca mais tive noticias além de que a pequena cooperativa tinha fechado as portas. Não fui o curandeiro. Fui o coveiro.

COOP. TRITÍCOLA DE NÃO ME TOQUE - Uma associada. Tudo idem, com duas prensas iguais. Um mês depois, já souberam da solução de Paraí e desejavam  tratamento igual. OK. Mas havia uma diferença: a tritícola já era uma Cooperativa viável. O seu presidente tinha o sobrenome Roos.

COOPS. TRITÍCOLAS DE SANTA BÁRBARA, ERVAL SECO E A OUTRA POSSIVELMENTE DE PALMEIRA. – Eram associadas. Mandaram me chamar, pois estavam insolventes e queriam fazer fusão numa AGE coletiva num sábado próximo - queriam a minha opinião. Fui. Me convidaram para sentar junto à mesa. O clima era favorável (na minha opinião, três se afogando e cada um agarrado no outro. Morte certa). Juntando três quebradas, daria uma inteira. Ao pedir a minha palavra, elogiei a iniciativa de buscar uma solução conjunta, mas na minha opinião não deveriam formalizá-la por escrito. A situação atual era devida em razão de que a cobrança dos serviços (pesagem, secagem, armazenagem e carregamento da produção agrícola) não pagava o custo operacional e que deviam, em conjunto, fazer um estudo do custo real, mais a inflação e mais a cobertura do prejuízo do ano para a safra seguinte. Fizeram uma pausa para o churrasco e logo me despedi, deixando liberdade para cada um se manifestar sem o constrangimento de minha presença. Se os associados não aceitassem, que providenciassem na extinção das cooperativas. Lei seca. Mais tarde, e por terceiros, soube que tinham aceitado a minha sugestão. Nunca mais tive qualquer notícia. Estão vivas, separadas e operantes até hoje.

COOP. AGRÍCOLA MISTA RIO PARDINHO – SANTA CRUZ DO SUL. - Associada. Mandaram me chamar para uma reunião do Conselho. Estavam insolventes e a produção de suínos local era enviada ao concorrente de S. Cruz do Sul. Queriam socorro. Repeti a sugestão que já tivera sucesso em outras cooperativas. A cooperativa seguiria comprando os suínos a 30 dias e a Cosuel os pagaria a vista em dinheiro ou mercadorias de venda nas lojas, transferidas ao mesmo preço praticado com as 24 lojas da Cosuel. Fidelidade obrigatória. Na minha opinião, seriam necessárias 2 cargas de suínos por mês para a sobrevivência e três para o desenvolvimento. Com menos de 2 cargas por mês, a cooperativa não sobreveria. Primeiro mês, sucesso – 3 cargas. No segundo, duas, e no terceiro uma. Fim de papo. O presidente veio a Encantado explicar que a suinocultura estava sendo trocada pela fumicultura e queria adquirir mercadorias de loja a prazo. Neguei e dei as dicas para fecharem a cooperativa, dando o mínimo de prejuízo para os associados. Sou um defensor da eutanásia de empresas. Não deixe morrer. Mate. Primeiras coisas a fazer: não pagar os impostos nem duplicatas de fornecedores. Vender ou hipotecar o imóvel para saldar dívidas bancárias com aval de colonos e pagar os sócios pequenos. A cooperativa iria à liquidação voluntária e os credores, inclusive os funcionários, seguiriam dentro dos preceitos legais de precedência.

COOPERATIVA TRITÍCOLA DE SOLEDADE. - Associada. Seu presidente na época tinha o sobrenome Pederiva. Os associados pecuaristas (alguns já associados à Cosuel, que limitara o número de criadores de gado) o convenceram a contragosto a edificar um matadouro de gado na cidade. Estavam escavando os alicerces quando o presidente resolveu me procurar. Estava receoso de má iniciativa. Dei totais garantias de insucesso. Fui curto e positivo. Não se meta onde você não entende. Associados da Cosuel só entregavam gado para abate de janeiro a maio, época de fartura. Desistiu. Dois anos depois, nos encontramos. Ele, rindo, me agradeceu por tê-lo livrado de uma iniciativa ruinosa. Até hoje ninguém construiu matadouro bovino com Inspeção Federal em Soledade. Foi o único que me agradeceu.

COOPERATIVA AURORA – SC - Não me admirei do convite feito pela Aurora. Era simples rotina. Eu não iria à Chapecó sem ter sido convidado (e gratuitamente) por alguém que não merecesse a minha consideração – no caso, o prefeito de Encantado, Adilar Bertuol, irmão de Valmor Bertuol, ligado à administração da Coperalfa ou Aurora.
                       Eventualmente, eu dava assessoria a uma série de cooperativas que andavam mal das pernas. Para muitas, eu não receitava remédio e simplesmente dava logo a extrema unção. Uma cooperativa somente terá sucesso se for necessária aos associados.
                    Eu tinha salvado a Cosuel da derrocada e gozava de alto conceito no meio cooperativo e, consequentemente, no Banco do Brasil. Talvez o Valmor Bertuol, na Aurora, sufocado por um empréstimo do BB que provavelmente não viria mais, pediu ao irmão que me convidasse para dar uma ajuda. Fomos eu e o Nelson Schwambach, diretor industrial da Cosuel. Esperavam-nos várias pessoas desconhecidas: Valmor Bertuol, provavelmente o gerente do BB e mais duas ou três pessoas ligadas à administração da Aurora.
                         Eu apenas escutei o que tinham a dizer, e tomei algum conhecimento. Quando surgiu a ideia de vender a cooperativa (creio que a sugestão foi dada por alguém do BB) ao Plínio de Nes do Frigorífico Chapecoense e ninguém se manifestou, perguntei – por que não vamos lá? Eu não conhecia o Plínio de Nes nem ele a mim, mas ambos sabíamos quem o outro era. Fomos.  Era 14 de janeiro de 1972. O encontro aconteceu. O Plínio foi bastante atencioso e como todos se calaram e olharam para mim, eu é que tive de fazer a oferta, sem ter a menor autoridade para isso, recusada com polidez.
                     Voltamos à Aurora em clima de velório. Imaginei um tiro no escuro e eu sugeri se - quem sabe - uma correspondência minha ao BB ajudasse. Eu não tinha muita fé, mas era uma derradeira tentativa. Eu faria um reestudo e pequeno plano para abater 200 suínos por dia, com a lucratividade habitual de todos (3%), acrescido da posição de Chapecó, grande produtor de milho e suínos, ponto geográfico dos melhores e existência de um rebanho já com indícios visíveis da aceitação do suíno tipo carne, formado por várias cooperativas agrícola-mistas e outros argumentos. No fim do trabalho anotei que referências sobre mim poderiam ser obtidas na gerência do BB de Encantado. O reestudo foi entregue ao BB de Chapecó.  Dias após, o gerente do BB de Encantado me avisou que o BB de Florianópolis queria uma entrevista comigo. Eu disse – Não vou. Só irei se mandarem um avião me buscar.  Marcamos dia e hora e esperei pelo voo na pista do aeroclube em Estrela.
                        Aterrissado o avião e contatado o piloto, me apresentei como piloto privado de aeroclube e me permiti sugerir um plano do voo feito por mim. Voaríamos a 400 m de altura sobre o solo, direto para São Francisco de Paula, dali para o Itaimbézinho e até o mar, subindo pelo litoral até Florianópolis. Deu uma risada e aceitou. Quando chegávamos ao Itaimbézinho perguntou-me. – Vi que você gosta de aventuras. Você já voou abaixo do solo? Não? Então agora vai! – e conduziu avião para dentro do cânion. Pelas janelas laterais da aeronave, vi apenas as paredes rochosas e vegetação. Aventura fascinante e inesquecível. No trajeto pela orla marítima, vislumbrei paisagens lindíssimas até o aeroporto. Quando passamos sobre um local, eu disse para o piloto: - Um dia terei uma casa nessa praia. Poucos anos depois, comprei terreno e construí uma casa na praia do Sonho, na rua Tangarás,   56.
                        Na reunião com o Banco do Brasil em Florianópolis (só agora concluí que também o BRDE e FUNDESC também estavam presentes) estiveram quatro pessoas, entre eles um que visivelmente era resistente à proposta. Me inquiriram à vontade. Queriam saber tudo. Diálogo proveitoso. Lentamente essa pessoa também passou a aceitar o plano e quando notei, durante o diálogo, não se usava mais a palavra “se” e sim “quando”. Fiquei razoavelmente otimista. Recomendaram a aceitação do reestudo de viabilidade e as Diretorias Financeiras Bancárias formalizaram os contratos de financiamento. Minha participação se encerrara e meu silêncio começava.
                        Eu soube pelo BB de Encantado da aceitação do meu trabalho e abertura de crédito para a Aurora. Nunca mais tive qualquer informação.
                        Um primeiro passo havia sido dado e agora cabia ao Conselho tomar as demais providências que seriam necessárias. Entre os conselheiros e participantes, temos os nomes de Orlando Jacob Cella, Nilson Olímpio Batiston, Victorino Setembrino Zanchet e Gil C. Tozzi, que em conjunto prosseguiram com as démarches juntos aos Bancos Financiadores e legalização junto às autoridades fiscais. Restava definir uma pessoa capacitada para exercer o comando efetivo da cooperativa. A escolha caiu sobre Aury Luiz Bodanese, acompanhado de outros diretores, que trataram logo, com sucesso, de todos os assuntos pertinentes ao desenvolvimento da Cooperativa Aurora.
                        Logo após a entrega do pedido ao BB, soube por terceiros que Aury Luiz Bodanese assumira a presidência da Aurora e acompanhei de longe, orgulhoso, o desenvolvimento que ele imprimiu para levantar a Aurora ao nível de sucesso e segurança financeira e econômica.
                        Pouco tempo depois, fui a um simpósio de cooperativas em Recife e vi que Aury Luiz Bodanese era um dos participantes. Procurei-o e ao encontrá-lo me identifiquei como sendo o autor do reestudo de viabilidade econômica junto aos bancos de Florianópolis. Aury, sem dizer uma palavra, retirou-se. À tarde, procurei-o novamente e outro afastamento. Não entendi o acontecido. Tempos depois, num outro simpósio, nem nos olhamos. Aquele homem me detestava. Por quê?
                      Mesmo com suas deselegâncias comigo, tive satisfação do desenvolvimento dele. Afinal, eu me considerava um dos “padrinhos” da Aurora e o sucesso dele também era o meu.
                          Calei durante quase meio século, esquecendo o episódio e não me perturbei. Nesse ínterim, a notícia aterradora da TV sobre o desastre com o avião que levava jogadores e diretores do Chapecoense para a Colômbia, matando quase todos os passageiros e tripulantes. Chocante.
                        Eu não acompanho jogos de futebol. Sabia que o Chapecoense era um time da primeira divisão, mas não sabia que a Aurora o patrocinava.
                        Vendo e ouvindo as notícias na TV, tive um choque emocional e me contive, desligando a TV, para não chorar. Aquela gurizada com camisetas da Aurora, a bananada do piloto, a minha afilhada Aurora de luto. Por já ter tido uma pane num avião que eu pilotava (um monomotor Paulistinha) e feito um pouso sem motor – perfeito, em uma roça de fumo - sabia da emoção e lembrança do caso frustrante e inexplicável da Aurora/Bodanese. Que tragédia. Me recuperei e tornei a  ligar a TV de novo.
                        Contei o fato para meu amigo fraterno Milton Lunardi, de Chapecó. Ele interessou-se em descobrir o que poderia ter acontecido com o Aury, segundo ele, um gentleman, para me tratar daquela maneira. Iria tentar descobrir o que poderia ter acontecido. Localizou Orlando Cella, ex secretário da Aurora na época e um dos que me aguardavam em Chapecó, ainda vivo e lúcido. Inquiriu-o e ele disse que um “alemão” e um companheiro fizeram um reestudo de viabilidade econômica da Aurora, ele o lera e achara bom. Milton lhe perguntou se seria o Leandro Lampert, disse-lhe: Era mesmo ele.
                        Pesquisando no Google, Milton achou crônica sob o tópico Aury Luiz Bodanese, e me passou informações que permitiram eu também encontra-la, referências elogiosas a um líder cooperativista gaúcho, vítima imprudente de um fato lamentável que conto em meu livro – FATOS E CRÕNICAS – sem citar nomes, mas agora, repito o que escrevi nominando empresas e pessoas. Para que o fato seja conhecido com o subtítulo de Reminiscências Profissionais 1. Segue abaixo

REMINISCÊNCIAS PROFISSIONAIS - 1

                        Em 1961, quando assumimos cargo de Diretor Superintendente da Cooperativa dos Suinocultores de Encantado Ltda., já encontramos um acordo verbal em vigor entre as cooperativas de produção e as de consumo. Estas dariam uma preferência de compras àquelas e que em retribuição adotariam o prazo de vendas de 45 dias, em lugar dos habituais 30 dias vigentes no comércio tradicional.
                       Como as cooperativas de consumo pagavam habitualmente no prazo faturado, não existiriam maiores problemas. Assim se passaram alguns anos sob constante vigilância da Cosuel.
                Entretanto, verificamos que essas cooperativas de consumo de funcionários de grandes empresas econômicas (Coop. dos Bancários e Coop dos Funcionários Públicos), entre outras, passaram a atrasar os compromissos, pagando juro de mora pelo atraso que chegava a 15 dias. Assim, compravam e pagavam a 60 dias e venderiam no máximo em teóricos 30 dias, uma vez que o consumo mensal dos seus associados seria descontado nas folhas de pagamento das categorias com associados de padrão médio. O fato despertou um alerta íntimo. Havíamos encontrado algo inexplicável.
                 Era fácil prever o sucesso dessas cooperativas de consumo, desde que houvesse um limite técnico e rigoroso para o consumo mensal de cada associado, baseado no valor nominal do salário de cada um. Sem limite, desastre previsível.
                 Em 1966 quando a Cosuel decidiu entrar no ramo de supermercado para atender seus associados e funcionários, cabia uma visita às cooperativas de consumo já existentes e que gozavam de alta consideração por sua organização e eficiência.
                  Solicitamos uma visita às duas maiores para formarmos uma ideia de um ramo desconhecido para nós. Convidados, lá nos apresentamos.
                  Recebidos com gentilezas, fomos conduzidos às instalações físicas adequadas e também aos escritórios de contabilidade e tesouraria. Tudo dentro dos conformes.
                    Nos foi entregue um balancete atualizado e um balanço do exercício anterior. Rapidamente avaliamos a sua liquidez financeira, bastante razoável, mas nos chamou a atenção um imenso ativo realizável a curto prazo. Inquirimos o contador que nos explicou que aquele montante era o valor dos débitos de compras de todos os associados e para nossa surpresa, igual à soma de dois meses de venda. Assim, o prazo médio real de venda seria de 60 dias e não no mês subsequente como a teoria indicava. Daí o aperto financeiro. Horrorizados, previmos que isso acabaria mal em pouco tempo.
               As diretorias permitiram que os associados se endividassem progressivamente, sem nenhum critério de responsabilidade. Certamente contavam com esses votos para se reeleger nos cargos administrativos. .
                         Desses devedores, possivelmente a maioria, mantinha suas contas em dia e para que desse essa média, uma minoria deveria estar com grandes atrasos e esse débito seria rolado cada mês e jamais seria ressarcido. Em resumo, a cooperativa estava, na realidade, insolvente e a situação progrediria até que um dia estourasse.
                         Não demonstramos surpresa, agradecemos e fomos à outra cooperativa de consumo. Constatamos existir situação idêntica e que logo generalizamos a todas as cooperativas de consumo, nossas maiores clientes. Em caso de quebra generalizada, seríamos os primeiros a sofrer as consequências. O valor que perderíamos, seria igual à venda de dois meses para elas. Não teríamos como suportar.
                       Seria preciso enérgica providência e o sigilo era absolutamente necessário. Determinamos por escrito a cada unidade de venda em Porto Alegre, que, sem maiores explicações, suspendessem a venda a prazo para todas as cooperativas de consumo, alegando ordens superiores.
                         A ordem causou enorme rebuliço e contestação. Nos recusamos a explicar. Quebraria o sigilo indispensável.  Pedimos que confiassem e que sabíamos o que estávamos fazendo. Nem ao nosso presidente revelei. Ninguém bota fora, sem razão, uma clientela que representava mais de um terço das vendas em Porto Alegre.
                         As unidades de venda, bem gerenciadas, logo conquistaram novos clientes e a venda mensal continuou a mesma.
                        A Cooperativa dos Suinocultores de Getulio Vargas assumiu o nosso lugar sem a menor consulta a nós ou aviso. Logo entendemos que ela seria a vítima voluntária e inocente a ser sacrificada no altar da voracidade do comércio e indústria. Problema dela. Ignorara que não existe almoço grátis.
                        Dentro de dois meses, a Cosuel não tinha mais nenhum haver das cooperativas de consumo.
                         Era só esperar pelo estouro que certamente em breve viria.
            Pouco tempo depois, numa reunião mensal do Sindicato das Indústrias de Produtos Suínos do RGS, um colega, diretor de uma média indústria na região italiana, nos puxou para o lado e perguntou se era verdade que suspendêramos as vendas para todas as cooperativas de consumo. Confirmamos e depois perguntou por quê. Nos encaramos e  lhe dissemos em dialeto vêneto – Fate furbo – Faça-te experto ou abra os olhos e nos afastamos. Logo vimos que ele segredava para outro colega alguma coisa e fazia gestos em nossa direção. Entendemos que ele estava recomendando para ele também suspender as vendas aos mesmos clientes.
                        O estouro estava iminente e logo aconteceu. Ninguém mais quis vender a prazo para essas cooperativas de consumo. O déficit financeiro logo apareceu e em seguida cerraram as portas por falta de mercadorias e crédito.
                      Prejuízos em larga escala para muitos fornecedores.
                        Cooperativas não entram em falência e sim em liquidação. Dezenas fecharam as portas e não pagaram nenhum credor. Os patrimônios serviram apenas para pagar os encargos trabalhistas. Ufa, escapamos por pouco.
                      Os associados, por óbvio, não resgataram seus débitos com as cooperativas e ainda rasparam fiado os saldos do estoque.
                         Fomos severamente criticados por não alertar as outras cooperativas de produção, mas o sigilo absoluto era necessário para que nos salvássemos dum enorme prejuízo. Os diretores da Getúlio Vargas é que foram imprudentes.
                        A cooperativa industrial que nos substituiu junto às cooperativas de consumo teve o destino previsto.
                        Ficamos sabendo que essa cooperativa solicitara auxilio de Aury Luiz Bodanese para que a Aurora a encampasse. Para tanto e certamente, atribuíram mim as culpas pelo ocorrido. Um traidor do sistema cooperativo. Daí, concluí, a reação negativa de Aury sobre a minha pessoa. A Aurora recusou a incorporação.
                        Minha responsabilidade era apenas com a Cosuel, que pagava os meus salários. As demais cooperativas, que abrissem os olhos – fate furbo.
                        Em Getúlio Vargas, com os mesmos associados e diretores, havia a Cooperativa Tritícola, que terminou por absorver a coirmã insolvente e passou a gerenciar a atividade industrial com seu nome até novo incidente que a seguir relato em

REMINISCÊNCIAS PROFISSIONAIS - 3

                         Em 1961, assumimos como Diretor Superintendente da Cooperativa dos Suinocultores de Encantado Ltda. e constatamos que a Cosuel já tomara medidas competentes para se atualizar industrialmente. Construíra um túnel de congelamento de carne suína e respectiva câmara de estocagem para 70 toneladas. Iniciara a produção, lotara a câmara e o túnel. Produzira mas não vendera um quilo sequer. Assim a encontramos.
                          As vendas da produção industrial da Cosuel eram todas realizadas por intermédio da União Sul Brasileira de Cooperativas Ltda., uma cooperativa central à qual a Cosuel era filiada. Ela recebia, vendia, cobrava, prestava contas e enviava o dinheiro pelo banco. O critério de pagamento era o da antiguidade do crédito. Justo, mas excessivamente demorado. Criava problemas no fluxo de caixa e era imprevisível. Os preços obtidos eram adequados e estavam dentro de valores plenamente aceitáveis.
                         Como a União não tinha câmaras frias e não entendia do ramo, não se interessou em intermediar a produção de carne congelada suína da Cosuel e a produção ficou encalhada. Nenhuma outra medida foi tomada. Depois de 6 meses congelada, a carne suína perde o valor comercial. Oxida e ninguém mais a compra.
               De imediato, tomamos as primeiras medidas para iniciar a venda. Conhecíamos uma representação no Rio de Janeiro, que efetuara as vendas durante os 11 anos em que trabalhamos num frigorífico de Bom Retiro do Sul. Corretos e competentes. Vendiam por pedidos, mediante comissão e o faturamento era direto pela Cosuel, que tinha a possibilidade de descontar a duplicata em bancos, obtendo o dinheiro no dia seguinte ao embarque. Mudou completamente o fluxo financeiro.
                        Aos poucos, o mesmo representante foi autorizado a vender outras mercadorias fabricadas pela Cosuel. No mínimo serviriam como parâmetro para comparar com as vendas da União. Igualavam-se nos preços, mas o faturamento direto permitia a obtenção imediata do dinheiro no banco.
                     Junto à União, constantemente reclamávamos da demora e imprevisibilidade do dinheiro. Cada vez mais mercadorias para o representante e menos para a União. Nunca fomos a uma Assembleia. A Cosuel sempre foi representada por seu presidente.
                      Numa Assembleia Geral Ordinária, sem sermos consultados, nos elegeram por um ano como um dos três membros do Conselho Fiscal.
                         No escritório da União, procuramos nos atualizar nos sistemas, sempre atendidos com frieza - e até mesmo hostilidade. Começamos fazendo perguntas banais até sermos classificados como ingênuos e inofensivos. Eles veriam quanto.
                         Numa oportunidade e na ausência do contador, pedimos a um funcionário a abertura de um ativo realizável a curto prazo de valor expressivo. Tínhamos constatado que esse valor era o mesmo do balanço do ano anterior e no mínimo esse ativo, não seria de “curto prazo”. Na série de fichas a que tivemos acesso, o último lançamento era de seis anos atrás e dizia apenas - saldo devedor. Eram mais de 10 fichas, todas em nome de cooperativas desconhecidas. Fizemos mais algumas perguntas inocentes e nos retiramos.
                        Ante o Diretor Administrativo, fizemos uma pergunta em tom casual. Que Cooperativa era aquela que se chamava ………..…. – Essa cooperativa já fechou as portas há muitos anos atrás. Conclusão: esse enorme ativo realizável a curto prazo  era composto de créditos de cooperativas que já tinham cerrado suas portas há muito tempo  e simplesmente não valiam mais nada.
                         O Ativo do balanço tinha o Caixa, o Imobilizado e o Ativo (ir)realizável. Feito novo exame, constatamos que a União, simplesmente estava insolvente e irrecuperável.
                        Não tivemos qualquer dúvida, como membro do Conselho Fiscal, em aprovar as contas daquele exercício. O problema era muito anterior ao nosso mandato. Oportunamente, quando os haveres da Cosuel tivessem sido ressarcidos, ele seria devidamente considerado. Novamente, o sigilo seria necessário.
                        Daquele dia em diante e sem justificativa, não enviamos mais nenhuma mercadoria para ser vendida pela União. Mantivemos sigilo total. Dentro de três meses a União havia pago todos os nossos créditos. Tínhamos nos safado mais uma vez de um considerável e previsível prejuízo.
                        Na AGO seguinte, no momento de ser aprovado o balanço, pedimos a palavra e solicitamos a abertura daquele ativo. Surpresa geral, estupor e correria. Assembleia suspensa e conhecimento de todos da real situação da União. A Diretoria demitiu-se. Falou-se em eleger novos diretores. Afastamo-nos para um lado e não participamos das tratativas. Já sabíamos que a União estava liquidada.
                        Nos afastaríamos da Cosuel no fim do mês e me atribuí, antes disso, o dever de erradicar a União, burocrática e já desnecessária. Não seria preciso eutanásia. Ela já estava morta no mínimo há seis anos e ninguém vira. Que incompetentes. Diretores e associados completamente cegos. Não viram em anos o que eu percebera em apenas um minuto. A erradicação era necessária, pois eu acreditava que com o meu afastamento a Cosuel viria novamente vender seus produtos através União. Foi o meu último ato cooperativo e despertei novos rancores.
                       Na minha opinião, o fechamento da União não faria nenhuma falta. Cada cooperativa deveria ter o seu próprio marketing e comandar as vendas segundo seus interesses e necessidades financeiras.

                      Todas as demais cooperativas filiadas tiveram que suportar a sua proporção no prejuízo no enceramento das atividades. Não receberam seus créditos. Muitas entraram em liquidação. A Cosuel foi a única que nada perdeu.
                  O abalo foi de tal monta, que nem chegamos a ser criticados pela manutenção do sigilo até que o momento fosse oportuno.
                         Foi então que a Tritícola Getulio Vargas, por sua vez, tornou-se insolvente e sem capital de giro, teve de alugar suas instalações industriais para a Pamplona Alimentos de Santa Catarina até hoje.
                        Um grupo de diretores de cooperativas associadas à União consultou-nos se aceitaríamos presidi-la. Recusamos, é lógico. Era início de março de 1973 e no dia 3l sairíamos da Cosuel. Dentro de um mês, em 1º de maio, numa AGO já convocada, assumiríamos como diretor do Frigorifico Ideal em Serafina Corrêa, onde atuamos durante nove anos.
                         Nesse ínterim, projetamos, construímos e ativamos o matadouro de aves e todos os seus departamentos: produção de ovos, incubatório, galpões automatizados para produção de frangos, caminhões para distribuição de rações a granel, licenciado para exportação e que há muitos anos abate 180.00 aves diariamente. Mudou completamente a fisionomia econômica e social daquele município.
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                        Retornando ao meu diálogo com Milton Lunardi, ele continuou com as pesquisas e a Aurora o abasteceu com uma ata da COOPERATIVA CENTRAL OESTE CATARINENSE LTDA, datada de 28 de março de 1973, que registra o seguinte relatório:





                             

                           Sempre que houvesse alguma dúvida na administração das empresas em que fui diretor, mentalmente, eu trocava de lugar com o lado contrário para formar uma opinião segura. Foi o que eu fiz em relação à Aury Luiz Bodanese. Se um colega e amigo confiável me informasse que o diretor de uma cooperativa coirmã agira de modo destrutivo e criasse uma cilada em relação à minha empresa e a prejudicasse, eu também agiria com essa pessoa da mesma forma com que Aury agiu comigo. No caso, o informante que estava pedindo auxílio deve ter contado a história de maneira envenenada, eximindo-se de ter agido afoitamente e sem a necessária cautela para o fato de um dirigente aceitar clientes que a colega rejeitara, sem procurar a razão disso, foi de uma imprudência abissal. Custou-lhe caro. Para safar a Cosuel, o sigilo absoluto era necessário. Jamais fiz qualquer sugestão para alguém assumir o nosso lugar numa operação que, eu antevia, terminaria em desastre. Por isso, livro Aury Luiz Bodanese de qualquer suspeita de má fé. 
                      A desgraça se repetiria com o desastre da União. No caso, a Tritícola de Getúlio Vargas deixaria de receber os valores que tinha a receber dela e, por sua vez, ficaria ela própria insolvente a ponto de ter de alugar o estabelecimento industrial de abate de suínos para outra empresa de Santa Catarina, a Pamplona Alimentos, concorrente da Aurora. Mais uma consequência da má administração da Cooperativa dos Suinocultores de Getúlio Vargas – a mesma que administrara vários anos a União das Cooperativas.
                        Tenho certeza que Aury agiria da mesma forma que tive de agir para salvar a empresa da qual eu era funcionário. Creio que o Aury, pela forma de agir, tinha relativa semelhança com a minha maneira de administrar uma cooperativa.
                        Num momento crucial eu fora um elo decisivo na corrente da vida inicial da Aurora e gostaria que os atuais diretores tenham conhecimento da minha participação. Já fui muito gratificado pelo sucesso da Cooperativa.

                                            Porto Alegre, 31 de março de 2017



                                                              Leandro Lampert