CONTATOS DE CARAZINHO
Procuro contato por e-mail com qualquer Lampert residente em Carazinho.
Favor enviar e-mail para lampertele@bol.com.br.
Grato,
Leandro.
quarta-feira, 25 de outubro de 2017
NOTICIOSO LAMPERT
No meu blog se encontrarão os textos dos meus escritos: Livro OS LAMPERT – ORIGENS, HISTÓRIA E GENEALOGIA, MUITAS COISAS PARA CONTAR. CRÔNICAS DA MINHA INFÂNCIA – polígrafos OS RUSCHEL, OS DIEHL – FATOS E CRÔNICAS, 8 crônicas, 8 Reminiscências Profissionais e OS FARRAPOS.
Endereços de email - Tenho notado que muitos Lampert modificaram seus endereços de email e vários que tenho enviado retornaram. Por favor, peço para atualizarem os respectivos endereços, permitindo o diálogo comigo. Não tenho mais nenhum endereços dos Lampert de: Carazinho, Santa Rosa, Criciumal, Tenente Portela, Foz do Iguaçu, Santa Maria, Novo Hamburgo e arredores, Augusto Pestana, Coqueiros do Sul, Ati-Açu e outros mais.
Iago C. Freitas solicitou dados de sua tia avó Hedi Lampert: foi casada com Olimpio Schuch e tiveram dois filhos Clécio Schuch 1946 e Celício 1951.
Novos Lampert – Encontramos em Dionísio Cerqueira (SC) duas parentes com sobrenomes Portela Sperotto Lampert e mais Leandro Portela Sperotto Lampert em SP. Não conseguimos situá-los na nossa família. Precisamos dos seus endereços de email para contato direto. Alguém os conhece?
Lampertfest – Com o falecimento precoce de Julio Cesar Lampert, de Carazinho, que comandaria nossa festa no ano passado, ficamos sem candidato para promover a Lampertfest deste ano. Candidatos poderão entrar contato comigo pelo email ……
Endereços de email a serem retificados:
Alberton, Gildo
Barreto, Neli
Dias, Cláudio L.
Fetter, Vera L.
Freitas, Davi
Freitas, Fausto L. de
Lampert, Aline
Amauri Luiz Lampert (A. Pestana)
Lampert, Carlos Eduardo Costa (do Cel. Carlinhos)
Lampert, Carlos Henrique (Rio) (do Mal.)
Lampert, Cleber (PR)
Lampert Mattiello (cristianemattiello@hot mail.com)
Lampert, Darney Bruno
Lampert, Ernani Reni
Lampert, Fabiano (Jaraguá)
Lampert, Gilberto (NH)
Lampert, Inaiá
Lampert, Izabel Cristina
Lampert, Jadete B. (S. Maria)
Lampert, Jorge André
Lampert, Leandro (Manaus)
Lampert, Leonardo (do Dolfo)
Lampert, Louise (Lajeado)
Lamperr, Maira
Lampert, Marco Antonio
Lampert, Mauris (Chapecó)
Lampert, Mauro Toigo
Lampert, Mateus e Maira
Lampert, Osmar Paulo (Igrejinha)
Lampert, Paula Marceli
Lampert, Pedro Ivo
Lampert, Renato Barboza
Lampert, Ricardo (Carazinho)
Lampert, Rita de Cássia (S.Maria)
Lampert, Rosane (Natal)
Lampert, Tiago (do Mauris)
Lampert, Vinicius (do P. Ivo)
Lampert, Silvana
Schroeder, Auderli Sidnei
Tiggeman, Walburga
Zanuzzo, Paulo (Maiara)
COMPRANDO FEIJÃO NO
OESTE DE SC
Creio
que corria o mês de janeiro do ano de 1957, e na época eu morava em Bom Retiro
do Sul. Já era casado com a Lucy, e meu primogênito tinha um ano de idade. Eu
era gerente administrativo da Sociedade Bom Retirense de Produtos Suínos Ltda.,
que tinha como diretor e principal cotista Octávio Trierweiler (também sócio
titular da firma Trierweiler & Cia. Ltda., de Lajeado, cujo ramo era o comércio
de cereais, navegação fluvial, engenho de arroz, moinho de trigo, transporte
rodoviário de cargas etc.).
Líder empresarial em
Lajeado, Octávio foi meu patrão durante mais de onze anos - penso que aprendi
com ele as artes e ofícios do comércio.
Os
matadouros de suínos estavam sujeitos à safra e entressafra. Excesso de oferta
(preço baixo) e depois carência de animais para abate (preço elevado) ocorriam de
janeiro a abril. Pouco trabalho no frigorífico.
A região do Vale do Taquari produzia a cada ano menos feijão, e seria de bom
alvitre também compra-lo no oeste de Santa Catarina, com farta colheita em
dezembro e janeiro, para exporta-lo diretamente para o Rio de Janeiro via
representante de vendas.
Seu
Octávio escolheu-me para ser o encarregado de ir para SC, escolher uma cidade,
alugar um prédio, registrar o posto de compras na Prefeitura e Coletoria
Estadual, contratar um empregado, morar num hotel, comprar feijão, pagá-lo,
trocar a sacaria e, por fim, embarcar via rodoviária para o Rio de Janeiro. Segundo
ele, tudo muito fácil. Administrar uma empresa é uma técnica, mas o comércio é
uma arte que eu desconhecia. Eu nem sabia os nomes das espécies dos feijões que
eu iria comprar, que dirá afirmar a sua qualidade e mercado. Me deram vários
envelopes com amostras e respectivos
nomes: preto, branco, mouro, enxofre e cavalo claro.
Seu Octávio me deu
uma procuração, lotou um jipe 1954 capota de lona com sacaria vazia nova, duas
agulhas, linha de costurar sacos e um calador. Restava apenas um lugarzinho
apertado para o motorista, sua maleta de roupas e uma grande pasta de couro
lotada com dinheiro vivo para pagar as compras de feijão. Deu-me um mapa do RS
e SC e disse: “Vai”. Fui com o coração apertado. Seu Octávio disse que seria
tudo fácil. Fácil? Só para quem sabe, e eu não sabia.
Comecei a viagem de madrugada em Lajeado com destino à
Mariante, depois Venâncio Aires, Soledade, Carazinho até Iraí onde cruzaria o
rio Uruguai. Depois, Santa Catarina até encontrar uma cidade para sede do posto
de compras de sua firma. Percorreria cerca de 500 quilômetros em estrada de
chão batido e muita poeira.
Na
travessia o barqueiro perguntou-me para onde eu ia. Eu não sabia ainda, mas ia
à procura de feijão. Sugeriu-me Palmitos, que ficaria no meio da produção,
tinha correio e telégrafo - eu já sabia que não existiam bancos na região para
operar com dinheiro, e também não havia telefone.
Já
de noite, cheguei ao hotel em Palmitos, moído, cansado e todo vermelho da
poeira da estrada. Que aventura. Daquelas de contar mais tarde para os netos.
De
manhã falei com o hoteleiro para alugar uma casa. Sugeriu-me alugar um salão de
baile que estava disponível, logo na esquina à esquerda do hotel e duas quadras
abaixo. Aluguei-o por dois meses e aluguei também uma balança com rodas, para
300 Kg. Contratei um empregado local, que entendia de feijão e conhecia colonos
produtores da região. Sondei o mercado e comecei as compras, pagando à vista no
momento da entrega da mercadoria. A firma Trierweiler já era conhecida na
região, e assim que acabou o dinheiro comecei a comprar fiado para pagar em dez
dias, quando receberia novo lote de dinheiro.
Na
região, logo falaram que eu seria um “cobra” no comércio de feijão. Nem
imaginavam que eu era apenas um reles principiante que tinha sido orientado a
“sentir” o clima comercial e agir com independência.
Eu sabia que o comércio de feijão era de alto risco. Permitia ou tirava
resultados.
Eu
estava sempre com a pasta de dinheiro na mão e discretamente armado.
Telegrafei
para Lajeado, pedindo mais dinheiro, e soube que as vendas do “meu” feijão
estavam ocorrendo normalmente. Foi fácil.
A
Lucy foi trabalhar comigo aos 14 anos. Aos 18 nos casamos e com 20 anos tivemos
o primeiro filho. Nas minhas ausências eventuais, ela assumia o comando do
escritório. Em 1958 tornei-me o único gerente da Bom Retirense, assumindo
também a gerência industrial, auxiliado cada vez mais pela Lucy. Ela trabalhou
comigo por 10 anos. Em abril de 1959, a Bom Retirense trocou sua razão social
para Trierweiler & Cia. Ltda.
Seu Octávio mandou uma maleta de dinheiro para
a Lucy em Bom Retiro do Sul para que fosse a Porto Alegre de ônibus, contatasse
por telefone com a filial no cais do porto para completar o dinheiro necessário,
recebesse a passagem da Varig para destino em Iraí e tomasse o avião DC3. Eu a
estaria esperando no aeroporto rudimentar de Iraí. A Lucy jamais tinha viajado
de avião e levaria sua bagagem e uma maleta com dinheiro para me entregar no
desembarque. Projeto de uma imprudência irracional, mas deu tudo certo. Eu
confiava no desembaraço da Lucy.
No
desembarque dela nosso olhos se cruzaram, com um sentimento de recíproco
carinho e confiança. Ficaria alguns dias comigo em Palmitos.
O que eu não sabia era que a região ainda estava sendo desbravada e a
violência campeava. Hotéis e restaurantes precários, com banheiros “lá fora”. Quase
não havia roubo, mas as brigas e assassinatos eram comuns. Muitos aventureiros.
Logo na primeira tarde, a Lucy e eu ouvimos um alarido perto do hotel e fomos
ver o que havia. Uma briga de dois compadres, que depois de umas e outras, estavam
engalfinhados. Um deles mordeu e decepou com os dentes parte da orelha do
outro. Gente fina e sangue à vontade.
Paguei
o feijão que devia e comprei mais um pouco para pagar quando voltasse de
Lajeado, depois de levar de jipe a Lucy para Bom Retiro do Sul. Traria mais
outra mala com dinheiro.
Assim,
entre idas e vindas de jipe, comprei feijão em janeiro e fevereiro, adquirindo experiência
para voltar no ano seguinte. Voltei. Já havia, então, um banco em Palmitos.
Exportei dezenas de cargas de feijão para o Rio de Janeiro. Correspondi às
expectativas esperadas.
Em janeiro do ano
seguinte, reiniciei as compras de feijão em Palmitos, no mesmo local e com o
mesmo empregado, instruindo outro gerente da firma Trierweiler a substituir-me na
segunda quinzena até meados de fevereiro, quando se encerrariam as compras.
Nos
dois verões seguintes, no mesmo jipe, fui incumbido de comprar arroz em casca
dos rizicultores de Taquari, Rio Pardo, Venâncio Aires, General Câmara e
Candelária, indo nos sábados e voltando no dia seguinte. Um atoleiro atrás do outro. Comprei arroz com
casca tipo japonês e blue rose - então, os únicos existentes nas lavouras e
hoje já desaparecidos.
O
gerente da filial de Mariante, meu colega e primo-irmão Loreno Lopes foi o meu
substituto em Palmitos e o parceiro na compra de arroz.
Em
1961 mudei de residência para Encantado e fui nomeado diretor superintendente
da Cosuel, matadouro frigorífico de suínos. Entrei também no ramo de óleos
vegetais, rações balanceadas, supermercado, leite em Arroio do Meio, vinho em
Nova Bréscia e erva mate em Burro Feio, no município de Anta Gorda.
Palmitos
e similares nunca mais. Não se abusa da sorte.
Leandro Lampert
Historiador
Outubro de 2017
lampertele@bol.com.br leandrolampertblogspot.com.br
quinta-feira, 5 de outubro de 2017
MEUS AMIGOS JUDEUS
MEUS AMIGOS JUDEUS
Em
fevereiro de 1944, na juventude dos meus quinze anos, comecei a trabalhar na
ACIL, em Lajeado, na função de “mandalete” (hoje office boy). Alem dos
trabalhos de rua (bancos, correio, repartições públicas, pequenas compras e
impressão de cópias em mimeógrafo à tinta), fui treinado para, nos finais de
quinzena, emitir guias de aquisição de estampilhas na coletoria estadual,
relativas ao Imposto de Vendas e Consignações para os contribuintes do fisco
estadual - comerciantes e industriais, associados da ACIL. Na guia, constariam
o nome e a inscrição de cada um e a descrição da quantidade e valor dos selos,
até atingir o valor quinzenal do imposto. Como todos deixavam para pagar no
último dia da quinzena, havia acúmulo de trabalho e eu colaboraria com os
demais funcionários atrás do balcão.
Logo
de início, Jary Jaeger - o colega que me ensinara - me disse: “Leandro, atenda
esta pessoa”; e afastou-se. Perguntei o nome do interlocutor, o qual me
respondeu: “Nathan Wechsler”. Escrevi o Natan sem o agá, pedi para ele soletrar
seu sobrenome, sua inscrição e ele me ditou os selos que ele precisava, num
linguajar com sotaque estrangeiro, terrível de entender. Depois de alguma demora,
dei a guia para ele assinar. Conferindo, me disse: “falta o agá no meu prenome”,
e tive de começar outra guia. O cidadão estava com pressa e nervoso - e eu meio
sem jeito. Conferida a guia, assinou-a e eu lhe disse: “Na próxima vez, traga
um papel com seu nome e inscrição e o valor total do imposto, e deixa que eu discrimino
os valores dos selos”. Fez um aceno com a mão esquerda e retirou-se. Notei que os
meus colegas de balcão estavam se divertindo às minhas custas e davam sorrisos
marotos da minha dificuldade como aprendiz. Nathan entendeu perfeitamente que o
utilizaram para me passar um trote e deve ter resolvido amparar-me.
No
fim da quinzena seguinte, fiz-lhe um aceno e ele passou-me um papel, com os
dados que eu lhe pedira. Fiz a guia, ele conferiu, assinou e afastou-se com um
gesto com a mão que interpretei como um até logo. Dali em diante, por opção
dele, fui o único a atendê-lo nos próximos três anos e meio que trabalhei na
ACIL Meus colegas o chamavam o “amigo do Leandro”. Nunca tive um diálogo com o
Nathan. Apenas uma simpatia recíproca.
Eu
queria trabalhar na indústria, pois estava recém formado com o título de
“contador” (estudei à noite) e era a área da minha preferência. Pedi demissão e
fui trabalhar no escritório do frigorífico de suínos e bovinos de Ritter &
Cia., em Lajeado, e nunca mais vi meu amigo Nathan.
Em
1949 fui emancipado e convidado à ser gerente administrativo do frigorífico
Sociedade Bom Retirense de Produtos Suínos Ltda. em Bom Retiro do Sul (dois km além
da vila), onde exerci a função durante mais de onze anos. Enquanto solteiro,
morei cinco anos dentro da fábrica.
Em
1956, uma grande enchente ocorreu no rio Taquari. O frigorífico ficava na
barranca do rio e acima das águas. Normalizado o nível do rio, os funcionários
me informaram que uma pedra de mármore estava, a meio barranco, encravada no
meio da vegetação e entulho. Retirado o
mármore, surpreendeu seu tamanho. Media 80 x 180 e com uma polegada de grossura,
retificado em três lados. Impecável.
Tornado público,
ninguém se apresentou para reclamá-lo e ficou encostado a uma parede externa
dum prédio.
Tempos depois, estava sentado em minha mesa de
trabalho e ouvi alguém falar. “Com licença, boa tarde”. Aquela voz, sotaque e
nariz eram inconfundíveis. Logo perguntei: “Oi Nathan, o que você está fazendo
aqui?” Surpreso: “Leandro...”. Deu-me um sorriso, lembrando-se de mim.
Disse-me que soubera
por aí que tínhamos encontrado uma pedra de mármore na barranca do rio e ela
talvez fosse dele, perdida quando sua loja de móveis novos e usados no Passo de
Estrela foi atingida pela enchente do rio Taquari em 1956. Argumentei que sua
loja fica vinte quilômetros rio acima e pedi-lhe que descrevesse a pedra. Sua
informação coincidiu com a pedra que tínhamos encontrado na barranca do rio e
concluí que era mesmo a dele.
Eu disse-lhe: “Encoste
teu caminhãozinho, porque vou chamar dois operários para colocá-la na
carroceria”. Colocada a pedra no veículo, desceu e tirou do bolso uma gorda carteira
de dinheiro e perguntou-me: “Quanto paga?” “Não paga nada Nathan, a pedra é sua
e pode levá-la”. Notei que seu olhar era de descrença e em seguida de alegria.
Estava sempre com
pressa. Despediu-se e vi a sua mão abanando pela janela do veículo até sumir-se
da vista. Nunca mais o vi.
Em 1961 fui morar em
Encantado e assumi o cargo de Diretor do frigorifico da Coop. dos Suinocultores
de Encantado Ltda.
Lá também havia uma
única família de judeus: Jacob Markus Katz. Eu frequentava o Lyons Clube e o
Markus e sua esposa - D. Berta - também.
Um dia, depois de
terminada uma reunião, vi que o sobrenome paterno de D. Berta era Wechsel.
- Conheci um Nathan
Wechsel em Lajeado. Era seu conhecido?
- Era o meu pai.
Contei as histórias
da guia de imposto e a cena da pedra de mármore. Eles desconheciam e rimos
bastante dessa descoberta, tantos anos depois.
Markus tinha uma
pequena loja de conserto de máquinas de costura e tinha um sítio onde criava
suínos. Era sócio da Cooperativa e logo travamos laços de amizade. A
suinocultura atravessava, mais uma vez, uma época de dificuldades e os
criadores estavam descapitalizados. De vez em quando, de tardezinha ele
aparecia para uma conversa.
Certa manhã ele
apareceu com a fisionomia alterada e perguntou-me:
- Você viu na TV a
guerra entre Israel e os árabes?
- Ví.
- Eu resolvi. Vou
emigrar para Israel com minha família.
- Desejo uma boa
viagem. Me diga quantos filhos você tem?
- Você sabe que eu
tenho seis filhos homens.
- Seis soldados. Muito
bom para Israel. Todo o mundo sabe que essas guerras religiosas são cruéis e o
número de mortos sempre é muito grande, mas você com seis filhos e com um pouco
de sorte, lhe restarão três ou quatro vivos, número suficiente para deixar
herdeiros.
Bati pesado.
Nisto tocou o
telefone e atendendo fiquei olhando para ele. Seu olhar ficou distante. Chocado,
levantou-se e foi embora enquanto eu terminava meu telefonema. Sumiu.
Dias depois,
terminada a guerra, apareceu de manhã, sorridente,
Você viu, mais umas
vez o David matou o Golias.
Nunca mais falou-se
em emigração para a Israel.
Um dia, ele
procurou-me, pois decidira criar frangos de corte e contou-me seu problema:
Tinha dinheiro só para comprar os 2.000 pintos e necessitava de
financiamentos de rações balanceadas da
Cosuel para o prazo de até 90 dias e sem juros. (O frigorífico de aves demorava
mais trinta dias para pagar e novo lote já estaria em andamento). Markus foi o
pioneiro na criação industrial de frangos na região de Encantado.
O nutricionista da
Cosuel era eu mesmo. Fui um dos 14 brasileiros selecionados para usufruir de
curso gratuito sobre nutrição animal patrocinado pelo Ministério da Agricultura
dos EEUU em 1957. Frequentei o North Carolina Land Grand College em Raleigh
durante dois meses. Entendia do assunto, mas nunca testara em escala uma
criação de aves para aquilatar a conversão física e econômica de empreendimento.
A pequena venda de ração para aves não comportava o custo de um teste adequado.
Fiz uma sugestão: “Vou
lhe atender, mas você se compromete a registrar todos os custos decorrentes,
assim com o a conversão do alimento em peso vivo, o percentual de mortalidade,
conversão econômica e me relatar”. Negócio fechado.
Meticuloso, Markus
era o homem adequado a conduzir o teste.
Depois perguntou-me: “e
se o lote der prejuízo?” “Conversaremos”.
Tudo na mais absoluta confiança recíproca.
Como
os resultados foram satisfatórios e a Cosuel continuou financiando o Markus até
que em breve sua conta corrente se equilibrou com naturalidade. Tive a
confirmação do valor nutritivo da ração da Cosuel, dentro do esperado.
Em
1972 fui morar em Serafina Corrêa e nunca mais vi o Markus. Soube que D. Berta
havia falecido.
Um
dia, em Xangri-Lá, um dos filhos do Markus procurou-me e deu-me um livro com
uma série de 51 crônicas saborosas semanais dele na rádio de Encantado: Filósofo de aldeia.
Mandei
para ele um exemplar do meu livro: Os
Lampert – Origens, História e Genealogia.
Markus,
aos 95 anos, foi chamado por Jeová e deixou na paisagem de Encantado a sua
participação ativa na história da comunidade.
Leandro Lampert
Historiador
Outubro de 2017
lampertele@bol.com.br - leandrolampert.blogspot.com.br
terça-feira, 22 de agosto de 2017
NOTICIOSO LAMPERT
Endereços de email - Tenho notado que muitos Lampert modificaram seus endereços de email e vários que tenho enviado retornaram. Por favor, peço para atualizarem os respectivos endereços, permitindo o diálogo comigo. Não tenho mais nenhum endereço dos Lampert de: Carazinho, Santa Rosa, Criciumal, Tenente Portela, Foz do Iguaçu, Santa Maria, Novo Hamburgo e arredores, Augusto Pestana, Coqueiros do Sul, Ati-Açu e outros mais.
Novos Lampert – Encontramos em Dionísio Cerqueira (SC) duas parentes com sobrenomes Portela Sperotto Lampert e mais Leandro Portela Sperotto Lampert em SP. Não conseguimos situá-los na nossa família. Precisamos dos seus endereços de email para contato direto.
Lampertfest – Com o falecimento precoce de Julio Cesar Lampert, de Carazinho, que comandaria nossa festa no ano passado, ficamos sem candidato para promover a Lampertfest deste ano. Candidatos poderão entrar contato comigo pelo email lampertele@bol.com.br -
sábado, 22 de julho de 2017
A COOPERATIVA AURORA
(SC) E EU
Uma história quase inverossímil
Em outubro de 1961 assumi o cargo de
Superintendente na Cooperativa dos Suinocultores de Encantado Ltda., no ramo
principal de industrialização de suínos - ramo no qual eu já tinha 13 anos de
experiência em duas empresas industriais de caráter particular. O
cooperativismo era novidade para mim. Me limitei a comandar a aquisição,
industrialização e a venda dos produtos originados, assim como o comando das
finanças da cooperativa, com as habituais deficiências de caixa.
Em pouco tempo, consegui modificar
completamente a situação. A obtenção de resultados econômicos que fortaleceram
o nome e o caixa da empresa me trouxe conceito no meio cooperativo, apesar das
críticas à minha administração modelo “capitalista”. Eu a considerava
Cooperativismo de Resultados.
A Cosuel operava também como uma
Central Cooperativa, e tinha número razoável de cooperativas Agrícolas Mistas
ou Cooperativas Tritícolas associadas. Elas encaminhavam à Cosuel parte da
produção de suínos e soja dos seus associados, não havendo obrigação de
fidelidade.
Até cerca de 1964, as cooperativas
eram subsidiadas pelo governo do Estado, que as isentava do Imposto de Vendas e
Consignações (6 %) na aquisição da produção pecuária e igual montante
descontável no imposto a ser pago sobre as vendas da produção a terceiros. A
soma das duas isenções resultava em uma vantagem de cerca de 6% sobre as vendas
num ramo de negócios que, bem administrado, gerava cerca de 3% de resultado
positivo sobre o montante de vendas. Isto durou até que o Estado modificou o imposto
sobre as vendas (ICMS, 15%), igualando o imposto das cooperativas ao mesmo
valor das empresas privadas.
Com o passar do tempo, fui sendo
procurado em Encantado por diretores das cooperativas associadas – e também por
outras desconhecidas –, que vinham trazer ao meu conhecimento seus problemas
administrativos, procurando conselhos para resolvê-los. Na maioria dos casos,
já era tarde demais para quaisquer providências. Vi homens com os olhos rasos d
água ao saírem do meu escritório. Uma vida em torno de um ideal, perecendo
inexoravelmente. Num ano, mais de 600 cooperativas fecharam suas portas. Já
estavam insolventes com uma administração incompetente e distante da realidade.
Sempre os mesmos erros: compras e vendas mal feitas, dívidas incobráveis de terceiros
e de associados decadentes, além de artifícios contábeis para esconder
prejuízos. Diretores não sabiam nem ler e identificar um balanço geral, que
dirá um exame de velocidade de rotação dos estoques, e muito menos verificar o
índice de liquidez financeira, em plano decrescente a cada balanço.
Entre outros, lembro alguns casos em
que, chamado, fiz intervenção:
PADRE FELIX
BUSATTA – Vigário de Paraí, 100 km ao norte de Encantado.
Me visitou em Encantado. Estava
desesperado e me contou a sua história: Fundaram uma cooperativa industrial de
soja, e compraram uma pequena prensa expeller japonesa. Trabalharam durante
seis meses e não conseguiram vender nenhum quilo da torta e nem de óleo bruto.
Ingênuos. Não conheciam a área. Pediu socorro e apelou que eu fosse a Paraí
para ver de perto o problema. Fui no dia seguinte e logo vi o tamanho do rolo.
O padre já tinha visto que a prensa tirava apenas a metade do óleo de soja,
sendo que o óleo produzido era estocado em tanques horizontais sem torneira para
retirar o precipitado por decantação. Óleo com acidez e torta estocada já
rançosa. Os salários estavam atrasados e havia dificuldade para pagar a energia
elétrica. Que rolo. Pediu socorro para evitar o desastre de entrar em
liquidação. A Cosuel se propôs a adquirir o óleo, a torta (ambos precisavam de
rebeneficiamento) e também sugeri que vendessem a soja. Era perigoso arriscar a
aquisição de matéria prima semi elaborada e que ninguém queria comprar. A
Cosuel pagaria a primeira carga de torta e de óleo à vista para sanear as
contas mais urgentes. Sugeri que dentro de uma semana me informasse acerca do
andamento das coisas. Informei que haveria um grande prejuízo, mas era o melhor
que eu poderia propor. O Padre não esperou, tal a ansiedade – fechou o negócio
na hora. Mandou o óleo, a torta e todo o estoque de soja. A Cosuel pagou e
nunca mais tive noticias além de que a pequena cooperativa tinha fechado as
portas. Não fui o curandeiro. Fui o coveiro.
COOP.
TRITÍCOLA DE NÃO ME TOQUE - Uma associada. Tudo idem, com duas prensas iguais.
Um mês depois, já souberam da solução de Paraí e desejavam tratamento igual. OK. Mas havia uma
diferença: a tritícola já era uma Cooperativa viável. O seu presidente tinha o
sobrenome Roos.
COOPS.
TRITÍCOLAS DE SANTA BÁRBARA, ERVAL SECO E A OUTRA POSSIVELMENTE DE PALMEIRA. –
Eram associadas. Mandaram me chamar, pois estavam insolventes e queriam fazer
fusão numa AGE coletiva num sábado próximo - queriam a minha opinião. Fui. Me
convidaram para sentar junto à mesa. O clima era favorável (na minha opinião,
três se afogando e cada um agarrado no outro. Morte certa). Juntando três
quebradas, daria uma inteira. Ao pedir a minha palavra, elogiei a iniciativa de
buscar uma solução conjunta, mas na minha opinião não deveriam formalizá-la por
escrito. A situação atual era devida em razão de que a cobrança dos serviços
(pesagem, secagem, armazenagem e carregamento da produção agrícola) não pagava
o custo operacional e que deviam, em conjunto, fazer um estudo do custo real,
mais a inflação e mais a cobertura do prejuízo do ano para a safra seguinte.
Fizeram uma pausa para o churrasco e logo me despedi, deixando liberdade para
cada um se manifestar sem o constrangimento de minha presença. Se os associados
não aceitassem, que providenciassem na extinção das cooperativas. Lei seca.
Mais tarde, e por terceiros, soube que tinham aceitado a minha sugestão. Nunca
mais tive qualquer notícia. Estão vivas, separadas e operantes até hoje.
COOP.
AGRÍCOLA MISTA RIO PARDINHO – SANTA CRUZ DO SUL. - Associada. Mandaram me
chamar para uma reunião do Conselho. Estavam insolventes e a produção de suínos
local era enviada ao concorrente de S. Cruz do Sul. Queriam socorro. Repeti a
sugestão que já tivera sucesso em outras cooperativas. A cooperativa seguiria
comprando os suínos a 30 dias e a Cosuel os pagaria a vista em dinheiro ou
mercadorias de venda nas lojas, transferidas ao mesmo preço praticado com as 24
lojas da Cosuel. Fidelidade obrigatória. Na minha opinião, seriam necessárias 2
cargas de suínos por mês para a sobrevivência e três para o desenvolvimento.
Com menos de 2 cargas por mês, a cooperativa não sobreveria. Primeiro mês,
sucesso – 3 cargas. No segundo, duas, e no terceiro uma. Fim de papo. O
presidente veio a Encantado explicar que a suinocultura estava sendo trocada
pela fumicultura e queria adquirir mercadorias de loja a prazo. Neguei e dei as
dicas para fecharem a cooperativa, dando o mínimo de prejuízo para os
associados. Sou um defensor da eutanásia de empresas. Não deixe morrer. Mate.
Primeiras coisas a fazer: não pagar os impostos nem duplicatas de fornecedores.
Vender ou hipotecar o imóvel para saldar dívidas bancárias com aval de colonos
e pagar os sócios pequenos. A cooperativa iria à liquidação voluntária e os
credores, inclusive os funcionários, seguiriam dentro dos preceitos legais de
precedência.
COOPERATIVA
TRITÍCOLA DE SOLEDADE. - Associada. Seu presidente na época tinha o sobrenome
Pederiva. Os associados pecuaristas (alguns já associados à Cosuel, que
limitara o número de criadores de gado) o convenceram a contragosto a edificar
um matadouro de gado na cidade. Estavam escavando os alicerces quando o
presidente resolveu me procurar. Estava receoso de má iniciativa. Dei totais
garantias de insucesso. Fui curto e positivo. Não se meta onde você não
entende. Associados da Cosuel só entregavam gado para abate de janeiro a maio,
época de fartura. Desistiu. Dois anos depois, nos encontramos. Ele, rindo, me
agradeceu por tê-lo livrado de uma iniciativa ruinosa. Até hoje ninguém
construiu matadouro bovino com Inspeção Federal em Soledade. Foi o único que me
agradeceu.
COOPERATIVA
AURORA – SC - Não me admirei do convite feito pela
Aurora. Era simples rotina. Eu não iria à Chapecó sem ter sido convidado (e
gratuitamente) por alguém que não merecesse a minha consideração – no caso, o
prefeito de Encantado, Adilar Bertuol, irmão de Valmor Bertuol, ligado à
administração da Coperalfa ou Aurora.
Eventualmente,
eu dava assessoria a uma série de cooperativas que andavam mal das pernas. Para
muitas, eu não receitava remédio e simplesmente dava logo a extrema unção. Uma
cooperativa somente terá sucesso se for necessária aos associados.
Eu tinha salvado a Cosuel da derrocada e gozava de alto conceito no meio
cooperativo e, consequentemente, no Banco do Brasil. Talvez o Valmor Bertuol,
na Aurora, sufocado por um empréstimo do BB que provavelmente não viria mais,
pediu ao irmão que me convidasse para dar uma ajuda. Fomos eu e o Nelson
Schwambach, diretor industrial da Cosuel. Esperavam-nos várias pessoas
desconhecidas: Valmor Bertuol, provavelmente o gerente do BB e mais duas ou
três pessoas ligadas à administração da Aurora.
Eu
apenas escutei o que tinham a dizer, e tomei algum conhecimento. Quando surgiu
a ideia de vender a cooperativa (creio que a sugestão foi dada por alguém do BB)
ao Plínio de Nes do Frigorífico Chapecoense e ninguém se manifestou, perguntei –
por que não vamos lá? Eu não conhecia o Plínio de Nes nem ele a mim, mas ambos
sabíamos quem o outro era. Fomos. Era 14
de janeiro de 1972. O encontro aconteceu. O Plínio foi bastante atencioso e
como todos se calaram e olharam para mim, eu é que tive de fazer a oferta, sem
ter a menor autoridade para isso, recusada com polidez.
Voltamos à Aurora em clima de velório. Imaginei um tiro no escuro
e eu sugeri se - quem sabe - uma correspondência minha ao BB ajudasse. Eu não
tinha muita fé, mas era uma derradeira tentativa. Eu faria um reestudo e
pequeno plano para abater 200 suínos por dia, com a lucratividade habitual de
todos (3%), acrescido da posição de Chapecó, grande produtor de milho e suínos,
ponto geográfico dos melhores e existência de um rebanho já com indícios visíveis
da aceitação do suíno tipo carne, formado por várias cooperativas
agrícola-mistas e outros argumentos. No fim do trabalho anotei que referências
sobre mim poderiam ser obtidas na gerência do BB de Encantado. O reestudo foi
entregue ao BB de Chapecó. Dias após, o
gerente do BB de Encantado me avisou que o BB de Florianópolis queria uma
entrevista comigo. Eu disse – Não vou. Só irei se mandarem um avião me buscar. Marcamos dia e hora e esperei pelo voo na
pista do aeroclube em Estrela.
Aterrissado
o avião e contatado o piloto, me apresentei como piloto privado de aeroclube e
me permiti sugerir um plano do voo feito por mim. Voaríamos a 400 m de altura
sobre o solo, direto para São Francisco de Paula, dali para o Itaimbézinho e
até o mar, subindo pelo litoral até Florianópolis. Deu uma risada e aceitou.
Quando chegávamos ao Itaimbézinho perguntou-me. – Vi que você gosta de
aventuras. Você já voou abaixo do solo? Não? Então agora vai! – e conduziu
avião para dentro do cânion. Pelas janelas laterais da aeronave, vi apenas as
paredes rochosas e vegetação. Aventura fascinante e inesquecível. No trajeto
pela orla marítima, vislumbrei paisagens lindíssimas até o aeroporto. Quando
passamos sobre um local, eu disse para o piloto: - Um dia terei uma casa nessa
praia. Poucos anos depois, comprei terreno e construí uma casa na praia do
Sonho, na rua Tangarás, 56.
Na
reunião com o Banco do Brasil em Florianópolis (só agora concluí que também o
BRDE e FUNDESC também estavam presentes) estiveram quatro pessoas, entre eles
um que visivelmente era resistente à proposta. Me inquiriram à vontade. Queriam
saber tudo. Diálogo proveitoso. Lentamente essa pessoa também passou a aceitar
o plano e quando notei, durante o diálogo, não se usava mais a palavra “se” e
sim “quando”. Fiquei razoavelmente otimista. Recomendaram a aceitação do
reestudo de viabilidade e as Diretorias Financeiras Bancárias formalizaram os
contratos de financiamento. Minha participação se encerrara e meu silêncio
começava.
Eu
soube pelo BB de Encantado da aceitação do meu trabalho e abertura de crédito
para a Aurora. Nunca mais tive qualquer informação.
Um
primeiro passo havia sido dado e agora cabia ao Conselho tomar as demais
providências que seriam necessárias. Entre os conselheiros e participantes,
temos os nomes de Orlando Jacob Cella, Nilson Olímpio Batiston, Victorino
Setembrino Zanchet e Gil C. Tozzi, que em conjunto prosseguiram com as
démarches juntos aos Bancos Financiadores e legalização junto às autoridades
fiscais. Restava definir uma pessoa capacitada para exercer o comando efetivo
da cooperativa. A escolha caiu sobre Aury Luiz Bodanese, acompanhado de outros
diretores, que trataram logo, com sucesso, de todos os assuntos pertinentes ao
desenvolvimento da Cooperativa Aurora.
Logo após a entrega do pedido ao
BB, soube por terceiros que Aury Luiz Bodanese assumira a presidência da Aurora
e acompanhei de longe, orgulhoso, o desenvolvimento que ele imprimiu para levantar
a Aurora ao nível de sucesso e segurança financeira e econômica.
Pouco tempo depois, fui a um
simpósio de cooperativas em Recife e vi que Aury Luiz Bodanese era um dos
participantes. Procurei-o e ao encontrá-lo me identifiquei como sendo o autor
do reestudo de viabilidade econômica junto aos bancos de Florianópolis. Aury,
sem dizer uma palavra, retirou-se. À tarde, procurei-o novamente e outro
afastamento. Não entendi o acontecido. Tempos depois, num outro simpósio, nem
nos olhamos. Aquele homem me detestava. Por quê?
Mesmo
com suas deselegâncias comigo, tive satisfação do desenvolvimento dele. Afinal,
eu me considerava um dos “padrinhos” da Aurora e o sucesso dele também era o
meu.
Calei durante quase meio século, esquecendo o
episódio e não me perturbei. Nesse ínterim, a notícia aterradora da TV sobre o
desastre com o avião que levava jogadores e diretores do Chapecoense para a
Colômbia, matando quase todos os passageiros e tripulantes. Chocante.
Eu
não acompanho jogos de futebol. Sabia que o Chapecoense era um time da primeira
divisão, mas não sabia que a Aurora o patrocinava.
Vendo
e ouvindo as notícias na TV, tive um choque emocional e me contive, desligando
a TV, para não chorar. Aquela gurizada com camisetas da Aurora, a bananada do
piloto, a minha afilhada Aurora de luto. Por já ter tido uma pane num avião que
eu pilotava (um monomotor Paulistinha) e feito um pouso sem motor – perfeito,
em uma roça de fumo - sabia da emoção e lembrança do caso frustrante e
inexplicável da Aurora/Bodanese. Que tragédia. Me recuperei e tornei a ligar a TV de novo.
Contei
o fato para meu amigo fraterno Milton Lunardi, de Chapecó. Ele interessou-se em
descobrir o que poderia ter acontecido com o Aury, segundo ele, um gentleman,
para me tratar daquela maneira. Iria tentar descobrir o que poderia ter
acontecido. Localizou Orlando Cella, ex secretário da Aurora na época e um dos
que me aguardavam em Chapecó, ainda vivo e lúcido. Inquiriu-o e ele disse que
um “alemão” e um companheiro fizeram um reestudo de viabilidade econômica da
Aurora, ele o lera e achara bom. Milton lhe perguntou se seria o Leandro
Lampert, disse-lhe: Era mesmo ele.
Pesquisando no Google, Milton achou crônica sob o tópico Aury Luiz
Bodanese, e me passou informações que permitiram eu também encontra-la,
referências elogiosas a um líder cooperativista gaúcho, vítima imprudente de um
fato lamentável que conto em meu livro – FATOS E CRÕNICAS – sem citar nomes,
mas agora, repito o que escrevi nominando empresas e pessoas. Para que o fato
seja conhecido com o subtítulo de Reminiscências Profissionais 1. Segue abaixo
REMINISCÊNCIAS PROFISSIONAIS - 1
Em
1961, quando assumimos cargo de Diretor Superintendente da Cooperativa dos
Suinocultores de Encantado Ltda., já encontramos um acordo verbal em vigor
entre as cooperativas de produção e as de consumo. Estas dariam uma preferência
de compras àquelas e que em retribuição adotariam o prazo de vendas de 45 dias,
em lugar dos habituais 30 dias vigentes no comércio tradicional.
Como as cooperativas de consumo pagavam
habitualmente no prazo faturado, não existiriam maiores problemas. Assim se
passaram alguns anos sob constante vigilância da Cosuel.
Entretanto, verificamos que essas
cooperativas de consumo de funcionários de grandes empresas econômicas (Coop.
dos Bancários e Coop dos Funcionários Públicos), entre outras, passaram a
atrasar os compromissos, pagando juro de mora pelo atraso que chegava a 15 dias.
Assim, compravam e pagavam a 60 dias e venderiam no máximo em teóricos 30 dias,
uma vez que o consumo mensal dos seus associados seria descontado nas folhas de
pagamento das categorias com associados de padrão médio. O fato despertou um
alerta íntimo. Havíamos encontrado algo inexplicável.
Era fácil prever o sucesso dessas cooperativas
de consumo, desde que houvesse um limite técnico e rigoroso para o consumo
mensal de cada associado, baseado no valor nominal do salário de cada um. Sem
limite, desastre previsível.
Em 1966 quando a Cosuel decidiu entrar no
ramo de supermercado para atender seus associados e funcionários, cabia uma
visita às cooperativas de consumo já existentes e que gozavam de alta
consideração por sua organização e eficiência.
Solicitamos uma visita às duas
maiores para formarmos uma ideia de um ramo desconhecido para nós. Convidados,
lá nos apresentamos.
Recebidos com gentilezas, fomos conduzidos
às instalações físicas adequadas e também aos escritórios de contabilidade e
tesouraria. Tudo dentro dos conformes.
Nos foi entregue um balancete atualizado e um
balanço do exercício anterior. Rapidamente avaliamos a sua liquidez financeira,
bastante razoável, mas nos chamou a atenção um imenso ativo realizável a curto
prazo. Inquirimos o contador que nos explicou que aquele montante era o valor
dos débitos de compras de todos os associados e para nossa surpresa, igual à
soma de dois meses de venda. Assim, o prazo médio real de venda seria de 60
dias e não no mês subsequente como a teoria indicava. Daí o aperto financeiro.
Horrorizados, previmos que isso acabaria mal em pouco tempo.
As
diretorias permitiram que os associados se endividassem progressivamente, sem
nenhum critério de responsabilidade. Certamente contavam com esses votos para
se reeleger nos cargos administrativos. .
Desses devedores, possivelmente a maioria,
mantinha suas contas em dia e para que desse essa média, uma minoria deveria
estar com grandes atrasos e esse débito seria rolado cada mês e jamais seria
ressarcido. Em resumo, a cooperativa estava, na realidade, insolvente e a
situação progrediria até que um dia estourasse.
Não demonstramos
surpresa, agradecemos e fomos à outra cooperativa de consumo. Constatamos
existir situação idêntica e que logo generalizamos a todas as cooperativas de
consumo, nossas maiores clientes. Em caso de quebra generalizada, seríamos os
primeiros a sofrer as consequências. O valor que perderíamos, seria igual à
venda de dois meses para elas. Não teríamos como suportar.
Seria preciso enérgica
providência e o sigilo era absolutamente necessário. Determinamos por escrito a
cada unidade de venda em Porto Alegre, que, sem maiores explicações,
suspendessem a venda a prazo para todas as cooperativas de consumo, alegando
ordens superiores.
A ordem causou enorme rebuliço e contestação.
Nos recusamos a explicar. Quebraria o sigilo indispensável. Pedimos que confiassem e que sabíamos o que
estávamos fazendo. Nem ao nosso presidente revelei. Ninguém bota fora, sem
razão, uma clientela que representava mais de um terço das vendas em Porto
Alegre.
As unidades de venda, bem gerenciadas, logo
conquistaram novos clientes e a venda mensal continuou a mesma.
A
Cooperativa dos Suinocultores de Getulio Vargas assumiu o nosso lugar sem a
menor consulta a nós ou aviso. Logo entendemos que ela seria a vítima
voluntária e inocente a ser sacrificada no altar da voracidade do comércio e
indústria. Problema dela. Ignorara que não existe almoço grátis.
Dentro de dois meses, a Cosuel não tinha mais
nenhum haver das cooperativas de consumo.
Era só esperar pelo estouro que
certamente em breve viria.
Pouco tempo depois, numa reunião mensal do
Sindicato das Indústrias de Produtos Suínos do RGS, um colega, diretor de uma
média indústria na região italiana, nos puxou para o lado e perguntou se era
verdade que suspendêramos as vendas para todas as cooperativas de consumo.
Confirmamos e depois perguntou por quê. Nos encaramos e lhe dissemos em dialeto vêneto – Fate furbo –
Faça-te experto ou abra os olhos e nos afastamos. Logo vimos que ele segredava
para outro colega alguma coisa e fazia gestos em nossa direção. Entendemos que
ele estava recomendando para ele também suspender as vendas aos mesmos
clientes.
O estouro estava iminente e logo aconteceu.
Ninguém mais quis vender a prazo para essas cooperativas de consumo. O déficit
financeiro logo apareceu e em seguida cerraram as portas por falta de
mercadorias e crédito.
Prejuízos em larga escala para muitos
fornecedores.
Cooperativas não entram em falência e sim em
liquidação. Dezenas fecharam as portas e não pagaram nenhum credor. Os
patrimônios serviram apenas para pagar os encargos trabalhistas. Ufa, escapamos
por pouco.
Os
associados, por óbvio, não resgataram seus débitos com as cooperativas e ainda
rasparam fiado os saldos do estoque.
Fomos severamente criticados por não alertar
as outras cooperativas de produção, mas o sigilo absoluto era necessário para
que nos salvássemos dum enorme prejuízo. Os diretores da Getúlio Vargas é que
foram imprudentes.
A
cooperativa industrial que nos substituiu junto às cooperativas de consumo teve
o destino previsto.
Ficamos
sabendo que essa cooperativa solicitara auxilio de Aury Luiz Bodanese para que
a Aurora a encampasse. Para tanto e certamente, atribuíram mim as culpas pelo
ocorrido. Um traidor do sistema cooperativo. Daí, concluí, a reação negativa de
Aury sobre a minha pessoa. A Aurora recusou a incorporação.
Minha responsabilidade
era apenas com a Cosuel, que pagava os meus salários. As demais cooperativas,
que abrissem os olhos – fate furbo.
Em Getúlio Vargas, com
os mesmos associados e diretores, havia a Cooperativa Tritícola, que terminou
por absorver a coirmã insolvente e passou a gerenciar a atividade industrial
com seu nome até novo incidente que a seguir relato em
REMINISCÊNCIAS PROFISSIONAIS - 3
Em 1961, assumimos como Diretor
Superintendente da Cooperativa dos Suinocultores de Encantado Ltda. e constatamos
que a Cosuel já tomara medidas competentes para se atualizar industrialmente.
Construíra um túnel de congelamento de carne suína e respectiva câmara de
estocagem para 70 toneladas. Iniciara a produção, lotara a câmara e o túnel.
Produzira mas não vendera um quilo sequer. Assim a encontramos.
As vendas da produção industrial da Cosuel
eram todas realizadas por intermédio da União Sul Brasileira de Cooperativas
Ltda., uma cooperativa central à qual a Cosuel era filiada. Ela recebia,
vendia, cobrava, prestava contas e enviava o dinheiro pelo banco. O critério de
pagamento era o da antiguidade do crédito. Justo, mas excessivamente demorado.
Criava problemas no fluxo de caixa e era imprevisível. Os preços obtidos eram
adequados e estavam dentro de valores plenamente aceitáveis.
Como a União não tinha câmaras frias e não
entendia do ramo, não se interessou em intermediar a produção de carne
congelada suína da Cosuel e a produção ficou encalhada. Nenhuma outra medida
foi tomada. Depois de 6 meses congelada, a carne suína perde o valor comercial.
Oxida e ninguém mais a compra.
De
imediato, tomamos as primeiras medidas para iniciar a venda. Conhecíamos uma
representação no Rio de Janeiro, que efetuara as vendas durante os 11 anos em
que trabalhamos num frigorífico de Bom Retiro do Sul. Corretos e competentes.
Vendiam por pedidos, mediante comissão e o faturamento era direto pela Cosuel,
que tinha a possibilidade de descontar a duplicata em bancos, obtendo o
dinheiro no dia seguinte ao embarque. Mudou completamente o fluxo financeiro.
Aos
poucos, o mesmo representante foi autorizado a vender outras mercadorias
fabricadas pela Cosuel. No mínimo serviriam como parâmetro para comparar com as
vendas da União. Igualavam-se nos preços, mas o faturamento direto permitia a
obtenção imediata do dinheiro no banco.
Junto
à União, constantemente reclamávamos da demora e imprevisibilidade do dinheiro.
Cada vez mais mercadorias para o representante e menos para a União. Nunca
fomos a uma Assembleia. A Cosuel sempre foi representada por seu presidente.
Numa Assembleia Geral Ordinária, sem sermos
consultados, nos elegeram por um ano como um dos três membros do Conselho
Fiscal.
No escritório da União, procuramos nos
atualizar nos sistemas, sempre atendidos com frieza - e até mesmo hostilidade.
Começamos fazendo perguntas banais até sermos classificados como ingênuos e
inofensivos. Eles veriam quanto.
Numa oportunidade e na ausência do contador,
pedimos a um funcionário a abertura de um ativo realizável a curto prazo de
valor expressivo. Tínhamos constatado que esse valor era o mesmo do balanço do
ano anterior e no mínimo esse ativo, não seria de “curto prazo”. Na série de
fichas a que tivemos acesso, o último lançamento era de seis anos atrás e dizia
apenas - saldo devedor. Eram mais de 10 fichas, todas em nome de cooperativas
desconhecidas. Fizemos mais algumas perguntas inocentes e nos retiramos.
Ante
o Diretor Administrativo, fizemos uma pergunta em tom casual. Que Cooperativa
era aquela que se chamava ………..…. – Essa cooperativa já fechou as portas há
muitos anos atrás. Conclusão: esse enorme ativo realizável a curto prazo era composto de créditos de cooperativas que
já tinham cerrado suas portas há muito tempo
e simplesmente não valiam mais nada.
O Ativo do balanço tinha o Caixa, o
Imobilizado e o Ativo (ir)realizável. Feito novo exame, constatamos que a
União, simplesmente estava insolvente e irrecuperável.
Não
tivemos qualquer dúvida, como membro do Conselho Fiscal, em aprovar as contas
daquele exercício. O problema era muito anterior ao nosso mandato.
Oportunamente, quando os haveres da Cosuel tivessem sido ressarcidos, ele seria
devidamente considerado. Novamente, o sigilo seria necessário.
Daquele
dia em diante e sem justificativa, não enviamos mais nenhuma mercadoria para
ser vendida pela União. Mantivemos sigilo total. Dentro de três meses a União
havia pago todos os nossos créditos. Tínhamos nos safado mais uma vez de um
considerável e previsível prejuízo.
Na
AGO seguinte, no momento de ser aprovado o balanço, pedimos a palavra e
solicitamos a abertura daquele ativo. Surpresa geral, estupor e correria.
Assembleia suspensa e conhecimento de todos da real situação da União. A
Diretoria demitiu-se. Falou-se em eleger novos diretores. Afastamo-nos para um
lado e não participamos das tratativas. Já sabíamos que a União estava
liquidada.
Nos afastaríamos da Cosuel no fim do mês e me atribuí, antes disso, o dever de erradicar a União, burocrática e já desnecessária. Não seria preciso eutanásia. Ela já estava morta no mínimo há seis anos e ninguém vira. Que incompetentes. Diretores e associados completamente cegos. Não viram em anos o que eu percebera em apenas um minuto. A erradicação era necessária, pois eu acreditava que com o meu afastamento a Cosuel viria novamente vender seus produtos através União. Foi o meu último ato cooperativo e despertei novos rancores.
Nos afastaríamos da Cosuel no fim do mês e me atribuí, antes disso, o dever de erradicar a União, burocrática e já desnecessária. Não seria preciso eutanásia. Ela já estava morta no mínimo há seis anos e ninguém vira. Que incompetentes. Diretores e associados completamente cegos. Não viram em anos o que eu percebera em apenas um minuto. A erradicação era necessária, pois eu acreditava que com o meu afastamento a Cosuel viria novamente vender seus produtos através União. Foi o meu último ato cooperativo e despertei novos rancores.
Na minha opinião, o fechamento da
União não faria nenhuma falta. Cada cooperativa deveria ter o seu próprio
marketing e comandar as vendas segundo seus interesses e necessidades
financeiras.
Todas
as demais cooperativas filiadas tiveram que suportar a sua proporção no
prejuízo no enceramento das atividades. Não receberam seus créditos. Muitas
entraram em liquidação. A Cosuel foi a única que nada perdeu.
O abalo foi de tal monta, que nem chegamos a
ser criticados pela manutenção do sigilo até que o momento fosse oportuno.
Foi então que a Tritícola Getulio Vargas, por
sua vez, tornou-se insolvente e sem capital de giro, teve de alugar suas
instalações industriais para a Pamplona Alimentos de Santa Catarina até hoje.
Um
grupo de diretores de cooperativas associadas à União consultou-nos se
aceitaríamos presidi-la. Recusamos, é lógico. Era início de março de 1973 e no
dia 3l sairíamos da Cosuel. Dentro de um mês, em 1º de maio, numa AGO já
convocada, assumiríamos como diretor do Frigorifico Ideal em Serafina Corrêa,
onde atuamos durante nove anos.
Nesse ínterim, projetamos, construímos e
ativamos o matadouro de aves e todos os seus departamentos: produção de ovos,
incubatório, galpões automatizados para produção de frangos, caminhões para
distribuição de rações a granel, licenciado para exportação e que há muitos anos
abate 180.00 aves diariamente. Mudou completamente a fisionomia econômica e
social daquele município.
---oooOooo---
Retornando ao meu
diálogo com Milton Lunardi, ele continuou com as pesquisas e a Aurora o
abasteceu com uma ata da COOPERATIVA CENTRAL OESTE CATARINENSE LTDA, datada de
28 de março de 1973, que registra o seguinte relatório:
Sempre
que houvesse alguma dúvida na administração das empresas em que fui diretor,
mentalmente, eu trocava de lugar com o lado contrário para formar uma opinião
segura. Foi o que eu fiz em relação à Aury Luiz Bodanese. Se um colega e amigo
confiável me informasse que o diretor de uma cooperativa coirmã agira de modo
destrutivo e criasse uma cilada em relação à minha empresa e a prejudicasse, eu
também agiria com essa pessoa da mesma forma com que Aury agiu comigo. No caso,
o informante que estava pedindo auxílio deve ter contado a história de maneira
envenenada, eximindo-se de ter agido afoitamente e sem a necessária cautela
para o fato de um dirigente aceitar clientes que a colega rejeitara, sem
procurar a razão disso, foi de uma imprudência abissal. Custou-lhe caro. Para
safar a Cosuel, o sigilo absoluto era necessário. Jamais fiz qualquer sugestão
para alguém assumir o nosso lugar numa operação que, eu antevia, terminaria em
desastre. Por isso, livro Aury Luiz Bodanese de qualquer suspeita de má fé.
A desgraça se repetiria
com o desastre da União. No caso, a Tritícola de Getúlio Vargas deixaria de
receber os valores que tinha a receber dela e, por sua vez, ficaria ela própria
insolvente a ponto de ter de alugar o estabelecimento industrial de abate de
suínos para outra empresa de Santa Catarina, a Pamplona Alimentos, concorrente
da Aurora. Mais uma consequência da má administração da Cooperativa dos
Suinocultores de Getúlio Vargas – a mesma que administrara vários anos a União
das Cooperativas.
Tenho certeza que Aury
agiria da mesma forma que tive de agir para salvar a empresa da qual eu era
funcionário. Creio que o Aury, pela forma de agir, tinha relativa semelhança
com a minha maneira de administrar uma cooperativa.
Num momento crucial eu
fora um elo decisivo na corrente da vida inicial da Aurora e gostaria que os
atuais diretores tenham conhecimento da minha participação. Já fui muito
gratificado pelo sucesso da Cooperativa.
Porto Alegre, 31 de março de 2017
Leandro Lampert
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